segunda-feira, 30 de julho de 2012

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Nas minhas deambulações pela internet, encontrei hoje no blogue  -  "Sai-te daqui", de 14 de Setembro de 2007,  clicar aqui, o seguinte texto, que reproduzo com a devida vénia:


"Um exemplo de poesia política...Em pleno consulado sidonista, algures em Maio de 1918 (recorda-se que Sidónio Pais se apossara do poder pela revolução sangrenta de 5 a 8 de Dezembro de 1917... e os soldados do CEP na Flandres, junto ao rio Lys, que se fossem lixando nas trincheiras à espera dos reclamados mas recusados reforços... ou da vindima trágica do 9 de Abril) o "Defesa de Arouca", claramente republicano-democrático, transcrevia de "O Norte" esta deliciosa peça, que é um excelente exemplo de poesia política:

MONÓLOGO PARA TODOS

Para ter gótica amante,
mostrando-a sempre flamante
do mar da Mancha ao mar Jónio,
não é preciso mais nada:
basta estar numa embaixada...
basta apenas ser-se... idóneo.

Para calúnias e petas
espalhar pelas gazetas
contra Afonso ou contra António,
e, depois deste arreganho,
ficar com cara de estanho,
basta apenas ser-se... idóneo.

Para ser Francisco, Alfredo,
Venceslau ou Roboredo,
inda Pancrácio ou Sinfrónio,
basta esta coisa singela:
mudar o nome à gamela...
basta apenas ser-se... idóneo.

Para ser-se castelhano,
austríaco ou prussiano,
búlgaro, turco ou lapónio,
diz daqui do lado o Soiza,
não ser preciso outra coisa...
basta apenas ser-se...idóneo.

Para ser-se rei e ministro,
um presidente sinistro,
e bispo, e papa... o demónio,
não se carece outra carta,
(como penhor que bem farta):
basta apenas ser-se... idóneo.

Para ser heroi falido,
por faltar ao prometido
e seguir caminho erróneo,
a fugir da consciência,
num sonho mau de demência:
basta apenas ser-se... idóneo.

Para se ter um renome
que nenhum tempo consome,
e vá da Mancha ao mar Jónio,
não basta ser batoteiro,
ser cacique eleiçoeiro...
não basta só ser-se... idóneo.

Para se ser respeitado
Qual Bernardino Machado,
até do simples campónio,
deve ser irrepreensível
a vida o mais que é possível;
não basta só ser-se...idóneo.

Para se ser estadista,
sincero propagandista,
como Afonso ou como António,
ainda que o não pareça,
é preciso ter cabeça,
não basta só ser-se... idóneo.

E, para ter um só rosto,
uma só fé, um só posto,
como bom lacedemónio,
muito mais nos é preciso:
muita honra e muito siso...
não basta só ser-se... idóneo."









domingo, 29 de julho de 2012





Bernardino Machado em Madrid no segundo exílio  (1935/1936)  -  4







sábado, 28 de julho de 2012





Bernardino Machado em Madrid no segundo exílio  (1935/1936)  -  3








sexta-feira, 27 de julho de 2012





Bernardino Machado em Madrid no segundo exílio (1935/1936)  -  2



Do portal da Fundação Mário Soares, transcrevemos o texto "Documentos Bernardino Machado e Afonso Costa" do dossier sobre a Guerra Civil de Espanha  -  clique aqui




