X
O
ENSINO COMERCIAL E INDUSTRIAL
A
REORGANIZAÇÃO DO ENSINO COMERCIAL
(1883)
«A
reorganização do ensino comercial em Lisboa é uma necessidade reconhecida não
só pelo Governo mas pela Associação Comercial desta cidade, que lha representou
em 22 de Dezembro último; e o Governo e a Associação Comercial inspiraram-se
ambos do pensamento expresso por autoridades científicas tão incontestáveis
como são o corpo docente do Instituto Industrial e Comercial, e a direcção da
Sociedade de Geografia.»
«Entendo que à Associação Comercial pertence a
administração do ensino comercial elementar, necessário a toda a classe
comercial que ela representa, exactamente como ao município cumpre administrar
a instrução primária indispensável a todos os seus munícipes; e que ao Estado
se impõe, por sua vez, o alto ensino comercial, que aproveita ao comércio de
todo o país, que deve ser o motor de toda a nossa instrução comercial.
Aprovo o carácter prático que se pretende imprimir no
ensino comercial. É o seu carácter próprio. Hão-de ser de toda a valia o
escritório para transacções simuladas e o laboratório anexo ao Museu de Mercadorias.
Parece-me, contudo, que se não diferenciaram suficientemente um do outro o
ensino industrial e o ensino comercial.
O industrial e o comerciante são entidades que tendem
a associar-se cada vez mais mas que não se confundem. Na indústria,
considerando-a independentemente da arte que a embelece, faz-se aplicação das
ciências naturais; mas no comércio o que se aplica são os princípios da economia
social. Enquanto as forças do operário moderno são o vapor e a electricidade, a
força do negociante moderno é o crédito.»
«Eu não só eliminava do curso de comércio a física e
química; mas não compreendo uma aula teórica de tecnologia geral (que não é a
tecnologia geral que já existe no Instituto Industrial), não a compreendo aonde
haja museu para o conhecimento das mercadorias, estudos estatísticos para o
conhecimento das suas quantidades de produção e de consumo, dos seus preços,
estudos geográficos para o conhecimento da sua proveniência e circunstâncias
locais. O laboratório para o reconhecimento das mercadorias, para as manipular
e verificar por todos os meios a sua genuinidade, esse, sim, reputo-o, não só
útil, como disse, mas até indispensável.»
“Ensino
Comercial”, in Affirmações Publicas:
1882-1886, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888.
·
PLANO PARA A REFORMA DAS ESCOLAS INDUSTRIAIS
Ensino
Art. 1.º As escolas industriais são estabelecimentos de ensino
menor, que se destinam a formar artífices de um e de outro sexo.
Art. 2.° O seu ensino pode ser de
arte industrial, ou de ciência industrial, ou misto de ciência e arte
industriais.
Art. 3.° Abrange curso preparatório,
cursos profissionais e cursos complementares.
§ único. Haverá subsidiariamente nos
centros industriais mais importantes o curso de francês.
Art. 4.° O curso preparatório tem por fim suprir a
insuficiência da nossa escola primária elementar. Compõe-se de trabalhos
manuais, de desenho e modelação e de noções de coisas e ofícios.
§ 1.° Onde convier, este curso poderá incluir as
matérias todas que deve haver na instrução primária elementar.
§ 2.° Os trabalhos manuais executar-se-ão em oficinas
dentro das escolas.
Art. 5.° A duração do curso preparatório é de dois
anos.
Art. 6.° Os cursos profissionais são uns gerais,
outros especiais.
Art. 7.° Os cursos profissionais gerais são: um de
desenho industrial e outro de ciência industrial ou tecnologia geral.
