quinta-feira, 31 de outubro de 2013














XV
O ENSINO E A POLÍTICA

INSTRUÇÃO E LIBERDADE

«[…] a liberdade e a instrução são inseparáveis, e que não pode haver verdadeira instrução sem liberdade, nem verdadeira liberdade sem instrução. Quem defende uma, tem de propugnar pela outra. Quem fere alguma delas, é inimigo de ambas.
A prova de que assim é, temo-la fora e dentro do país.
Quais são as nações mais instruídas? São as mais liberais. É a República Suíça, onde cada cidadão já tem mesmo a liberdade de fazer directamente a lei pelo exercício do direito de iniciativa e de referendum. É a França, também republicana, que assegura a soberania política da nação pelo livre governo da opinião pública; que, depois de ter promulgado um largo código de liberdades económicas, se esforça agora por lhe aditar o direito de aposentação a todos os trabalhadores; e que há pouco ainda consagrou definitivamente a liberdade religiosa pela lei da separação entre as igrejas e o Estado. É a livre Inglaterra, que acaba de elevar ao ministério um operário, John Burns, antigo organizador e chefe de formidáveis greves. E a Alemanha, se é também uma das nações mais cultas, é que ela não é só a Alemanha do imperialismo, mas ainda hoje a Alemanha da liberdade religiosa, da Reforma, e a Alemanha da social-democracia, que, neste mesmo momento, luta por levar a cada Estado o sufrágio universal que Bismark, para cimentar o império, se viu obrigado a aceitar para o Parlamento de toda a confederação germânica.
E, na Europa, as nações incultas vão sendo tão raras como as nações despóticas. Para as encontrar, é preciso ir ao extremo norte, à Rússia, ao extremo oriente, à Turquia, ou ao extremo ocidente… a Portugal.
Mesmo entre nós a instrução tem prosperado ou decaído, conforme a liberdade.»


“Escola “31 de Janeiro”, in Pela Republica: 1906-1908, Lisboa, Editor-Proprietário Bernardino Machado (Coimbra: Tipografia França Amado), 1908.

«Ser instruído é ser livre. Uma nação sem originalidade, que nada cria, inventa e descobre, e apenas vive de empréstimos materiais ou espirituais, se, pelo prestígio do nome herdado, ainda conserva a sua autonomia, não está longe de perdê-la.»


“A Universidade e a Nação”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 51, n.º 11 (Nov. 1904); tb. in: A Universidade e a Nação, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1904; A Universidade de Coimbra, 2.ª ed., Lisboa, Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1908; tb. A Universidade e a Nação, Vila Nova de Famalicão, Câmara Municipal, 1983. Reedição facsimilada.

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GOVERNO E ENSINO

«O governo e o ensino são recíprocos. Nação de governo depravado mal pode ministrar um ensino moral e, que o ministre, vê-lo-á em grande parte inutilizado; a imoralidade, ou a indiferença moral só que seja, da escola corrompe fatalmente a sociedade. Mas o poder da educação é mais profundo, porque se exerce sobre naturezas ainda mais simples, e um grupo de homens dignos no magistério lutarão sempre vantajosamente contra as deletérias influências governativas. Por isso se põem no ensino tantas esperanças de regeneração social!»

“Notas Dum Pai”, In O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 44, n.º 8 (1897).

«Dois são os problemas capitais, tanto do governo como do ensino: o problema da liberdade e o problema da socialização.
Dantes o ensino era oral. A palavra do professor fazia fé, e o regime da escola podia denominar-se absolutista, era o regime do magíster dixit: na aula copiava-se, imitava-se, decorava-se. Depois, já no meu tempo, entre nós, o professor passou a fazer as demonstrações e as experiências diante do aluno, que fiscalizava, pelos seus olhos, as afirmações que ele proferia e era, por assim dizer, este um regime monárquico-representativo. Só recentemente nos últimos tempos, é que pela criação de laboratórios, se começou a chamar o aluno ao trabalho pessoal, original, para lhe incutir iniciativa, liberdade e independência. É o regime republicano.»

“[Governo, Ensino e Educação]”, In Obras: Pedagogia – III, 2013.

«Eu sei dolorosamente, por crua experiência, o pernicioso influxo que o mau governo tem no ensino, e como é difícil e árido proclamar princípios na aula, quando, fora dela, reina o arbítrio. Num país onde a selecção se não opera pelo saber e pelo mérito, como se há-de amar e desenvolver a instrução? A própria corrupção governativa instila-se pela aula, e vai-a dissolvendo. Mas a recíproca não é, contudo, menos verdadeira: o ensino exerce incontestável influência no Governo. Ensinar é governar.»


“A Universidade e a Nação”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 51, n.º 11 (Nov. 1904); tb. in: A Universidade e a Nação. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1904; A Universidade de Coimbra. 2.ª ed. Lisboa: Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1908; tb. A Universidade e a Nação, Vila Nova de Famalicão, Câmara Municipal, 1983. Reedição fac-similada.

«Quer isto dizer que nenhuma diferença exista entre ensino e governo? A mesma que entre a escola e a sociedade. Ao ensino cumpre ser um governo modelo, como à escola uma sociedade exemplar. Cada dia, porém, se reconhece mais a necessidade de os assimilar e esta assimilação se vai operando de parte a parte.»

“Conferencias de Pedagogia: notas”, in Universidade de Coimbra: curso de pedagogia: notas, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1900; in “Conferencias de Pedagogia: notas”, in A Universidade de Coimbra, 2.ª ed., Lisboa, Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1908.







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ESCOLA E POLÍTICA

«A escola, para desempenhar a sua missão, tem de ser um órgão vivo da sociedade, pulsando com as suas esperanças e com as suas amarguras, identificada com o seu destino; isto é – porque o não direi? – a toda escola, desde a primária até a superior, tem de ser sobretudo uma instituição política.»

