Recordar ALICE MODERNO (1)
- A propósito de duas cartas para Bernardino Machado
Para o António Valdemar com abraços apertados
Do blogue do Dr. João Esteves - Silêncios e Memórias
ALICE AUGUSTA PEREIRA DE MELO MAULAZ MONIZ MODERNO *
[11/08/1867 - 20/02/1946]
Poetisa, professora particular de Português e de Francês, jornalista, editora, tradutora, mulher de negócios, republicana e feminista.
Filha de Celina Pereira de Melo Maulaz Moderno e do médico e comendador João Rodrigues Pereira Moderno, descendentes de imigrantes no Brasil onde nasceram e se casaram, Alice Moderno nasceu em Paris, a 11 de Agosto de 1867 e faleceu a 20 de Fevereiro de 1946, em Ponta Delgada, apenas oito dias após Maria Evelina de Sousa, sua companheira de 40 anos.
Embora tenha nascido em Paris, cidade onde os pais se tinham instalado, o "casal Moderno mudou para a Terceira, ainda no ano do seu nascimento, ali permanecendo durante nove meses. Regressaram a Paris, e só em 1876 vemos de novo Alice Moderno em Angra do Heroísmo e, depois, em Ponta Delgada, onde se fixou a 31 de Agosto de 1883, ano da estreia literária com a publicação da poesia “Morreu”, a que se seguiu, três anos passados, Aspirações, o seu primeiro livro de versos. [Cristina l. Duarte].
Foi a primeira aluna a frequentar o Liceu Nacional de Ponta Delgada, onde se matriculou quando já tinha 20 anos, e cursou o magistério, sendo “muito estimada pelas suas faculdades e processo de ensino” [Inocêncio Francisco da Silva e Brito Aranha, Dicionário Bibliográfico Português, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Vol. XXII, p. 64].
Dirigiu o periódico mensal Recreio das Salas [1888] e o Diário dos Açores, fundou, em Ponta Delgada, o jornal A Folha [05/10/1902 - 15/04/1917], que veiculou as novas ideias feministas, divulgando o que se passava em Portugal e no Mundo, e manteve permuta com a imprensa do continente.
Mulher combativa e emancipada, que vivia de forma independente devido exclusivamente aos seus trabalhos, tornou-se numa prestigiada activista, nos Açores, das organizações de mulheres da I República.
Militou na Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, na Associação de Propaganda Feminista e na Associação Feminina de Propaganda Democrática.
Já em 1906, o “Jornal da Mulher” de O Mundo a considerava como “uma das convictas e sinceras feministas da nossa terra” e, “apesar de estar longe de nós, [...], em todas as cruzadas de propaganda feminista que se empreendam no nosso meio, o estímulo da sr.ª D. Alice Moderno vem sempre, generosamente, animar-nos nas campanhas, as mais difíceis”.
Colaborou em A Madrugada, órgão da LRMP, na Alma Feminina, periódico do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, e na Revista Pedagógica, dirigida pela professora, e amiga inseparável, Maria Evelina de Sousa.
Interveio, em 1909, na campanha a favor da aprovação da Lei do Divórcio, quer através de artigos, como subscrevendo o abaixo-assinado posto a circular nesse sentido e, em Agosto de 1912, durante uma das suas frequentes passagens por Lisboa, foi homenageada, juntamente com Evelina de Sousa, companheira de causas, pela Liga.
Para além das homenageadas, discursaram Agostinho Fortes, Carneiro de Moura, Ana Augusta de Castilho, Maria Veleda e Mariana da Assunção da Silva, tendo esta frisado que “a colectividade se devia orgulhar pela honra da sua presença, que era bem um caso esporádico visto que todas as intelectuais portuguesas, excepto D. Ana de Castro Osório, se têm afastado dela, num injusto retraimento”. Na sua intervenção, Alice Moderno considerou que “em cada membro [...] da Liga Republicana há um paladino glorioso do feminismo”.
As mesmas duas açoreanas presenciaram iniciativas da Associação Feminina de Propaganda Democrática [1915-1916] – associaram-se à homenagem ao Presidente da República, Bernardino Machado, em Maio de 1916 – e voltaram a merecer atenção especial no Primeiro Congresso Feminista e de Educação, promovida pelo CNMP em 1924, enquanto propagandistas do feminismo e da educação das mulheres no Arquipélago.