Art. 8.° Os cursos profissionais especiais vêm a ser:
Os de arte industrial:
Pintura decorativa (em papel, tela, madeira, estuque,
louça, etc.),
Escultura decorativa (em barro, gesso, pedra, oiro,
prata, bronze, madeira, couro, etc.),
Construção de móveis;
Os de ciência industrial;
Indústria mecânica ou construção (civil, naval, de
máquinas, relógios, etc.),
Indústria física e construção de instrumentos de
física (electrotecnia, fabricação de instrumentos de música, de lentes, etc.),
Indústria química e construção de aparelhos químicos
(vidraria, cerâmica, fotografia, galvanoplastia, estamparia e tinturaria,
curtumes, saboaria, fabricação de velas e gás, etc).;
E os de arte e de ciência industrial relativos às
industrias têxteis, etc.
Art. 9.° Os cursos complementares servem aos
aprendizes que pretendam passar aos cursos de mestres. São: um de aritmética e
geometria, mecânica, física e química e história natural; outro de português,
geografia e história geral, princípios de moral, direito e economia.
Art. 10.º Os cursos profissionais, complementares e de
francês duram até três anos aproximadamente.
Art. 11.º A instrução nas escolas industriais
compreende trabalhos técnicos, manuais e gráficos.
Art. 12.° Os trabalhos de carácter experimental ou
industrial geral executar-se-ão dentro das escolas, em salas de estudo e
laboratórios, ou em oficinas de trabalho manual.
Art. 13.º Os trabalhos industriais especiais
efectuar-se-ão sob a vigilância dos professores, principalmente em obras ou em
estabelecimentos industriais públicos ou particulares, próximos da escola, para
esse fim prestados pelas suas administrações.
§ 1.º Deverá, contudo, haver dentro da escola oficina
especial para esses trabalhos, toda vez que na localidade se pretenda
introduzir ou criar indústria nova, ou obviar ao mau aprendizado dos
estabelecimentos industriais já existentes.
§ 2.° As oficinas do curso preparatório estarão à
disposição do ensino profissional.
Art. 14.º O plano dos exercícios escolares encontra-se
em documento especial.
Art. 15.° Sendo de reconhecida necessidade cursos
nocturnos e dominicais de instrução primária elementar e complementar nas
localidades onde haja escolas industriais, o Governo permitirá às câmaras
municipais que os estabeleçam dentro das mesmas escolas.
In Affirmações
Publicas: 1888-1893, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1896.
·
PLANO PARA A CRIAÇÃO DE ESCOLAS COMERCIAIS
Ensino
Art. 1 .° As Escolas Comerciais são estabelecimentos
de ensino menor, que se destinam a habilitar pessoas de um e de outro sexo para
empregados subalternos do comércio.
Art. 2.° O seu ensino será ministrado num curso
elementar de contabilidade, comércio (noções económicas e jurídicas) e história
e geografia comercial portuguesa.
§ único. Os cursos complementares de aritmética e
geometria, mecânica, física, química e história natural e de português,
geografia e história geral, princípios de moral, direito e economia e o curso
auxiliar de francês das Escolas Industriais serão comuns aos alunos das Escolas
Comerciais.
Art. 3.° O curso elementar de comércio terá a duração
de três anos.
Art. 4.° A instrução na escola deve ser acompanhada de
aprendizado em algum estabelecimento comercial.
Art. 5.° O
plano dos exercícios escolares encontra-se em documento especial.
In Affirmações Publicas: 1888-1893, Coimbra, Imprensa da
Universidade, 1896.
«Tudo nos Institutos deve convergir no sentido da
utilidade prática do ensino. Só assim é possível que as classes industrial e
comercial os reconheçam por seus e conseguintemente os procurem. Só assim eles
pertencerão de facto a essas classes, às quais cumpre que sirvam, não só
recrutando lá os seus alunos, mas, o que é essencial, conduzindo-os para lá.
Não que nos Institutos o ensino da mecânica, física, etc., deva deixar de ser
racional, recorrendo quanto preciso às demonstrações matemáticas, nem tão pouco
o ensino histórico, económico e jurídico do comércio deva abster-se de versar
as questões de princípios; o que é mister, é que os professores se não se
esqueçam nunca de que se não acham em estabelecimentos de ensino geral, onde as
explicações teóricas têm largo cabimento. Aqui há decerto que educar o aluno,
formando-lhe a razão e o gosto, imprimindo-lhe a capacidade interior de se
dirigir, mas sem o lançar por isso em desenvolvimentos especulativos que possam
sequer parecer divagações.
