XI
ENSINO AGRÍCOLA
BIBLIOTECA NACIONAL AGRÍCOLA
(1893)
«[…] percorrendo-se o país em qualquer sentido,
reconhece-se facilmente quanto, em extensão de culturas e intensidade de
produção, pode ainda desenvolver-se a nossa agricultura, e assim concorrer para
estabelecer o equilíbrio da nossa economia e assegurar o bem-estar de todas as
classes e o desafogo na administração, sendo certo que a prosperidade da
agricultura, que ocupa e interessa já por si a maior parte da população,
promove implícita e necessariamente a prosperidade de todas as outras
indústrias.
Mas, se por um lado a lavoura precisa, para se
desenvolver, de ter seguro o consumo para alguns dos seus produtos, é certo,
por outro lado, que não carece ela menos da instrução técnica apropriada, como
o atesta a escassez de alguns géneros de primeira necessidade que ainda
importamos, e cujos preços correntes actuais seriam já suficientemente remuneradores
para explorações rurais bem organizadas e dirigidas pela luz da ciência e do
progresso. É precisamente para o incremento da intensidade de produção, que
mais necessitamos de instruir as populações rurais e vulgarizar os factos que a
ciência e a experiência têm colhidos e são sem dúvida a base dos novos métodos
de cultura e de fertilização das terras.»
«Escasseiam, porém, no país as publicações agrícolas,
especialmente as de vulgarização, tanto das ciências aplicadas à agricultura,
como dos novos métodos culturais e zootécnicos, tratamento das doenças das
plantas e fabrico aperfeiçoado dos géneros agrícolas manufacturados, e dos
quais a nossa lavoura tanto carece para aperfeiçoar, desenvolver e baratear não
só a produção dos cereais, como a do vinho, azeite, gados e outras. Provém isto
por sem dúvida da falta de estímulo para este género de publicações, devida ao
nosso acanhado meio, que lhes não oferece largo consumo, e não de quem
realmente possua os conhecimentos necessários para se dedicar a esta
especialidade.
Importa, pois, sobremaneira, neste momento em que
tanto urge dar desenvolvimento e vitalidade à lavoura nacional, estimular,
quanto possível, os homens competentes para que se proponham a escrever obras
destinadas à instrução e ilustração das populações rurais nas diferentes
classes, e ao ensino – nas escolas de instrução primária – das noções
elementares de agricultura, que hão-de incutir que mais alevanta e nobilita a
pátria. Todos reconhecem de facto quanto a ausência de livros, de imediata
utilidade prática local, torna menos vantajosa e atraente a frequência das
escolas.
É, para suprir esta falta e para obviar este mal, que
tenho a honra de submeter à sábia apreciação e elevado critério de Vossa Majestade
o presente projecto de decreto.
Atendendo ao que me apresentou o Ministro e Secretário
de Estado dos negócios das Obras Públicas, Comércio e Indústria, hei por bem
decretar o seguinte:
Artigo 1.º É criada uma biblioteca destinada à
população rural, a qual se denominará «Biblioteca Nacional Agrícola». E será
composta de obras de reconhecido mérito, escritas por autores portugueses, que não
tenham ainda sido publicados.
§ único. Poderão ainda ser admitidas na «Biblioteca
Nacional Agrícola» as traduções de obras estrangeiras de notável valor, se
forem adaptadas às condições agrícolas do país, e tiverem sido autorizadas
pelos respectivos autores.
Art.º 2.º A «Biblioteca Nacional Agrícola» será
dividida em quatro secções:
1.ª Secção de ensino primário de agricultura;
2.ª Secção do cultivador, destinada também ao ensino
elementar de agricultura prática nas escolas respectivas;
3.ª Secção do lavrador, podendo servir também para o
ensino superior de agricultura prática.
§ 1.º A secção de ensino primário compreenderá os
livros destinados a desenvolver nos estudantes de instrução primária o gosto
pela agricultura e pelas ciências físicas e naturais, ministrando-lhes, por
meio de leituras, o conhecimento dos factos fundamentais, dominantes ou mais
salientes dessas ciências, e os principais ramos da agricultura e artes
respectivas. Estes livros deverão ser escritos e compostos pelos métodos mais
intuitivos, em linguagem simples,e
rpofusamente ilustrados com gravuras adequadas ao texto, próprias para
imprimirem no espírito a imagem de cada objecto, facilitando a compreensão e
auxiliando a memória.
§ 2.º Os livros da segunda secção deverão ser escritos
em linguagem chã e compreensível para os cultivadores e operários agrícolas.
Poderão alguns ser adequados ao ensino das escolas de agricultura prática, e
constituirão uma série de manuais do
cultivador, especializados quanto possível para os diferentes ramos da
lavoura e das artes agrícolas nas diversas regiões do país. Estes livros serão
ilustrados com gravuras adequadas à compreensão do texto.
