Alice Moderno por Augusto Cabral, 1903 |
Recordar ALICE MODERNO (2)
Maria Evelina de Sousa e Alice Moderno |
Do blogue - DEZANOVE
Alice Moderno e Maria Evelina: Especulações sobre uma possível história de amor
"Pesquisar sobre a vida de uma personalidade pode ser misteriosamente difícil quando se fala de Alice Moderno. A escassa e pouco acessível informação aliada às informações contraditórias são um amontoado de becos sem saída e inversões de marcha.
Depois de uma semana de avanços e recuos, hoje, 8 de Março, também quero reescrever a história à minha maneira.
Alice Moderno nasceu em Paris em 1867 e muda-se para os Açores com a família ainda antes dos 20 anos. É conhecida por ter sido a primeira mulher a frequentar o liceu (hoje Liceu Antero de Quental), por usar cabelo curto e por fumar em público.
Foi escritora, jornalista e empresária. Fundou e dirigiu jornais onde partilhava as suas convicções e ideais. Foi acérrima defensora da igualdade de direitos e protectora dos animais, tendo fundado a Sociedade Micaelense Protectora dos Animais. Socialmente influente, movia-se no meio da cultura e interessava-se por política. De ideais feministas e republicanos, fez parte da Liga Republicana de Mulheres Portuguesas, impulsionou e estimulou a instrução a crianças do sexo feminino.
Quem escreveu sobre a sua vida amorosa, menciona a relação que teve com Joaquim Araújo, cônsul em Itália, com quem se correspondia e iria(?) casar se este não tivesse falecido.
No seu primeiro romance dedicado ao falecido avó, Alice Moderno diz esperar poder um dia descansar junto a ele no jazigo da família em Père Lachaise.
Maria Evelina de Sousa, natural de São Miguel(?), foi professora primária e directora da "Revista Pedagógica". Feminista e republicana, também fez parte da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas e da Associação de Propaganda Feminista.
Em 1911 funda um museu inserido numa escola primária na freguesia de Santa Clara, em Ponta Delgada. Alice Moderno, que normalmente não falava em público, comparece e intervém. Maria Evelina escrevia com frequência no jornal "A Folha" fundado por A.M., na secção de "Composições Charadísticas" (na imagem, datada de 18 de Março de 1909) sobre amores que não se conhecem.
Igualmente fundadora da Sociedade Micaelense Protectora dos Animais, durante décadas as duas mulheres acompanharam-se e apoiaram-se nos seus trabalhos sociais, pela valorização da educação, dos direitos das mulheres e defesa da Natureza.
Durante mais de 40 anos, Alice Moderno e Maria Evelina partilharam as suas vidas, lutas e projetos.
A "amizade" entre as duas foi criticada na sociedade micaelense, abastada de moralismos e conservadorismo que perduram, atirando a relação de ambas para a clandestinidade.
Alice Moderno morre a 20 de Fevereiro de 1946 e 8 dias depois morre Maria Evelina. Terá sido desgosto? Suicídio? Incapacidade de lidar com a ausência de A.M.?
As suas mortes não lhes trouxeram reconhecimento pelo trabalho incansável de desenvolvimento social, nem tão pouco pela ousadia em derrubarem normas. Muito pelo contrário, foram esquecidas e silenciadas, inviabilizando assim também a sua sexualidade.
Ao contrário do que pensou na sua juventude, a última morada de Alice Moderno não foi no jazigo da família no cemitério de Père Lachaise em Paris mas sim no seu próprio, que adquiriu em Ponta Delgada. Deixado ao abandono, em estado de degradação, tive oportunidade de visitá-lo há dias no aniversário do seu falecimento. Os vidros partidos permitem ver o interior onde podemos reparar na existência de um segundo caixão, que poderia ser anónimo se não tivesse uma fita caída com o nome de Maria Evelina de Sousa.
Pasmem-se! Contra tudo e todos, tal como em vida, Maria Evelina e Alice Moderno continuam lado a lado, derrubando as regras e opressões, para toda a eternidade.
Em dia de luta, a nossa melhor homenagem só pode ser recordá-las, ou melhor: recuperá-las!"
Cassilda Pascoal
Do blogue
Pois alevá...Diário de um Professo
A República
Alice Moderno, Maria Evelina de Sousa e a República
Alice Moderno, que nasceu em 1867, teve a oportunidade de viver e assistir à queda da monarquia, saudar o advento da República e “aderir de alma e coração ao partido republicano”, segundo Maria da Conceição Vilhena, e passar os últimos anos da sua vida, primeiro sob a Ditadura Militar e depois sob o Estado Novo.
Até ao momento, não encontramos qualquer informação sobre a participação de Alice Moderno na vida interna de qualquer partido, o que é conhecida é a sua defesa do regime republicano no seu jornal “A Folha”, mesmo após algumas deceções que lhe causaram algumas medidas tomadas pelos republicanos no poder.