Vários preceitos estabelece o presente decreto para
afeiçoar os Institutos estritamente ao seu destino profissional. Dois
especialmente merecem ser referidos. Um é a obrigatoriedade do trabalho técnico
do aluno, tanto dentro como fora dos Institutos; o que quer dizer que, para
futuro, o aluno não há-de apenas examinar colecções e assistir a experiências,
ou fazer visitas e excursões de estudo, como principalmente sucedia até agora,
mas terá também de pôr continuamente à prova o seu saber em exercícios de
aplicação prática. O outro preceito é correlativamente a incumbência aos
professores da direcção das salas de estudo, laboratórios e oficinas de
trabalho manual, e bem assim da inspecção do tirocínio industrial ou comercial
de seus discípulos. Para que este tirocínio se converta numa realidade, o
Governo, além de lhe ministrar as suas oficinas de produção de material
escolar, celebrará os acordos necessários para a colocação dos alunos em
estabelecimentos profissionais, públicos e particulares.»
«Os Institutos estavam naturalmente indicados para
servir de escolas normais às pequenas aulas industriais e comerciais; e, com a
nova organização que se lhes dá, poderão desempenhar satisfatoriamente tão
importante função. Na secção industrial ramo científico, o curso de construções
civis habilitará para o ensino arquitectónico, o de construções de máquinas
para o ensino especialmente chamado mecânico (pois que estes ensinos, sem
embargo da sua denominação, que circunstâncias transitórias impõem, hão-de
abranger cada vez mais uma parte mecânica, até se tornarem completamente
profissionais), o de física industrial e construção de instrumentos de física
para o ensino de física industrial, o da química industrial e construção de
aparelhos de química para o ensino de química industrial, e, finalmente, o
curso de tecnologia industrial geral para o de tecnologia; na mesma secção
industrial, ramo artístico, os cursos de pintura e de escritura decorativa
habilitarão para o ensino da arte industrial, por enquanto denominada desenho
ornamental, e o curso de desenho industrial para o ensino geral do desenho
industrial.»
«Tanto a instrução industrial como a comercial
compreendem exercidos práticos, dirigidos pelos professores, em salas de
estudo, laboratórios e oficinas de trabalho manual adequadas. Os exercícios
profissionais, porém, executar-se-ão, sob a vigilância dos respectivos
professores, em obras e estabelecimentos públicos ou particulares, mediante
acordo entre as administrações dos mesmos estabelecimentos e obras e as
direcções dos Institutos; salvo, em Lisboa, os trabalhos de construção de
instrumentos de precisão, e, no Porto, os trabalhos de reproduções em gesso,
para os quais haverá oficina anexa em cada Instituto ou Museu.
Para auxiliar a educação dos alunos, organizar-se-ão
também visitas e excursões de estudo.»
“Reforma
dos Institutos Industriais e Comerciais de 8 de Outubro de 1891”, in Affirmações Publicas: 1888-1893,
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1896.
·
A
DESCENTRALIZAÇÃO DO ENSINO INDUSTRIAL
«Uma das características da gerência ministerial das
escolas industriais em 1893 foi o grande desenvolvimento dado ao ensino
oficinal, apenas até então esboçado ao sul do país durante o período da
primeira inspecção, tão superiormente exercida pelo conselheiro F. da Fonseca
Benevides.
Criaram-se, multiplicaram-se e melhoraram-se oficinas
por todo o país. Ao sul. além do que se dispendeu com quase todas as outras
escolas, ainda das ilhas – onde, por exemplo, a Escola A. A. de Aguiar recebeu
materiais de oficina na importância de cerca de 500$000 réis –, só em Lisboa
gastaram-se com máquinas, ferramentas e utensílios 3.600$000 réis para a Escola
Afonso Domingues e 6.334$300 para a escola do Marquês de Pombal e em material
artístico para a Escola Rodrigues Sampaio 328$000 réis, não contando o que lhe
dispensaram as outras duas escolas. Ao norte, apercebeu-se a Escola Brotero com
o material necessário para as oficinas de carpintaria e serralharia,
mandando-se estabelecer também nela uma oficina de cerâmica; estudam-se o
aproveitamento do valioso material de fiação e tecelagem, que custara muitas
dezenas de contos, ao abandono nas oficinas da Escola Francisco de Holanda; e
cuidava-se de generalizar as oficinas a todas as escolas.
