Recordar Republicanos
Abílio Marçal - I
Neste fim de semana estive a consultar os dois tomos, recentemente editados, da obra - "As Missões Laicas em África na 1ª República em Portugal", da autoria de Pedro Marçal Vaz Pereira, que o meu querido Amigo Dr Emílio Ricon Peres gentilmente me disponibilizou. Um apertado abraço de gratidão!
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"Abílio Marçal (de nome completo Abílio Corrêa da Silva Marçal) nasceu na então aldeia de Cernache do Bonjardim em 3 de Junho de 1867, tendo falecido em 23 de Junho de 1925, também nesta aldeia. O seu pai era António Corrêa de Sá da Cunha Castelo Branco, licenciado em Farmácia na Universidade de Coimbra, sendo o Farmacêutico, ao tempo, de Cernache do Bonjardim. António Corrêa da Silva, como passou a ser conhecido nesta aldeia, casou com Eduviges da Conceição Marçal, filha de José Marçal da Silva e Maria da Conceição, conhecida vulgarmente por Maria Angelina, que era mãe solteira. Deste casamento nasceram 11 filhos, sendo Abílio Marçal o primogénito.
A mãe de Abílio Marçal, Eduviges Marçal, morreu de parto, em 24 de Dezembro
de 1880, já que a data de nascimento da última filha, também ela Eduviges, é
coincidente com a da sua morte. Coube então à filha mais velha, Maria da
Conceição Marçal, com a idade de 10 anos, tomar conta dos irmãos, tendo dois
acabado por se licenciar, sendo um deles Abílio Marçal. Por morte do pai de
Abílio Marçal, em 1902, a família mudou-se para a célebre casa da Rua Torta,
onde o Dr. Abílio Marçal, em princípio nunca chegou a viver, já que nessa altura
já era casado e tinha um filho.
Aluno externo do Real Colégio de Missões Ultramarinas, licenciou-se em
Direito em 1892 na Universidade de Coimbra. Durante este período foi um
jornalista interventivo, com vários artigos publicados. Finalizado o curso,
voltou para Cernache do Bonjardim onde abriu um escritório de advocacia. O outro
irmão, o Dr. José Marçal, licenciou-se em medicina, vindo a exercê-la em
Ferreira do Zêzere. Em 1917 era Governador Civil de Castelo Branco, único cargo
político que exerceu.
Durante a Monarquia, Abílio Marçal, foi militante do Partido Progressista
Dissidente, tendo aderido ao PRP – Partido Republicano Português, após a
implantação da República, partido em que sempre militaria. Pertenceu então aos
seus órgãos directivos, mormente à Junta Consultiva em 1915, 1920 e 1922, ao
Conselho Arbitral, em 1919. Em 1924 concorreu ao Directório do PRP, mas não foi
eleito. Foi igualmente membro de diversos centros republicanos em Lisboa,
Cernache do Bonjardim e Sertã. Amigo pessoal do Dr. Afonso Costa, de quem tinha
sido colega de curso em Coimbra, foi seu secretário durante o período da
discussão da reforma do Colégio das Missões.
Abílio Marçal foi eleito deputado em quatro legislaturas, 1915, 1919, 1921 e
1922. Esta sua primeira eleição aconteceu em 13 de Junho de 1915, tendo tomado
posse a 23 de Junho desse mesmo ano. No seu primeiro manifesto eleitoral datado
de 3 de Junho de 1915, e enviado à população do seu círculo eleitoral já se
propunha fazer a reforma do Colégio das Missões, com a criação de um curso
liceal, com internato e externato, a instalação de uma escola de agricultura na
Mata do Bonjardim, a fundação de oficinas e observatório meteorológico, a
conclusão da ponte da Bouçã e a estrada que a ligaria ao distrito de Leiria, a
fundação de um jardim escola João de Deus, o lançamento da linha telegráfica por
Ferreira do Zêzere e Figueiró dos Vinhos, elevação a serviço completo da estação
telégrafo-postal de Cernache do Bonjardim e a instalação da Guarda Nacional
Republicana e por fim a conclusão do mercado Bittencourt. Propunha-se ainda a
instalar a luz eléctrica e a fazer passar por Cernache do Bonjardim o comboio.
Seria eleito Vice-Presidente da Câmara dos Deputados em 21 de Junho de 1920 e
Presidente da Câmara dos Deputados em 2 de Dezembro de 1920,com 78 votos, cargo
que desempenhou até 1 de Junho de 1921, altura em que o Parlamento foi
dissolvido. Enquanto deputado teve uma intervenção muito activa, apresentou
muitos projectos lei e sendo relator de muitos outros.
