XV
O ENSINO E A POLÍTICA
INSTRUÇÃO E LIBERDADE
«[…] a liberdade e a instrução são inseparáveis, e que
não pode haver verdadeira instrução sem liberdade, nem verdadeira liberdade sem
instrução. Quem defende uma, tem de propugnar pela outra. Quem fere alguma
delas, é inimigo de ambas.
A prova de que assim é, temo-la fora e dentro do país.
Quais são as nações mais instruídas? São as mais
liberais. É a República Suíça, onde cada cidadão já tem mesmo a liberdade de
fazer directamente a lei pelo exercício do direito de iniciativa e de referendum. É a França, também
republicana, que assegura a soberania política da nação pelo livre governo da
opinião pública; que, depois de ter promulgado um largo código de liberdades
económicas, se esforça agora por lhe aditar o direito de aposentação a todos os
trabalhadores; e que há pouco ainda consagrou definitivamente a liberdade
religiosa pela lei da separação entre as igrejas e o Estado. É a livre
Inglaterra, que acaba de elevar ao ministério um operário, John Burns, antigo
organizador e chefe de formidáveis greves. E a Alemanha, se é também uma das
nações mais cultas, é que ela não é só a Alemanha do imperialismo, mas ainda
hoje a Alemanha da liberdade religiosa, da Reforma, e a Alemanha da social-democracia,
que, neste mesmo momento, luta por levar a cada Estado o sufrágio universal que
Bismark, para cimentar o império, se viu obrigado a aceitar para o Parlamento
de toda a confederação germânica.
E, na Europa, as nações incultas vão sendo tão raras
como as nações despóticas. Para as encontrar, é preciso ir ao extremo norte, à
Rússia, ao extremo oriente, à Turquia, ou ao extremo ocidente… a Portugal.
Mesmo entre nós a instrução tem prosperado ou decaído,
conforme a liberdade.»
“Escola “31 de Janeiro”, in Pela Republica: 1906-1908, Lisboa,
Editor-Proprietário Bernardino Machado (Coimbra: Tipografia França Amado),
1908.
«Ser instruído é ser livre. Uma nação
sem originalidade, que nada cria, inventa e descobre, e apenas vive de
empréstimos materiais ou espirituais, se, pelo prestígio do nome herdado, ainda
conserva a sua autonomia, não está longe de perdê-la.»
“A
Universidade e a Nação”, in O Instituto:
revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 51, n.º 11 (Nov. 1904); tb.
in: A Universidade e a Nação,
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1904; A
Universidade de Coimbra, 2.ª ed., Lisboa, Editor-Proprietario, Bernardino
Machado, 1908; tb. A Universidade e a
Nação, Vila Nova de Famalicão, Câmara Municipal, 1983. Reedição
facsimilada.
·
GOVERNO E
ENSINO
«O governo e o ensino são recíprocos. Nação de governo
depravado mal pode ministrar um ensino moral e, que o ministre, vê-lo-á em
grande parte inutilizado; a imoralidade, ou a indiferença moral só que seja, da
escola corrompe fatalmente a sociedade. Mas o poder da educação é mais
profundo, porque se exerce sobre naturezas ainda mais simples, e um grupo de
homens dignos no magistério lutarão sempre vantajosamente contra as deletérias
influências governativas. Por isso se põem no ensino tantas esperanças de regeneração
social!»
“Notas Dum
Pai”, In O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol.
44, n.º 8 (1897).
«Dois são os problemas capitais, tanto do governo como
do ensino: o problema da liberdade e o problema da socialização.
Dantes o ensino era oral. A palavra do professor fazia
fé, e o regime da escola podia denominar-se absolutista, era o regime do magíster dixit: na aula copiava-se,
imitava-se, decorava-se. Depois, já no meu tempo, entre nós, o professor passou
a fazer as demonstrações e as experiências diante do aluno, que fiscalizava,
pelos seus olhos, as afirmações que ele proferia e era, por assim dizer, este
um regime monárquico-representativo. Só recentemente nos últimos tempos, é que
pela criação de laboratórios, se começou a chamar o aluno ao trabalho pessoal,
original, para lhe incutir iniciativa, liberdade e independência. É o regime
republicano.»