Documentos Bernardino Machado e Afonso Costa

O eclodir da Guerra Civil de Espanha constituiu uma preocupação acrescida para a oposição republicana no exílio. O apoio, ainda que não oficial, do governo de Salazar às forças de Franco, representava uma nova ameaça ao sonho do restabelecimento do regime democrático em Portugal.
A vitória da República em Espanha tinha causado regozijo no seio da oposição à ditadura, nomeadamente no campo republicano, que acalentou o projecto de receber apoio do governo espanhol para a organização revolucionária. Todavia, a divisão entre as diferentes facções políticas e ideológicas dos opositores à ditadura, quer no exílio, quer em Portugal, não permitiu o estabelecimento de uma união que pudesse alcançar a força necessária para qualquer movimento revolucionário bem sucedido.
Durante os primeiros meses da Guerra Civil de Espanha, os exilados republicanos em Paris, juntamente com Bernardino Machado, que se estabeleceu no Mónaco em Janeiro de 1937 (depois de uma breve estadia em Valência, para onde se tinha mudado em Setembro do ano anterior, abandonando Madrid, devido à instabilidade causada pelo início da guerra), concertaram novos esforços para relançar um movimento revolucionário, por um lado, tentando obter recursos financeiros e, por outro, tentando unir os diferentes agrupamentos políticos, para o que formaram, em Paris, um “Comité de Acção”, tendo em vista a criação da Frente Popular Portuguesa.
Neste contexto, entre 1936 e 1937, Afonso Costa e José Domingues dos Santos, com o apoio de Bernardino Machado, procuram obter um empréstimo do governo espanhol destinado a financiar a propaganda contra a ditadura e lançar um movimento revolucionário. O empréstimo, além de necessário em termos materiais, visava ainda incentivar à união muitos anti-fascistas que até então permaneciam duvidosos quanto ao sucesso de uma revolução. Paralelamente às negociações junto do embaixador do espanhol em Paris, Luís Araquistain, para a obtenção do referido empréstimo, as atenções concentraram-se no redobrar da campanha de propaganda contra a ditadura em Portugal e de apoio à Espanha republicana.
Em Janeiro de 1937, Bernardino Machado lançou o manifesto à nação "Pela independência e pela integridade de Portugal"[1], no qual além de analisar a situação da Ditadura em Portugal e as suas relações com o exército, deu particular atenção à conjuntura política suscitada pela Guerra Civil em Espanha, denunciando a solidariedade do governo de Salazar com os revoltosos liderados por Franco, colocando especial ênfase na questão do iberismo, ao afirmar que “a união da reacção que hoje governa em Portugal com a que pretende governar amanhã em Espanha é a ameaça do ressurgimento da União Ibérica”, e que “servir os inimigos da nova Espanha livre é servir os inimigos seculares do Portugal restaurado”. Bernardino Machado chamava ainda a atenção para o lugar de Portugal no quadro das restantes nações europeias, criticando as relações entre o governo português ditatorial e os governos da Alemanha e Itália, em detrimento da tradicional aliança com a Inglaterra, e reavivando a questão das ambições alemãs sobre as colónias portuguesas.
Em Paris, numa reunião convocada por Afonso Costa e Domingues dos Santos, à qual assistiram também os exilados Álvaro Poppe, Agatão Lança e Lago Cerqueira, entre outros, foi decidido mandar traduzir para espanhol o manifesto de Bernardino Machado e ainda encetar esforços para a sua ampla divulgação em Portugal, nos meios civis e militares[2]. Por seu turno, Afonso e José Domingues dos Santos subscreveram o manifesto intitulado “Apelo a todos os liberais e anti-fascistas”[3], abrindo-o com a afirmação de que a situação portuguesa se tornara “trágica e perigosa no domínio internacional”, desde que o governo ditatorial tomara posição “ao lado dos rebeldes” na guerra de Espanha. Afonso Costa e Domingues dos Santos corroboravam as afirmações contidas no manifesto de Bernardino Machado, e anunciaram a constituição do “Comité de Acção”, com o objectivo de incentivar à união de esforços para o restabelecimento das liberdades públicas, defesa da independência nacional e da integridade do domínio colonial.
Exemplares do manifesto de Bernardino Machado e do apelo do Comité de Acção foram confiados a Roberto Queirós que, enviado em missão a Portugal, foi incumbido de os fazer distribuir e ainda de estabelecer contactos com alguns dos principais representantes dos diversos grupos de oposição ao Estado Novo.
Todavia, o resultado destas diligências foi reduzido. A missão clandestina de Roberto Queirós a Portugal não deu os resultados esperados. Em relatório elaborado no início de Abril de 1937, e dirigido a Afonso Costa e Domingues dos Santos, Roberto Queirós deixou claro que era difícil obter o apoio de grande parte dos adversários da ditadura, afirmando ainda que constara que seria inviável qualquer projecto de revolução sem o apoio do Exército, algo que se afigurava difícil já que o único militar republicano que poderia congregar em torno de si os vários sectores do Exército era Ribeiro de Carvalho, e este não mostrava empenho em assumir a chefia militar de uma revolução[4].
O empréstimo solicitado ao governo espanhol deparou com a divergência de opiniões no seio dos membros do governo de Espanha, de que resultou a comunicação ao Comité de Acção, através do embaixador espanhol em Paris, da inviabilidade da operação. Por outro lado, a união das várias correntes políticas de oposição à Ditadura enfrentou resistências, que não permitiram a concretização do plano, no qual Afonso Costa e Domingues dos Santos tanto se tinham empenhado[5].
A morte de Afonso Costa, no princípio de Maio de 1937, deixou o projecto de união dos militantes anti-fascistas praticamente sem prossecução. Bernardino Machado e José Domingues dos Santos prosseguiram a sua actividade de propaganda contra a Ditadura de Portugal e em favor da república espanhola, embora sem grande impacto. Pouco depois, Bernardino Machado transferiu a sua residência do Mónaco para Paris, substituindo Afonso Costa no Comité ali formado.
No fim do Verão de 1937, Bernardino Machado dirigiu-se a Juan Negrin, Presidente da Assembleia da Sociedade das Nações, protestando contra a atitude da Ditadura de se aliar com os governos alemão e italiano no Comité de não intervenção na guerra civil de Espanha e reafirmando o respeito pelo que consideram serem as instituições legais espanholas[6]. Por ocasião do aniversário do 5 de Outubro, voltou a criticar a Ditadura e o seu apoio às forças de Franco em Espanha: “E como, enfeudada a ditadura aos imperalismos estrangeiros – já secunda em Espanha os representantes do velho imperalismo castelhano , «cuja vitória de todo o coração deseja» - nos defenderá dos pontentes tentáculos dos cobiçosos assaltos ao nosso património metropolitano e ultramarino?” [7]. E, no início do ano seguinte, dirigindo-se a todos os defensores da democracia em Portugal, voltou a insistir no apelo ao derrube da Ditadura, em nome do Comité de Paris da Frente Popular Portuguesa[8].