Integrou ainda as seguintes comissões parlamentares: 1915, Legislação Civil e
Comercial, Administração Pública, Orçamento e Código Administrativo e
Verificação de Poderes; 1916-17, Legislação Civil, Comercial e Administração
Pública, Orçamento e Código Administrativo e Administração de Poderes (2ª);
1919, Trabalhos Parlamentares, Administração Pública, Legislação e Orçamento;
1921, Administração Pública, Orçamento, Verificação de Poderes (3ª) e
Interparlamentar de Comércio; 1922, 1ª Comissão de Verificação de Poderes,
Administração Pública, Colónias, Orçamento e Interparlamentar de Comércio,
Instrução Especial e Técnica, Orçamento e Colónias. Seria ainda nomeado Vogal
substituto do Conselho Superior da Administração Financeira do Estado.
Foi eleito para Presidente da Câmara dos Deputados, precisamente na época em
que seguiram para África as primeiras missões laicas. Grande impulsionador da
reforma do Colégio das Missões Ultramarinas, integrou todas as comissões, que
trabalharam nesta, tendo apresentado um projecto de reforma do então Instituto
das Missões Ultramarinas, projecto este praticamente adoptado na sua
totalidade.
É nomeado por Decreto de 20 de Dezembro de 1913 Director Interino do Colégio
das Missões Ultramarinas. Em 19 de Junho de 1915 toma posse na Sala do Concelho
do Colégio das Missões Ultramarinas, sendo testemunha e reitor do mesmo Hermínio
José Quintão. Em Outubro de 1915 funda o Liceu Colonial no Colégio das Missões,
evitando assim de vez, que este fosse encerrado e transferido para Lisboa, onde
muitos sectores republicanos pretendiam fundar um colégio de “ Artes e Ofícios”
para formar agentes, que seguissem para África e aí exercessem a política
ultramarina da altura. Foi Reitor do Liceu Colonial, entre 1915 e 1917, tendo
este sido um pólo importante do ensino naquela região das Beiras.
Em 11 de Setembro de 1917, é-lhe reconfirmado o cargo de Director do
Instituto de Missões Coloniais, sendo novamente testemunha o já então
Administrador do mesmo, Hermínio José Quintão. O Diploma de Funções Públicas é
assinado por dois grandes vultos da nossa 1ª República, Teófilo de Braga e
Magalhães Lima, ao tempo respectivamente Presidente da República e Ministro da
Instrução. Foi igualmente Procurador Geral das Missões Laicas. A reforma do
Colégio viria a ser concretizada em 9 de Setembro de 1917, depois de muitas
lutas políticas travadas pelo Dr. Abílio Marçal e que trariam grandes alterações
na sua estrutura, apesar de estar contemplada no artigo 189º da Lei da Separação
de Abril de 1911.
Foi sob a sua orientação, que seguiram para as nossas colónias as primeiras
missões laicas civilizadoras. Contudo tal só viria a acontecer apenas em 1920,
depois de concluídos os primeiros cursos de agentes civilizadores, que duravam
três anos.
Homem de um só crer, e de uma só vontade, foi a sua determinação férrea e
persistência naquilo que acreditava, que fizeram com que a reforma do Colégio de
Missões fosse uma realidade. O Colégio de Cernache, com o seu Instituto de
Missões Laicas e o liceu agregado, foi um notável estabelecimento de ensino, que
em muito contribuiu para o desenvolvimento de toda a zona da Beira Baixa e uma
referência desta nesta região e no país inteiro. Foi ainda Administrador do
Concelho da Sertã em 1904, na época da Monarquia, e voltaria a sê-lo na
República, em 1913.
Foi ainda Presidente da Câmara da Sertã, eleito em 4/11/1917, Presidente da
Comissão Auxiliar da Câmara Municipal da Sertã na construção dos Paços
Municipais e outros melhoramentos, constituída para reconstruir o edifício da
Câmara Municipal, que tinha sido destruído por um incêndio, vogal executivo da
Comissão Executiva da Câmara da Sertã (vereador), nos mandatos de 1919-20 e
1921-22. Com o fim do Sidonismo, é eleito, em Setembro de 1919, Presidente da
Comissão Executiva Municipal da Sertã, cargo que desempenhou até 29 de Dezembro
de 1922.