“[Governo, Ensino e Educação]”, In Obras: Pedagogia – III, 2013.
«Eu sei dolorosamente, por crua
experiência, o pernicioso influxo que o mau governo tem no ensino, e como é
difícil e árido proclamar princípios na aula, quando, fora dela, reina o
arbítrio. Num país onde a selecção se não opera pelo saber e pelo mérito, como
se há-de amar e desenvolver a instrução? A própria corrupção governativa
instila-se pela aula, e vai-a dissolvendo. Mas a recíproca não é, contudo,
menos verdadeira: o ensino exerce incontestável influência no Governo. Ensinar
é governar.»
“A
Universidade e a Nação”, in O Instituto:
revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 51, n.º 11 (Nov. 1904); tb.
in: A Universidade e a Nação.
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1904; A
Universidade de Coimbra. 2.ª ed. Lisboa: Editor-Proprietario, Bernardino
Machado, 1908; tb. A Universidade e a
Nação, Vila Nova de Famalicão, Câmara Municipal, 1983. Reedição
fac-similada.
«Quer isto dizer que nenhuma diferença
exista entre ensino e governo? A mesma que entre a escola e a sociedade. Ao
ensino cumpre ser um governo modelo, como à escola uma sociedade exemplar. Cada
dia, porém, se reconhece mais a necessidade de os assimilar e esta assimilação
se vai operando de parte a parte.»
“Conferencias
de Pedagogia: notas”, in Universidade de Coimbra: curso de pedagogia:
notas, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1900; in “Conferencias de Pedagogia: notas”, in A
Universidade de Coimbra, 2.ª ed., Lisboa, Editor-Proprietario, Bernardino
Machado, 1908.
·
ESCOLA E POLÍTICA
«A escola, para desempenhar a sua missão, tem de ser
um órgão vivo da sociedade, pulsando com as suas esperanças e com as suas
amarguras, identificada com o seu destino; isto é – porque o não direi? – a
toda escola, desde a primária até a superior, tem de ser sobretudo uma
instituição política.»
“Saraus
do Instituto”, in A Universidade e a
Nação, 2.ª ed., Lisboa, Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1908; tb.
in O Ensino Profissional, Coimbra, Typographia França Amado, 1899; tb.
“A Academia de Coimbra”, In Homenagens, Coimbra, Imprensa da Universidade,
1902.
«Às escolas reaccionárias temos de opor as escolas
liberais.
Tão boas são umas como as outras, são perigosas e más.
A instrução liberal é a que estimula, fortalece e disciplina, em quem a
adquire, a liberdade de a exercitar e prosseguir por si próprio, enquanto que a
instrução reaccionária é a que o deixa para sempre amortizado a um tutor, quer
para sentir a amar, quer para trabalhar e possuir, quer para pensar e saber.
Uma faz seres activos, de iniciativa, a outra seres passivos, autómatos; uma
prepara homens livres, cidadãos, a outra homens servis, vassalos.»
“Escolas
Liberais”, in Pela Republica: 1908-1909 –
II, Lisboa, Editor-Proprietario Bernardino Machado (Coimbra: Typographia França
Anado), 1910.
·
ENSINO MONÁRQUICO VERSUS REPUBLICANO
«Desde a escola se fazem monarquias ou
repúblicas, erguem-se ou aluem-se impérios. Ensino despótico, Governo
despótico; e o despotismo, ainda que seja o despotismo maternal do amor, produz
fatalmente o enfraquecimento e a ruína das famílias e dos Estados. Só há uma
educação salvadora, e para a qual nos cumpre urgentemente apelar, para
transformamos este apoucado Portugal de hoje no grande Portugal de amanhã […] é
a educação liberal.»
“A
Universidade e a Nação”, in O Instituto:
revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 51, n.º 11 (Nov. 1904); tb.
in: A Universidade e a Nação,
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1904; A
Universidade de Coimbra. 2.ª ed. Lisboa: Editor-Proprietario, Bernardino
Machado, 1908; tb. A Universidade e a
Nação, Vila Nova de Famalicão, Câmara Municipal, 1983. Reedição
facsimilada.