[1] 07218.128; Versão impressa do manifesto – doc. Cedido por Sá Marques (07034.152); outra impressão diferente – 07034.151
[2] carta de AC p/ BM, 21-1-37 – 07219.134
[3] de 25-1-1937, doc. 07219.047
[4] Relatório de Roberto Queirós, 3-4-1937, doc. 07219.068.
[5] Relatório relativo ao empréstimo solicitado ao governo espanhol e de balanço da actividade do Comité de Acção, 4-5-1937, doc. 07219.073
[6] Manifesto “Mensagem à Sociedade das Nações” - doc. 07034.153
[7] Manifesto de Bernardino Machado intitulado "O 5 de Outubro de 1937" – doc. 07034.149
[8] Manifesto de Bernardino Machado intitulado "1 de Janeiro de 1938. Saudação à democracia portuguesa" – doc. 07034.148.






segunda-feira, 23 de julho de 2012





Bernardino Machado em Madrid no segundo exílio (1935/1936)

Durante o seu segundo exílio, Bernardino Machado viveu em Madrid, de Novemvro de 1935 a Setembro de 1936, residindo na Calle Miguel Angel, 21. Aí acompanhou o desenrolar dos primeiros meses da Guerra Civil de Espanha. Logo após a sua chegada a Madrid foi entrevistado pelo jornalista do "Heraldo de Madrid, Leonardo dos Santos Morales.