Em Março de 1916 e em 1921 foi substituto do Juiz de Direito da Comarca da
Sertã. Como atrás referi, foi no início da sua vida parlamentar secretário do
Dr. Afonso Costa, tendo nascido entre os dois uma forte amizade, que duraria
toda a 1ª República. Ambos estiveram presos na ditadura de Sidónio Pais, Abilio
Marçal em Coimbra, e Afonso Costa no forte de Elvas. Seria libertado em 15 de
Dezembro de 1918, tendo-lhe sido entregue um “Salvo Conducto” para poder
regressar a Cernache do Bonjardim. Foi ainda Secretário do Grupo Parlamentar do
Partido Republicano Democrático e em 1917 foi nomeado secretário do governo da
República. Convidado várias vezes para Ministro da República, recusou sempre
este cargo. Foi sócio da Sociedade de Geografia de Lisboa e da Sociedade de
Propaganda de Portugal, esta última a génese da promoção do turismo no nosso
país. É durante a sua presidência da Câmara dos Deputados, que se desenrolou em
1921, na cidade de Lisboa, a importante Conferência Interparlamentar do
Comércio. Abílio Marçal tinha sido precisamente nomeado nesta legislatura membro
da Comissão Administrativa e Interparlamentar de Comércio.
Na sua terra natal, Cernache do Bonjardim, foi um grande impulsionador do
teatro. Fundou um grupo dramático, tendo escrito, ensaiado e representado várias
obras, e composto ainda diversas cançonetas. Ficou célebre a representação de
crítica social da vida em Cernache. Estas peças eram levadas à cena no Teatro
Sernachense, onde já em 1883, com a idade de 16 anos, participava como actor. O
Teatro Bonjardim veio substituir o Sernachense e em 1884 já se representavam
peças neste teatro. O Clube Bonjardim era fundado em 20 de Fevereiro de 1885 e
mais tarde seria construído o edifício do Teatro Bonjardim, em cuja fundação
participou. Contudo no seu chalé de Cernache do Bonjardim, construído em 1903,
existia no piso superior um salão onde foram representadas muitas peças. Ainda
hoje quem visitar aquela casa, que se encontra ao total abandono, poderá ver no
tecto as roldanas, que seguravam o pano da boca de cena. Seria realizada em
Cernache do Bonjardim uma homenagem ao grande actor Taborda e a Alfredo Keil.
Para o efeito foi constituída uma Comissão de Festejos a Taborda e Keil, da qual
fazia parte o Dr. Abílio Marçal.
Em 7 de Abril de 1899 daria aqui uma récita o grande actor Taborda,
acompanhado por Alfredo Keil, autor do hino nacional, conhecido na altura como “
O Hino Patriótico «A Portuguesa»”. Seriam nessa mesma noite representadas ainda
as comédias "Convido o Coronel", "Tio Torquato" e "A Prova do Crime",
participando Abílio Marçal nestas duas últimas, nos papéis respectivamente de
Torquato e Simplicio. O actor Taborda representaria na comédia "Convido o
Coronel", o papel de Tio Mateus. Alfredo Keil tocaria ao piano, em primeira
audição em Portugal, a peça "Serrana".
Em 19 de Abril de 1899, Abílio Marçal enviava para o seu Eco da Beira a
seguinte noticia:
A Comissão dos Festejos solicitou de Taborda autorização para dar o seu nome
ao teatro de Cernache, o que este, muito comovido aceitou. Este assunto será
tratado na primeira reunião da assembleia geral de sócios. Daqui para a frente o
Teatro Bonjardim passaria a designar-se por Teatro Taborda. O Dr. Abílio Marçal
foi presidente da Direcção do Teatro Taborda em 1916, à qual já pertencia em
1915. Era possuidor de uma importante colecção de peças de teatro, das quais
muitas levou à cena em Cernache do Bonjardim. Sem televisão, cinema ou mesmo
rádio, o teatro era na realidade a grande força cultural e social do século XIX
e início do XX. Foi ainda um notável escritor de cançonetas, muitas delas
cantadas no Teatro Taborda. Chegou mesmo a escrever algumas peças de teatro,
como Uma Visita a Rilhafoles ou mesmo a transcrever peças de teatro estrageiras
como Dar Corda Para Se Enforcar!, para serem representadas em Cernache do
Bonjardim. Chegou ainda a elaborar um catálogo das peças representadas no Teatro
em Cernache onde se atingiram as 240 representações, um número notável para a
época. Foi ainda director do jornal Eco da Beira, de 16 de Agosto de 1914 a 1 de
Agosto de 1918, no período republicano deste jornal da Sertã e no período
monárquico, aparece pela primeira vez em 12 de Agosto de 1898 como Director
Político. Com a reforma do Colégio das Missões, é criado o Boletim das Missões
Coloniais, do qual foi igualmente o seu director. Nestas duas publicações
desenvolveu uma intensa actividade jornalística e travou muitos e duros combates
políticos. Dirigiu a Filarmónica de Cernache do Bonjardim, que evitou que
desaparecesse, e trouxe para esta aldeia a Guarda Nacional Republicana.