“Saraus do Instituto”, in A Universidade e a Nação, 2.ª ed., Lisboa, Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1908; tb. in O Ensino Profissional, Coimbra, Typographia França Amado, 1899; tb. “A Academia de Coimbra”, In Homenagens, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1902.


«Às escolas reaccionárias temos de opor as escolas liberais.
Tão boas são umas como as outras, são perigosas e más. A instrução liberal é a que estimula, fortalece e disciplina, em quem a adquire, a liberdade de a exercitar e prosseguir por si próprio, enquanto que a instrução reaccionária é a que o deixa para sempre amortizado a um tutor, quer para sentir a amar, quer para trabalhar e possuir, quer para pensar e saber. Uma faz seres activos, de iniciativa, a outra seres passivos, autómatos; uma prepara homens livres, cidadãos, a outra homens servis, vassalos.»

“Escolas Liberais”, in Pela Republica: 1908-1909 – II, Lisboa, Editor-Proprietario Bernardino Machado (Coimbra: Typographia França Anado), 1910.

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ENSINO MONÁRQUICO VERSUS REPUBLICANO

«Desde a escola se fazem monarquias ou repúblicas, erguem-se ou aluem-se impérios. Ensino despótico, Governo despótico; e o despotismo, ainda que seja o despotismo maternal do amor, produz fatalmente o enfraquecimento e a ruína das famílias e dos Estados. Só há uma educação salvadora, e para a qual nos cumpre urgentemente apelar, para transformamos este apoucado Portugal de hoje no grande Portugal de amanhã […] é a educação liberal.»

“A Universidade e a Nação”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 51, n.º 11 (Nov. 1904); tb. in: A Universidade e a Nação, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1904; A Universidade de Coimbra. 2.ª ed. Lisboa: Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1908; tb. A Universidade e a Nação, Vila Nova de Famalicão, Câmara Municipal, 1983. Reedição facsimilada.


«Oponhamos a esta educação e a esta instrução monárquicas, que são o suborno e a mistificação, a verdadeira educação, que é a formação do carácter pela liberdade, e a verdadeira instrução, que é a instrução dos princípios, da razão. Esta mesma converte-se naturalmente naquela, porque o dever não é senão o imperativo categórico da razão.
Nas nossas escolas não é possível o suborno, porque elas são do próprio povo e para o povo. E a doutrina que nós, republicanos, professamos e praticamos cá fora, por toda a parte, na tribuna e na imprensa, é a mesma que o mestre deve sempre ensinar: que é, por nós mesmos, pela nossa própria iniciativa, e pelo nosso próprio esforço pessoal, e não pelo favor de nenhum poder estranho à nossa vontade, que nos valorizamos e que ascendemos na escala social.»

“Instrucção e Educação Monarquica”, in Pela Republica: 1908-1909 – II, Lisboa, Editor-Proprietario, Bernardino Machado (Coimbra: Typographia França Amado), 1910.

«Eduquemos os cidadãos, não príncipes. Busque-se a verdade, não para fechar e deter como um mistério, um monopólio, um privilégio, para a converter, em suma, numa autocracia, mas para enriquecer com ela o património comum, derramando-a a flux por todos os espíritos. Lastimosa pedagogia a que, para encurtar os caminhos do saber, alonga os da virtude. Nós não estudamos a física, a química, a biologia, as ciências da matéria e as ciências do espírito, senão para, através das suas leis, como através de lentes cada dia mais poderosas, irmos concentrando em nossa alma o calor e a luz da lei moral. Esta é que é o fecho, o coroamento de todas as outras. Quem a ignora, por mais que presuma saber, fica no pior de todas as ignorâncias, na do dever, e, infringindo-a, perde a liberdade a que o homem mais aspira, a de fazer o bem e por ele sobreviver perduravelmente na sua obra, porque o laço que nos une aos nossos contemporâneos, é o mesmo que nos há-de ligar à posteridade. Na inacção moral, todas as faculdades se estiolam e atrofiam: a imbecilidade é sobretudo do carácter. E, na aberração ou na alienação do dever, que é para o mundo moral o mesmo que a gravitação para o mundo psíquico, ninguém edifica nada para a eternidade, nada duradoiro. A grande revolução a fazer no ensino, em toda a parte, mas muito especialmente no nosso país, é identificar o estudo com o trabalho, de tal modo que a sociedade se não divida em duas castas, uma que só estuda e quase nada produz, outra que só trabalha e quase nada consome. Como é que aquele que passou anos e anos nas escolas, parasitariamente – todos a amarem-no e ele a ninguém, todos a servirem-no e ele a ninguém, todos a pensarem nele e ele em ninguém –, como é que há-de, ao sair delas para a sua profissão, transfigurar-se de súbito num cidadão exemplar? Que preparatório! Dificilmente o virá a ser nunca.»


“A Universidade e a Nação”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 51, n.º 11 (Nov. 1904); tb. in: A Universidade e a Nação. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1904; A Universidade de Coimbra. 2.ª ed. Lisboa: Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1908; tb. A Universidade e a Nação, Vila Nova de Famalicão, Câmara Municipal, 1983. Reedição facsimilada.

«Inegavelmente a influência do ensino no destino dos povos é importantíssima. Governo e ensino são solidários: o bom ensino não é menos eficaz do que o bom governo para a prosperidade da nação. Atestam-no exemplos, tanto da história pátria como de estranhos.»


“Governo e Ensino”, in Da Monarchia para a Republica: 1883-1905, Coimbra: Tipografia F. França Amado, 1905; tb. In: Conferencias Politicas, Coimbra, Typographia Democrática, 1904.





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