Nomeou-se um numeroso pessoal de mestres e operários,
de um e de outro sexo, escolhendo-o, sempre que foi possível, entre os antigos
alunos das Escolas Industriais; e melhorou-se o vencimento do pessoal já
existente. Para os trabalhos práticos da aula de mecânica e física industrial
da escola Rodrigues Sampaio foi aproveitada, com o concurso do seu habilíssimo
chefe Francisco de Paula e Melo, a própria oficina de instrumentos de precisão
do Instituto Industrial de Lisboa.
Determinou-se que tanto a oficina de carpintaria como
a de serrelharia, civil e mecânica, tivesse cada uma, em regra, o mesmo mestre,
e que a mestra de lavores elementares poderia acumular o curso especial de
costura.
Insistiu-se na nacionalização do ensino oficinal, a
que dera sobretudo impulso o inspector Ramalho Ortigão na sua tão curta como
brilhante passagem pelas Escolas Industriais.
Muitos maquinismos foram fornecidos pela oficina de
instrumentos de precisão do Instituto Industrial de Lisboa; e ordenou-se o
estabelecimento de uma oficina de reprodução artística junto à secção de arte
industrial do Instituto Industrial do Porto para de futuro de lá se fornecerem
os modelos artísticos.
Uma colecção de modelos, de corda e madeira, de todos
os aparelhos de um barco,a dquirida para a Escola Pedro Nunes, foi executada
por um operário do Arsenal de Marinha.
Os alunos das Escolas Industriais auxiliaram os
trabalhos de estabelecimento das oficinas.»
“Aulas.
Professorado”, in A Indústria, Coimbra, Typographia França Amado, 1898.
·
«No meio de tantas outras questões que me tomavam o
tempo, pude iniciar a descentralização do ensino profissional, criando com a
colaboração das corporações locais e de particulares, várias escolas
industriais e comerciais e uma oficina escola de olaria, pude duplicar em
Lisboa o número das escolas industriais, ampliando a antiga Escola Municipal
Rodrigues Sampaio, que era apenas primária superior, e divindindo-a, com o
auxílio do sr. Duque de Palmela e do sr. Marquês da Praia e Monforte, em duas
secções industriais, uma no Poço Novo e outra no Rato; e, além de assim fundar
a educação menor da classe comercial e difundir a da classe industrial, além de
abrir as portas de cada escola ao dobro da população trabalhadora por meio do
desdobramento do ensino em diurno e nocturno, fixei o plano dos exercícios
escolares, esboçado por mim em 1891, formulei os quadros dos cursos e decretei
os programas das aulas e das oficinas, reforcei o material pedagógico das
aulas, imprimi um largo desenvolvimento ao ensino oficinal, apenas começado
antes de mim, como se pode verificar aqui na capital, visitando as magníficas
oficinas que mandei instalar, e dotei as escolas com os professores e mestres
bastantes, aproveitando para o magistério alguns empregados de obras públicas,
adidos ou dispensáveis, de reconhecido mérito, ao mesmo tempo que reduzia o
número de professores contratados, e tendo a fortuna de, por contrato, recrutar
pela primeira vez um artista português [o sr. Roque Gameiro]. Nem deixei de
pensar nos filhos de proletários que revelassem aptidão superior, e para eles
instituí pensões que lhes permitissem ascender à frequência dos Institutos
Industriais e Comerciais.»
“Resposta
a Críticos”, in Da Monarchia para a
Republica: 1883-1905, Coimbra, Typographia F. França Amado, 1905.
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