Em 1909, integrava uma comissão, que representava três beneméritos de
Cernache, e que era composta por mais dois cunhados, Isidoro de Paula Antunes,
casado com Maria da Conceição Marçal e Filipe da Silva Leonor, casado com
Adelaide Correia da Silva Marçal. Os beneméritos eram António Pereira
Bittencourt, Governador do Estado Brasileiro de Manaus, José do Rosário e
Joaquim Antunes, que pretendiam construir e oferecer a Cernache do Bonjardim,
uma escola para raparigas, um mercado, a capela no cemitério e proceder a
melhoramentos no teatro Bonjardim, em especial a construção do seu foyer. Todos
estes projectos se concretizaram, com destaque para o célebre Mercado
Bittencourt, que foi inaugurado em 2 de Julho de 1916. As escolas devem ter sido
as criadas ao lado do teatro, nessa altura Bonjardim. Para o acto benemérito da
construção deste mercado, não deve ter sido estranha a amizade de Isidoro Paula
Antunes, que tinha feito fortuna no Brasil, com o governador de Manaus, que a
seu convite visitou Cernache do Bonjardim. Promoveu um conjunto assinalável de
obras públicas, com destaque para os melhoramentos da Ponte da Bairrada, a
construção da estrada que atravessava esta ponte, a construção da estrada que
ligava o concelho de Ferreira do Zêzere a Figueiró dos Vinhos, e a estrada
distrital que ligava Casal do Gavião a Oleiros. Coube a Abílio Marçal a tarefa
de promover a construção da ponte da Bouçã sobre o rio Zêzere, que ligaria as
duas margens deste rio e desta forma o concelho de Figueiró dos Vinhos e da
Sertã. A assinatura das primeiras empreitadas decorreu no mês de Novembro de
1914 e em Junho de 1915 as obras decorriam já a bom ritmo. Foi ainda um dos
beneméritos que participou na construção do hospital de Sertã, decorria o ano de
1904. Coube ainda a Abílio Marçal a introdução da electricidade em Cernache do
Bonjardim. Na qualidade de Director do Instituto de Missões Ultramarinas mandou
instalar no Instituto um gerador eléctrico, que fornecia electricidade a toda a
instituição. Após esta instalação começa a receber pedidos de outras entidades,
como os correios e o Pároco de Cernache do Bonjardim, para que lhes fosse
fornecida electricidade. Caberia àquelas instituições a instalação dos circuitos
eléctricos, contudo no caso da igreja de Cernache, o Dr. Abílio Marçal, na
qualidade de Director do Instituto de Missões Coloniais, pagou a instalação
eléctrica, sendo esta paga pelo pároco, conforme pudesse. Este fornecimento
seria alargado a toda a vila, cujos habitantes pagavam o seu consumo ao
Instituto das Missões Laicas e mais tarde ao Seminário das Missões, após a
extinção das primeiras com o fim da 1ª República.
Aproveitando a instalação eléctrica, manda construir no cimo da “torre
sanitária” do Instituto de Missões Coloniais um depósito de água, , sendo esta
bombeada para aquele por uma motor eléctrico e fornecendo água canalizada para
as instalações do Instituto, o que para a época foi um enorme melhoramento.
Casou em 31 de Dezembro 1896 com Angelina Eva Nogueira da Silva, filha de
Joaquim Nunes da Silva, natural de Cernache do Bonjardim e de Carlota Amélia
Nogueira, natural de Beja. Joaquim Nunes da Silva tinha imigrado para Elvas,
onde se viria a tornar um importante homem de negócios e um político de
prestígio, tendo sido Presidente da Câmara Municipal de Elvas. Deste casamento
do Dr. Abílio Marçal, nasceu apenas um filho, o Dr. Jorge Marçal, que se formou
em medicina na Universidade de Coimbra
O Dr. Abílio Marçal foi um grande democrata e republicano, combateu todas as
aventuras ditatoriais durante a 1ª República, o que lhe valeu em 1918, no
sidonismo ou “Dezembrismo”, ter sido demitido de Director do Instituto de
Missões Coloniais, e preso durante algumas semanas na Penitenciária de Coimbra.
O seu último acto político foi a sua presença no Congresso do Partido
Republicano Português, que se realizou em Lisboa nos dias 6 e 7 de Junho de
1925. Já muito doente, não deixou de estar presente neste Congresso, onde
pretendia tratar de importantes assuntos políticos."
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