«Oponhamos a esta educação e a esta instrução
monárquicas, que são o suborno e a mistificação, a verdadeira educação, que é a
formação do carácter pela liberdade, e a verdadeira instrução, que é a
instrução dos princípios, da razão. Esta mesma converte-se naturalmente
naquela, porque o dever não é senão o imperativo categórico da razão.
Nas nossas escolas não é possível o suborno, porque
elas são do próprio povo e para o povo. E a doutrina que nós, republicanos,
professamos e praticamos cá fora, por toda a parte, na tribuna e na imprensa, é
a mesma que o mestre deve sempre ensinar: que é, por nós mesmos, pela nossa
própria iniciativa, e pelo nosso próprio esforço pessoal, e não pelo favor de
nenhum poder estranho à nossa vontade, que nos valorizamos e que ascendemos na
escala social.»
“Instrucção e
Educação Monarquica”, in Pela Republica:
1908-1909 – II, Lisboa, Editor-Proprietario, Bernardino Machado (Coimbra:
Typographia França Amado), 1910.
«Eduquemos os cidadãos, não príncipes. Busque-se a
verdade, não para fechar e deter como um mistério, um monopólio, um privilégio,
para a converter, em suma, numa autocracia, mas para enriquecer com ela o património
comum, derramando-a a flux por todos os espíritos. Lastimosa pedagogia a que,
para encurtar os caminhos do saber, alonga os da virtude. Nós não estudamos a
física, a química, a biologia, as ciências da matéria e as ciências do
espírito, senão para, através das suas leis, como através de lentes cada dia
mais poderosas, irmos concentrando em nossa alma o calor e a luz da lei moral.
Esta é que é o fecho, o coroamento de todas as outras. Quem a ignora, por mais
que presuma saber, fica no pior de todas as ignorâncias, na do dever, e,
infringindo-a, perde a liberdade a que o homem mais aspira, a de fazer o bem e
por ele sobreviver perduravelmente na sua obra, porque o laço que nos une aos
nossos contemporâneos, é o mesmo que nos há-de ligar à posteridade. Na inacção
moral, todas as faculdades se estiolam e atrofiam: a imbecilidade é sobretudo
do carácter. E, na aberração ou na alienação do dever, que é para o mundo moral
o mesmo que a gravitação para o mundo psíquico, ninguém edifica nada para a
eternidade, nada duradoiro. A grande revolução a fazer no ensino, em toda a
parte, mas muito especialmente no nosso país, é identificar o estudo com o
trabalho, de tal modo que a sociedade se não divida em duas castas, uma que só
estuda e quase nada produz, outra que só trabalha e quase nada consome. Como é
que aquele que passou anos e anos nas escolas, parasitariamente – todos a
amarem-no e ele a ninguém, todos a servirem-no e ele a ninguém, todos a
pensarem nele e ele em ninguém –, como é que há-de, ao sair delas para a sua
profissão, transfigurar-se de súbito num cidadão exemplar? Que preparatório!
Dificilmente o virá a ser nunca.»
“A
Universidade e a Nação”, in O Instituto:
revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 51, n.º 11 (Nov. 1904); tb.
in: A Universidade e a Nação.
Coimbra: Imprensa da Universidade, 1904; A
Universidade de Coimbra. 2.ª ed. Lisboa: Editor-Proprietario, Bernardino
Machado, 1908; tb. A Universidade e a Nação, Vila Nova de Famalicão, Câmara
Municipal, 1983. Reedição facsimilada.
«Inegavelmente a influência do ensino no destino dos
povos é importantíssima. Governo e ensino são solidários: o bom ensino não é
menos eficaz do que o bom governo para a prosperidade da nação. Atestam-no
exemplos, tanto da história pátria como de estranhos.»
“Governo e
Ensino”, in Da Monarchia para a
Republica: 1883-1905, Coimbra: Tipografia F. França Amado, 1905; tb. In: Conferencias Politicas, Coimbra,
Typographia Democrática, 1904.
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