Entre Junho de 1918 e Maio de 1925 publicou-se em Ponta Delgada o semanário republicano “A Pátria” que, entre outros, teve como diretores José da Mota Vieira e António Medeiros Franco. De entre os colaboradores do jornal contaram-se Alice Moderno e a sua amiga, a professora Maria Evelina de Sousa, também republicana convicta.
Através dos números do jornal a que tivemos acesso, desde o primeiro até ao publicado a 16 de junho de 1924, concluímos que o contributo de Alice Moderno foi bastante modesto, tendo-se limitado à publicação de dois poemas, “4 de Julho”, no número 6, datado de 11 de julho de 1918 e “Resposta de Roosevelt”, no número 10, datado de 8 de agosto de 1918, que abaixo se transcreve:
Quando foram dizer ao grande ex-presidente
Que o seu filho mais novo, ainda adolescente,
Tenente-aviador do exército da América,
Recebera no front a morte heroica e épica
Que consagra os heróis, no solo o mais sagrado,
Lutando em prol do Ideal, agora espezinhado
Pelo militarismo, a contrapor afeito
O direito da força à força do Direito,
Roosevelt respondeu, com voz que não tremia:
“Minha mulher e eu sentimos alegria
Ao ver que o nosso filho, única e simplesmente,
Cumprindo o seu dever, honrou a pátria ausente!”
Sem comentário algum, dobremos o joelho,
E ó pais de Portugal, vede-vos neste espelho!
Para além do mencionado, Alice Moderno foi autora de uma carta aos diretores do jornal, publicada a 3 de dezembro de 1923 onde considerou deplorável o uso de “carroças puxadas por animais das espécies lanígera e caprina”, o qual contrariava uma postura municipal que nos primeiros tempos foi cumprida para depois cair no esquecimento da própria polícia de Ponta Delgada.
A colaboração de Maria Evelina de Sousa para o jornal “A Pátria” foi maior, tendo para além do poema Aspiração, publicado a 10 de março de 1924, sido autora de vários textos, a maioria dos quais relacionados com a educação/ensino.
Num dos textos, publicado a 19 de novembro de 1923, Maria Evelina de Sousa saúda a decisão das juntas republicanas das paróquias de Lisboa de criar cantinas escolares, fazendo votos para que “o exemplo frutifique e em breve o possamos ver também na cidade de Ponta Delgada”. Como argumento a favor, a autora aponta o facto de o fornecimento de uma refeição diária nas escolas levar a que as famílias matriculem os seus filhos “de melhor vontade”, resultando “uma dupla alimentação: física e intelectual”.
Outro texto interessante é o que foi publicado no número que veio a público a 26 de novembro de 1923, onde Maria Evelina de Sousa sugere a alteração da lei eleitoral para que o voto seja efetivamente livre, propondo que só pudesse “votar quem, sabendo ler e escrever, possua a mais completa liberdade de ação”.
Para acabar com a “força política dos detentores da propriedade, dos donos das terras”, Maria Evelina de Sousa propõe que sejam eliminados dos cadernos eleitorais todos os rendeiros “porque em geral da renda faz parte o voto de que o senhorio dispõe a seu talante, por vezes servindo-se dele para ver se entrava a marcha evolutiva dos princípios liberais”.
Hoje, a situação está profundamente alterada, mas se se eliminassem dos cadernos eleitorais todos os que, mesmo tendo frequentado a escola, não sabem ler ou não são capazes de compreender um texto de três linhas e todos os frequentadores das adulteradas sessões de esclarecimento, cujo principal atrativo é o porco no espeto, talvez as eleições fossem um pouco mais livres.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30612, 22 de abril de 2015, p.14)
Foto: http://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=1016228
Alice Moderno, que nasceu em 1867, teve a oportunidade de viver e assistir à queda da monarquia, saudar o advento da República e “aderir de alma e coração ao partido republicano”, segundo Maria da Conceição Vilhena, e passar os últimos anos da sua vida, primeiro sob a Ditadura Militar e depois sob o Estado Novo.
Até ao momento, não encontramos qualquer informação sobre a participação de Alice Moderno na vida interna de qualquer partido, o que é conhecida é a sua defesa do regime republicano no seu jornal “A Folha”, mesmo após algumas deceções que lhe causaram algumas medidas tomadas pelos republicanos no poder.
Entre Junho de 1918 e Maio de 1925 publicou-se em Ponta Delgada o semanário republicano “A Pátria” que, entre outros, teve como diretores José da Mota Vieira e António Medeiros Franco. De entre os colaboradores do jornal contaram-se Alice Moderno e a sua amiga, a professora Maria Evelina de Sousa, também republicana convicta.