§ 3.º A terceira secção será constituída por tratados dos diferentes ramos de
agricultura prática e das ciências correlativas aplicadas, destinados
principalmente ao lavrador, e adequados também ao ensino médio de agricultura.
Estas obras deverão ter as gravuras e outras representações gráficas dos
objectos ou assuntos do texto que melhor o possam esclarecer.
§ 4.º A quarta secção será composta pelos tratados
gerais de agricultura, viticultura, horticultura, zootecnia e outros grandes
ramos de agricultura, e bem assim pelos dicionários e enciclopédias agrícolas.
Estas obras serão adornadas de gravuras, cromos, ou outras representações
gráficas.
Art.º 3.º Todas as obras terão o formato de 8.º
Art.º 4.º As obras sobre assuntos agrícolas, para
serem admitidas em qualquer das secções da Biblioteca Nacional Agrícola, serão
apresentadas em manuscrito, antes de publicadas, no Ministério das Obras
Públicas, Comércio e Indústria, e Direcção dos Serviços Agrícolas, a fim de
serem submetidas à aprovação do Conselho Superior de Agricultura.
Art.º 5.º As obras que tenham sido aprovadas pelo Conselho
Superior de Agricultura para serem admitidas na «Biblioteca Nacional Agrícola»,
terão, quando publicadas, no seu frontespício, os dizeres das publicações
oficiais.
§ 1.º Querendo os autores, as obras serão impressas à
custa do Governo na Imprensa Nacional, passando a propriedade para o Estado, e
ficando os autores com o direito a receberem cinquenta exemplares de cada obra.
§ 2.º Das obras impressas pelos seus autores o Estado
ficará com duzentos exemplares, pelo custo da impressão avaliada pela administração
da Imprensa Nacional.»
“Biblioteca
Agrícola”, in O Ensino Profissional, Coimbra, Typographia França Amado,
1899; tb. In A Agricultura, Coimbra, Typographia França Amado, 1899.
·
O ENSINO MÉDIO
AGRÍCOLA
«O ensino médio agrícola será essencialmente prático,
devendo os professores explicar todos os assuntos compreendidos nas disciplinas
em presença dos objectos a que se referem as lições, para o que estas terão
lugar geralmente no campo, nas oficinas, nos estábulos e mais dependências da
escola.
Além do ensino essencialmente prático, dado pelos
professores, serão os alunos obrigados a acompanhar e a executar todos os
trabalhos de campo, oficinas, estábulos e mais anexos da escola, de modo que
cada um se exercite sucessivamente durante o curso nos diversos misteres da
vida rural, atendendo, porém, a que a soma do tempo de estudo, das lições dos
professores e da aprendizagem prática, não exceda oito horas em cada dia.»
«O ensino médio agrícola ministrado na Escola Morais
Sarmento compreenderá as seguintes disciplinas designadas no artigo 50.º do
Decreto de Outubro de 1891:
– Aritmética, geometria e agrimensura;
– Geografia prática;
– Princípios de
ciências naturais;
– Estudos do solo e análise mecânica e física das
terras e adubos;
– Cultura de plantas arvenses e hortícolas, de
arbustos e árvores frutíferas e florestais, e tratamento das respectivas
doenças mais vulgares;
– Máquinas agrícolas, drainagem e irrigação e
levantamento topográficos;
– Estudo e higiene dos animais domésticos, tratamento
das doenças mais vulgares e vacinação;
– Princípios de economia, administração e
contabilidade rurais;
– Artes agrícolas;
– E mais as línguas portuguesa e francesa e elementos
de história.
§ único. O serviço do ensino será distribuído pelos
professores que compõem o quadro da escola.»
“Estabelecimentos
de Ensino: reorganização”, in A Agricultura, Coimbra, Typographia França
Amado, 1899; tb. “Instituto e Escolas Agrícolas: reorganização”, in O Ensino Profissional, Coimbra,
Typographia França Amado, 1900.
·
«A Escola Agrícola Central «Morais Soares» foi
reorganizada, recebendo um ensino completo; a um seu aluno [o sr. Abílio
Trovisqueira] que muito se distinguira na construção de máquinas, mandei-o ao
estrangeiro aperfeiçoar-se na mecânica agrícola para vir a ser o mestre da
oficina da sua escola e nela realizar, em proveito da nossa lavoura, ensaios de
máquinas agrícolas; e concedi aos seus alunos a promoção para o Instituto de
Agronomia e Veterinária, mediante um exame de admissão. A Escola «Brotero»
aproveitou, como todas as escolas industriais, o novo plano de estudos, e, como
todas, ficou tendo o seu programa; muni-a de todo o pessoal e material
necessário para as oficinas de carpintaria e serralharia, o que importou em
soma quantiosa; ordenei a instalação da sua oficina de cerâmica; e autorizei-a
a subsidiar com um pequeno jornal os alunos aprendizes.