Mulher de negócios, “dirigindo todos os trabalhos da sua oficina tipográfica, uma exploração agrícola” [Revista do Bem, nº 113, 31/01/1912] e correspondente de importantes companhias e casas comerciais e bancárias estrangeiras nos Açores, não se pode ignorar a sua vasta e contínua colaboração em periódicos literários de todo o país:
Bouquet Literário [1885], semanário literário e pedagógico do Porto; A Alvorada, revista mensal literária e científica de Vila Nova de Famalicão [1887, na homenagem a Camilo Castelo Branco no dia do seu 61.º aniversário]; A Apoteose [19/10/1887], número único comemorativo do sétimo centenário e inauguração da estátua de D. Afonso Henriques; Gazeta das Salas [30/01/1890], de Lisboa; A Festa das Crianças [18/10/1891], de Ponta Delgada; Nova Alvorada [1891-1903], revista mensal literária e científica de Vila Nova de Famalicão; Almanaque das Senhoras [1896, 1899, 1903, 1904, 1913 a 1919, 1923]; A Crónica [1900-1906], revista ilustrada e literária de Lisboa; O País [1901-1904], semanário independente, político, noticioso, crítico, literário e teatral do Porto; Revista de Lisboa [1901-1909]; Folha de Saudação [1902], número único dedicado a António Maria Eusébio, o Calafate; A Sociedade Futura [1902-1904]; Álbum Açoriano [1903], publicado em Lisboa; Jornal das Senhoras [1904-1905]; Alma Feminina [1907-1908], hebdomadário literário e noticioso publicado em Matosinhos; Revista Micaelense [1918-1921]; Os Açores [1922-1924, 1928]; O Despertar de Angeja [1924-1927], semanário independente, noticioso e literário; O Instituto, de Coimbra; Portugal Feminino; A Leitura [1932], publicação de Angra do Heroísmo; e Ínsula (anos 30), revista mensal ilustrada publicada em Ponta Delgada.
Foi redactora e directora do Diário de Anúncios, periódico de Ponta Delgada do final do século XIX; participou na obra dedicada a Antero de Quental In memoriam, com “Tributo singelo” [1887]; colaborou na publicação A maior dor humana [1889], “coroa de saudades, oferecida a Teófilo Braga e sua esposa para a sepultura de seus filhos” [Inocêncio, vol. XVIII, p. 91]; e utilizou, segundo a recolha de Adriano da Guerra Andrade, os pseudónimos Da Janela do Levante, Dominó Preto, Ecila, Eurico, o Secular, Gavroche, Gil Diávolo, Gyp e Veritas.
Poetisa consagrada e premiada, saudada por Camilo Castelo Branco, Teófilo Braga e João de Deus, com versos publicados em várias línguas (francês, inglês, alemão, italiano, espanhol, norueguês), traduziu Camões para francês, pertenceu ao Instituto de Coimbra, por proposta de Bernardino Machado, à Sociedade Literária Almeida Garrett, à Sociedade de Geografia de Lisboa, à instituição italiana Luigi di Camoens, e fundou a Sociedade Protectora dos Animais Micaelenses (1911) e o Sindicato Agrícola Micaelense.
Mulher interventiva, que não se enquadrava nos cânones femininos da sua época, até porque usava o cabelo cortado e fumava [Maria da Conceição Vilhena], a faceta enquanto jornalista está por esmiuçar, bem como o papel que desempenhou na divulgação das ideias feministas nas ilhas.
A poetisa açoriana Mariana Belmira de Andrade dedicou-lhe, no periódico O Velense, a poesia “Desencanto: A Alice Moderno” [1886]. Tinha então apenas dezanove anos.
Tal como sublinhou a investigadora Maria da Conceição Vilhena no 40.º aniversário da sua morte, estamos perante “uma conhecida desconhecida”.
Como refere Cristina L. Duarte, para além de Alice Moderno ter passado a usar cabelo curto desde os dezanove anos, "mais tarde seria considerada excêntrica pelo seu gosto pela camisa branca, com colarinho e gravata preta, acompanhado por chapéu masculino e bengala. Na década de 40, era vista pela manhã nas ruas daquela cidade, fumando charuto, a passear um cãozinho pela trela." [Agenda Feminista, As Mulheres e a República - 2010]
Sobre o percurso e ideário enquanto professora, consultar a entrada de Carlos Enes para o Dicionário de Educadores Portugueses [Porto, ASA, 2003].
O Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX) incluiu a sua biografia [Lisboa, Livros Horizonte, 2005],
Cristina L. Duarte fez um breve esboço biográfico para a Agenda Feminista As Mulheres e a República - 2010.
Adriana Mello fez a entrada para Feminae. Dicionário Contemporâneo [Lisboa, CIG, 2013].
[João Esteves]
* ALICE AUGUSTA PEREIRA DE MELO MAULAZ MONIZ MODERNO *
[1867 - 1946]
O “Jornal da Mulher” de O Mundo de 1 de Dezembro de 1906 é dedicado a “D. Alice Moderno”, que «deve ser considerada uma das convictas e sinceras feministas da nossa terra» e, «apesar de estar longe de nós, pois reside nos Açores, em todas as cruzadas de propaganda feminista que se empreendam no nosso meio, o estímulo da sr.ª D. Alice Moderno vem sempre, generosamente animar-nos nas campanhas, as mais difíceis.»
[O Mundo, 1 de Dezembro de 1906]
Alice Moderno (1867-1946)
Teria sido a primeira mulher em Ponta Delgada a fazer um corte de cabelo aos 19 anos. Alice sofria de enxaquecas e o pai, médico, recomendou-lhe aplicações de água fria, o que se tornava penoso diariamente, com o cabelo comprido. «Comecei a passar muito melhor, dali a pouco estava boa. Entraram a dizer a minha mãe e as minhas amigas que me ficava bem». Mais tarde seria considerada excêntrica pelo seu gosto pela camisa branca, com colarinho e gravata preta, acompanhado por chapéu masculino e bengala. Na década de 40, era vista pela manhã nas ruas de Ponta Delgada, fumando charuto, a passear um cãozinho pela trela.
Mulher de letras, professora, jornalista, e republicana militante Alice Moderno desempenhou um importante papel na vida social e cultural açoriana. Filha de Celina Pereira de Melo Maulaz (n.Nova Friburgo, Brasil) e de João Rodrigues Moderno (n.Rio de Janeiro), Alice Moderno nasceu em Paris, onde os pais se instalaram. No entanto, o casal Moderno mudou-se para a Terceira, ainda no ano de nascimento de Alice, ali permanecendo durante nove meses. Regressaram a Paris, e só em 1876 vemos de novo Alice Moderno em Angra do Heroísmo, e depois em Ponta Delgada, onde se fixou a 31 de Agosto de 1883, ano da sua estreia literária, com a publicação da poesia «Morreu», a que se seguiu três anos passados o seu primeiro livro de versos, «Aspirações». Alice Moderno fundou o jornal Recreio das Salas (1888), dando igualmente início a uma colaboração activa no quotidiano Diário de Anúncios (1891), que dirigiu entre 1892/93. O novo século viu Alice Moderno fundar um novo jornal, A Folha, cuja publicação se estendeu até 1917. Trabalhadora incansável, relatou em carta a Ana de Castro Osório, a 3-XII-1906:
«É debalde que me levanto às 6 da manhã e me deito à meia-noite. Nunca consigo dar conta de todos os meus negócios em dia, e as cartas acumulam-se na papeleira à espera de vez. (...) Felicito-a pela tradução do seu livro As Mulheres Portuguesas no idioma francês, que é o vulgarizador por excelência. (...) Não imagine que eu vivo no paraíso. Pobre de mim! Passo a vida a trabalhar no meu escritório de redacção, onde dirijo tudo o que se faz e corrijo provas inverosímeis, até de anúncios de vinho de cheiro e batata inglesa. Ou em casa dos meus alunos a leccionar. Só me afasto para tratar de negócios.» (In Maria da Conceição Vilhena,Uma mulher pioneira – Ideias, Intervenção e Acção de Alice Moderno, Edições Salamandra, Lisboa, 2001, p.198/9).
Em 1909 Alice Moderno adquiriu uma propriedade na Fajã de Baixo, onde se cultivavam os ananases que exportava. Em 1910 participou como republicana e feminista na vida social, defendendo o sufrágio universal. Da sua obra escrita ficou-nos os versos, um romance, três peças de teatro, os artigos na imprensa, e o ensaio Açores: Pessoas e Coisas (1901).