Através dos números do jornal a que tivemos acesso, desde o primeiro até ao publicado a 16 de junho de 1924, concluímos que o contributo de Alice Moderno foi bastante modesto, tendo-se limitado à publicação de dois poemas, “4 de Julho”, no número 6, datado de 11 de julho de 1918 e “Resposta de Roosevelt”, no número 10, datado de 8 de agosto de 1918, que abaixo se transcreve:
Quando foram dizer ao grande ex-presidente
Que o seu filho mais novo, ainda adolescente,
Tenente-aviador do exército da América,
Recebera no front a morte heroica e épica
Que consagra os heróis, no solo o mais sagrado,
Lutando em prol do Ideal, agora espezinhado
Pelo militarismo, a contrapor afeito
O direito da força à força do Direito,
Roosevelt respondeu, com voz que não tremia:
“Minha mulher e eu sentimos alegria
Ao ver que o nosso filho, única e simplesmente,
Cumprindo o seu dever, honrou a pátria ausente!”
Sem comentário algum, dobremos o joelho,
E ó pais de Portugal, vede-vos neste espelho!
Para além do mencionado, Alice Moderno foi autora de uma carta aos diretores do jornal, publicada a 3 de dezembro de 1923 onde considerou deplorável o uso de “carroças puxadas por animais das espécies lanígera e caprina”, o qual contrariava uma postura municipal que nos primeiros tempos foi cumprida para depois cair no esquecimento da própria polícia de Ponta Delgada.
A colaboração de Maria Evelina de Sousa para o jornal “A Pátria” foi maior, tendo para além do poema Aspiração, publicado a 10 de março de 1924, sido autora de vários textos, a maioria dos quais relacionados com a educação/ensino.
Num dos textos, publicado a 19 de novembro de 1923, Maria Evelina de Sousa saúda a decisão das juntas republicanas das paróquias de Lisboa de criar cantinas escolares, fazendo votos para que “o exemplo frutifique e em breve o possamos ver também na cidade de Ponta Delgada”. Como argumento a favor, a autora aponta o facto de o fornecimento de uma refeição diária nas escolas levar a que as famílias matriculem os seus filhos “de melhor vontade”, resultando “uma dupla alimentação: física e intelectual”.
Outro texto interessante é o que foi publicado no número que veio a público a 26 de novembro de 1923, onde Maria Evelina de Sousa sugere a alteração da lei eleitoral para que o voto seja efetivamente livre, propondo que só pudesse “votar quem, sabendo ler e escrever, possua a mais completa liberdade de ação”.
Para acabar com a “força política dos detentores da propriedade, dos donos das terras”, Maria Evelina de Sousa propõe que sejam eliminados dos cadernos eleitorais todos os rendeiros “porque em geral da renda faz parte o voto de que o senhorio dispõe a seu talante, por vezes servindo-se dele para ver se entrava a marcha evolutiva dos princípios liberais”.
Hoje, a situação está profundamente alterada, mas se se eliminassem dos cadernos eleitorais todos os que, mesmo tendo frequentado a escola, não sabem ler ou não são capazes de compreender um texto de três linhas e todos os frequentadores das adulteradas sessões de esclarecimento, cujo principal atrativo é o porco no espeto, talvez as eleições fossem um pouco mais livres.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30612, 22 de abril de 2015, p.14)
Foto: http://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=1016228
Maria Evelina de Sousa e Alice Moderno |
28 de Agosto de 2014
Evento criado por Coletivo Alice Moderno
Detalhes
A homossexualidade, a diversidade sexual, são fenómenos naturais presentes em muitas espécies animais. A homofobia, pelo contrário, existe apenas numa - na humana.
É a homofobia, esse preconceito entranhado em todas as sociedade machistas e patriarcais de inspiração abraâmica, que ao longo dos séculos tem remetido para a clandestinidade e ilegalidade milhões de histórias de amor por todo o mundo.
A ilha de São Miguel, desde sempre é palco de muitas dessas histórias de amor, quase sempre abafadas pelo preconceito e conservadorismo.
De Africa Enes a Natália Correia, quantas terão sido as pessoas nascidas em São Miguel, ou que escolheram a ilha para viver, que tiveram relações homossexuais?
Entre muitas delas, existirá uma relação direta entre a sua orientação sexual e a dedicação ao trabalho por mudança e justiça social?
Alice Moderno e Maria Evelina de Sousa foram algumas dessas.
É a homofobia, esse preconceito entranhado em todas as sociedade machistas e patriarcais de inspiração abraâmica, que ao longo dos séculos tem remetido para a clandestinidade e ilegalidade milhões de histórias de amor por todo o mundo.
A ilha de São Miguel, desde sempre é palco de muitas dessas histórias de amor, quase sempre abafadas pelo preconceito e conservadorismo.
De Africa Enes a Natália Correia, quantas terão sido as pessoas nascidas em São Miguel, ou que escolheram a ilha para viver, que tiveram relações homossexuais?
Entre muitas delas, existirá uma relação direta entre a sua orientação sexual e a dedicação ao trabalho por mudança e justiça social?
Alice Moderno e Maria Evelina de Sousa foram algumas dessas.
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