Não falo dos serviços que prestei à lavoura de Coimbra
com os decretos e contratos para o fornecimento de sementes, adubos, etc., nem dos
que pude especialmente prestar à barra da Figueira da Foz, os quais reflectirão
no comércio de Coimbra. Não pretendo fazer uma enumeração, mas simplesmente
registar alguns dos actos da min há gerência; e não os lembro com
desvanecimento, pois não fiz a Coimbra nada que lhe não devesse.»
“Resposta
a Críticos”, in Da Monarchia para a
Republica: 1883-1905, Coimbra, Typographia F. França Amado, 1905.
·
O ENSINO
ELEMENTAR AGRÍCOLA
(1893)
«Art.º 18.º O ensino elementar agrícola será
ministrado nas escolas já existentes de Viseu, Bairrada, Torres Vedras,
Santarém, Faro, Ponte de Lima e ilha de S. Jorge, em conformidade com os
decretos de 8 de Outubro de 1891 e 1 de Dezembro de 1892, servindo para
habilitar operários rurais.
Art.º 19.º Cada uma das escolas práticas, de harmonia
com o artigo 71.º do decreto 8 de Outubro de 1891, procurará sempre moldar o
seu ensino pela feição agrícola peculiar da região em que se acha estabelecida.
§ 1.º A Escola de Viseu, além de aprendizagem geral,
especializará operários no fabrico de lacticínios.
§ 2.º As duas escolas da Bairrada e Torres Vedras
desenvolverão de preferência o ensino da cultura da vinha e do fabrico dos
vinhos.
§ 3.º Na escola de Santarém predominará o ensino da
cultura da oliveira e do fabrico dos azeites.
§ 4.º A escola de faro dará preferência à educação de
operários para o tratamento de árvores, pomares e conservação de frutas.
§ 5.º As escolas de Ponte de Lima e da ilha de S.
Jorge, além da aprendizagem geral, especializarão também operários no fabrico de
lacticínios.
§ 6.º O Governo utilizará a propriedade rural de Caíde
para o ensino elementar de horticultura e a de Évora para o ensino elementar da
cultura de cereais.
Art.º 20.º Com o concurso do Ministério do Reino será
incluída em cada estabelecimento de ensino elementar de agricultura uma aula de
instrução primária.
Art.º 21.º Em conformidade com o disposto no artigo
78.º do Decreto de 8 de Outubro de 1891, só serão admitidos à matrícula nas
Escolas Elementares de Agricultura os indivíduos que tiverem doze a dezoito
anos de idade, com manifestos sinais de saúde e robustez, não se lhes exigindo
nenhuma outra habilitação.
Art.º 22.º O ensino profissional, sempre prático, será
geralmente dado no campo, nas oficinas e mais dependências das escolas, devendo
ser utilizados os aprendizes em todos os trabalhos rurais.
§ único. Durante a execução destes trabalhos, os
professores, aos quais compete acompanhar sempre os aprendizes, deverão dar
todas as explicações necessárias sob a forma de simples palestras.
Art.º 23.º O trabalho médio dos aprendizes é fixado em
oito horas.
Art.º 24.º Afora o ensino regular professado nas
Escolas de Agricultura e no Instituto de Agronomia e Veterinária, o Governo
fomentará e desenvolverá a instrução nos campos, por meio de conferências,
missões, visitas de estudo e propaganda, que serão realizadas pelos agrónomos e
veterinários ou pelos professores dos quadros.
Art.º 25.º O Governo aproveitará alguns
estabelecimentos oficiais, tais como viveiros, estações ampelográficas e
coudelaria nacional para a educação de adultos, habilitando-os como
viveiristas, enxertadores, tratadores de gado, etc.»