Cristina L. Duarte
2010
Alice Moderno
[Paris, 1867 - Ponta Delgada, 1946]
Poetisa e jornalista da transição do século nos Açores, de nome completo Alice Augusta Pereira de Melo Maulaz Moderno.
Filha de mãe meio francesa e meio brasileira e de pai português com ascendência madeirense, passou a infância em Paris e em 1875 mudou-se com a família para os Açores, onde residiu até aos 16 anos em Angra do Heroísmo e posteriormente (a partir de 1883) em Ponta Delgada.
Figura ímpar e mesmo excêntrica, assumiu-se, muito nova, como mulher emancipada, em ostensivo desafio aos costumes conservadores da época. Aos 20 anos matriculou-se no Liceu de Ponta Delgada, sendo a primeira menina a frequentar aquele estabelecimento de ensino; depois, foi professora primária e de língua francesa, comerciante, agente de seguros, mulher de negócios e ainda jornalista e escritora.
Orgulhava-se da sua «têmpera» pouco «maleável» e de prover a «subsistência necessária» pelo próprio «trabalho corajoso e enérgico». Viajou com frequência, voltando a França algumas vezes, onde tinha parentes e interesses comerciais.
Na sua obra literária, que abrange todos os géneros, sobressai, pela extensão, a poesia, publicada na maior parte entre 1885 e 1911, e mais significativamente antes do fim do século. Nesse período a poesia açoriana sofreu influência do decadentismo e do simbolismo (ver José de Lacerda, Carlos e Roberto de Mesquita Rodrigo Rodrigues, entre outros), mas o parnasianismo (tal como no continente) ainda atraiu muitos poetas surgidos entretanto e até depois de Alice Moderno (por exemplo, Osório Goulart, o próprio Roberto de Mesquita em parte importante da sua obra, Manuel António Lino, etc.).
Alice Moderno conta-se nesta linha descontados muitos dos versos da adolescência em que persiste o gosto romântico mais convencional e algum fumo de incenso turibulado a Hugo por amor da «mártir liberdade».
Quanto à sua obra de ficção em prosa, Teófilo Braga reconheceu-lhe «sentimento e observação» e a capacidade para «representar o mundo com toda a verdade», considerando o seu romance de estreia (e único publicado) «muito acima do que costumam fazer os nossos rapazes de talento.»
Filha de mãe meio francesa e meio brasileira e de pai português com ascendência madeirense, passou a infância em Paris e em 1875 mudou-se com a família para os Açores, onde residiu até aos 16 anos em Angra do Heroísmo e posteriormente (a partir de 1883) em Ponta Delgada.
Figura ímpar e mesmo excêntrica, assumiu-se, muito nova, como mulher emancipada, em ostensivo desafio aos costumes conservadores da época. Aos 20 anos matriculou-se no Liceu de Ponta Delgada, sendo a primeira menina a frequentar aquele estabelecimento de ensino; depois, foi professora primária e de língua francesa, comerciante, agente de seguros, mulher de negócios e ainda jornalista e escritora.
Orgulhava-se da sua «têmpera» pouco «maleável» e de prover a «subsistência necessária» pelo próprio «trabalho corajoso e enérgico». Viajou com frequência, voltando a França algumas vezes, onde tinha parentes e interesses comerciais.
Na sua obra literária, que abrange todos os géneros, sobressai, pela extensão, a poesia, publicada na maior parte entre 1885 e 1911, e mais significativamente antes do fim do século. Nesse período a poesia açoriana sofreu influência do decadentismo e do simbolismo (ver José de Lacerda, Carlos e Roberto de Mesquita Rodrigo Rodrigues, entre outros), mas o parnasianismo (tal como no continente) ainda atraiu muitos poetas surgidos entretanto e até depois de Alice Moderno (por exemplo, Osório Goulart, o próprio Roberto de Mesquita em parte importante da sua obra, Manuel António Lino, etc.).
Alice Moderno conta-se nesta linha descontados muitos dos versos da adolescência em que persiste o gosto romântico mais convencional e algum fumo de incenso turibulado a Hugo por amor da «mártir liberdade».
Quanto à sua obra de ficção em prosa, Teófilo Braga reconheceu-lhe «sentimento e observação» e a capacidade para «representar o mundo com toda a verdade», considerando o seu romance de estreia (e único publicado) «muito acima do que costumam fazer os nossos rapazes de talento.»
in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. III, Lisboa, 1994
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