·
REORGANIZAÇÃO DO INSTITUTO DE
AGRONOMIA E VETERINÁRIA
(1893)
«Atendendo ao que me representou o Ministro e
Secretário de Estado dos Negócios das Obras Públicas, Comércio e Indústria, e
de harmonia com o artigo 165.º do Decreto com força de Lei de 20 de Setembro de
1844, hei por bem decretar o seguinte:
Artigo 1.º O ensino superior de agricultura professado
no Instituto de Agronomia e Veterinária compreenderá as disciplinas e cadeiras
constantes do artigo 2.º do Decreto de 8 de Outubro de 1891, sob as designações
seguintes:
1.ª Cadeira – Botânica agrícola;
2.ª Cadeira – mecânica agrícola e máquinas,
Topografia;
3.ª Cadeira – Hidráulica agrícola e construções
rurais;
4.ª Cadeira – Física agrícola;
5.ª Cadeira – Química agrícola;
6.º Cadeira – Agricultura geral, culturas arvenses e
hortícolas;
7.ª Cadeira – Cultura das plantas lenhosas:
1.ª
parte – Arboricultura e viticultura;
2.ª
parte – Silvicultura;
8.ª Cadeira – Microscopia e nosologia vegetal;
9.ª Cadeira – Tecnologia agrícola e florestal;
10.ª Cadeira – Zoologia agrícola,
Zootecnia, Higiene e exterior dos animais
domésticos;
11.ª Cadeira – Economia e
administração rural;
12.ª Cadeira – Anatomia descritiva,
embriologia e teratologia;
13.ª Cadeira – Histologia e
fisiologia comparada;
14.ª Cadeira – Química médica,
farmacologia e farmácia;
15.ª Cadeira – Patologia e
terapêutica gerais, patologia interna e clínica médica;
16.ª Cadeira – Patologia externa,
medicina operatória, obstetrícia e clínica cirúrgica;
17.ª Cadeira – Patologia e clínica
das doenças contagiosas, Direito veterinário.
Art.º 4.º O ensino em cada uma das cadeiras do
Instituto será ao mesmo tempo teórico e prático, nos termos seguintes:
1.º As lições teóricas serão acompanhadas, tanto
quanto possível, de demonstrações.
2.º As lições práticas serão ministradas por pessoal
auxiliar, devendo ser superiormente dirigidas pelos lentes, e versarão
principalmente sobre os seguintes assuntos: exercícios de análise química e
tecnológica, ensaios de classificação de plantas e arborização, preparações ao
microscópio de histologia e nosologia vegetal, observações meteorológicas e
exames de solos agrícolas, execução de projectos, plantas, alçados,
nivelamentos e desenhos topográficos e de máquinas, trabalhos culturais no
campo, exercícios de enxertias, podas e empas, experiências de estudo e ensaios
de manipulação sobre o fabrico de vinhos, azeites, manteigas, queijos e outros
produtos, reconhecimento e preparo de pensos para os animais, estudo das raças
pecuárias, preparações de anatomia normal e patológica, trabalhos de fisiologia
e microbiologia, prática de operações de cirurgia veterinária, exames
toxicológicos, ensaios de clínica médica e cirurgia e exemplificação de modelos
de administração agrícola e florestal.
Art.º 5.º Para os fins do ensino, o Hospital Veterinário
e a Estação Químico-Agrícola de Lisboa são considerados estabelecimentos
auxiliares do Instituto, devendo o serviço dos gabinetes, laboratórios,
enfermarias e campo experimental, em tudo que diz respeito aos alunos, ser
regulado pelo conselho escolar, sem prejuízo dos outros fins daqueles
estabelecimentos.
Art.º 6.º O ensino prático será completado por excursões
ou visitas de estudo as diferentes quintas do país ou a estabelecimentos do
Estado.
§ 1.º As excursões agrícolas serão feitas tanto quanto
possível nas proximidades de Lisboa, devendo ser dirigidas por um lente nomeado
pelo conselho escolar, considerando-se obrigatórias para os alunos dos dois
últimos anos dos cursos.
§ 2.º Os alunos serão obrigados a escrever relatórios
circunstanciados do que virem e for ensinado pelo lente, entrando esses
documentos como factor importante para o computo da classificação final dos
exames.
§ 3.º os lentes encarregados das excursões ou visitas
darão delas conta ao conselho escolar em uma nota sumária, a qual deverá ficar
arquivada na secretaria do Instituto.
Art.º 7.º Além do Hospital veterinário e da Estação
Químico-Agrícola de Lisboa, que prestam serviço ao Instituto nos termos do
artigo 5.º, haverá:
1.º Um laboratório químico;
2.º Um laboratório de fermentações;
3.º Um laboratório de nosologia vegetal;
4.º Um laboratório de investigações bacteriológicas:
5.º Um horto agrícola experimental;
6.º Um museu de máquinas e produtos agrícolas;
7.º Uma leitaria experimental;
8.º Uma oficina vinícola;
9.º Uma oficina oleícola;
10.º Uma oficina de distilação;
11.º Uma sirgaria;
12.º Um colmeal;
13.º Uma biblioteca.»
“Estabelecimentos
de Ensino: reorganização”, in A Agricultura, Coimbra, Typographia França
Amado, 1899; tb. “Instituto e Escolas Agrícolas: reorganização”, in O Ensino Profissional, Coimbra,
Typographia França Amado, 1900.
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