Para ler os textos clicar por duas vezes sobre as imagens.






sábado, 21 de julho de 2012






Pedro Luis de Galvez - poeta malaguenho (1882-1940), entrevistou Bernardino Machado quando das suas vindas a Portugal. Ao percorrer os jornais espanhois na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional de España, encontrei na "Vida Socialista" o que ai escreveu sobre esses encontros. No texto faz referência a Francisco Manuel Homem Cristo (Homem Cristo Filho), que estava vivendo nessa data em Madrid.


Para ler os textos, clicar por duas vezes sobre as imagens.




Retirado da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional de España  -  clique aqui



sexta-feira, 20 de julho de 2012





Bernardno Machado em 1926


Arquivo Nacional Torre do Tombo -  clicar aqui




quinta-feira, 19 de julho de 2012






Duas fotografias da viagem de Bernardino Machado ao Porto, em Janeiro de 1926


Do Arquivo Nacional Torre do Tombo  -  clique aqui


quarta-feira, 18 de julho de 2012





Visita de Bernardino Machado à frente de batalha  -  1917

















terça-feira, 17 de julho de 2012













Os Fundamentos Filosóficos do Maçonismo Moderno

Do portal do Museu Bernardino  Machado  -  clicar aqui, e do blogue do Dr. Amadeu Gonçalves  -  dopresente  -  clicar aqui



Os Fundamentos Filosóficos do Maçonismo Moderno
17-07-2012
Professor Norberto Cunha, Coordenador Científico do Museu Bernardino Machado

Com a conferência de hoje do Professor Fernando Catroga, que vai falar-nos sobre os fundamentos filosóficos da maçonaria, do maçonismo, fechamos a primeira parte do ciclo de conferências sobre a Maçonaria, que vai ser retomado em Setembro. Só queria dizer algumas palavras sobre o Prof. Fernando Catroga, não muitas. Só queriam que soubessem que o Prof. Fernando Catroga é uma das referências da nossa cultura portuguesa contemporânea pela sua originalidade, escreveu imensas obras, imensos trabalhos, desde Voltaire à secularização, o republicanismo, sobre a historiografia, a teoria da história. São trabalhos que valem a pena ler e revisitar, não só pela frescura intelectual, até pelo prazer de o lermos, porque quando o lemos temos sempre algumas perplexidades, são trabalhos que suscitam problemas, interrogações, e, por isso, tornam-se particularmente interessantes. Penso que isso se deve a uma matriz filosófica da sua escrita; e entre todos os livros que escreveu, trouxe este, que se chama "Entre Deuses e Césares: secularização, laicidade e religião civil". É um livro interessantíssimo, do melhor que se publicou neste país nos últimos anos, e tudo o que o Prof. Fernando Catroga escreve deve-se ao seu pensamento original e ter uma visão muito sui géneris, muito própria deste país e da nossa cultura. Por isso, é um privilégio para este Museu, e para esta autarquia, tê-lo entre nós, nunca se escusando aos nossos convites.


Professor Fernando Catroga

É com muito gosto que mais uma vez aqui estou, nesta casa, é uma colaboração que já tem anos, e queria felicitar o Museu pelas suas múltiplas iniciativas e por ter trazido este tema, mas a mais sabendo que não foi a reboque da repentina atualidade que ele ganhou entre nós, já que já estava planificado. Às vezes são as coisas que vêm ter connosco, embora seja muito difícil convencer os outros de que foi o cruzamento das linhas do acaso.

Com o convite do Prof. Norberto Cunha, percebi a razão do mesmo, devido aos meus trabalhos sobre a Maçonaria, que ultimamente não me tenho dedicado muito. Não sou maçon, julgo que é importante dizer isso. Digo isto, e não tendo nada contra a Maçonaria, para sabermos o lugar de onde falo e para também justificar a perspetiva que aqui vou privilegiar. É uma perspetiva que, talvez a expressão mais correta, seja o conceito externalista, mesmo quando possa convocar afirmações, ou documentos, em que esta dimensão externa se repercute no interior da Maçonaria, particularmente, e, precisando um pouco melhor, no maçonismo, sem entrar numa querela que me parece que faz muitas confusões a presuntismos ou a anti-presuntismos, saber quem é que está primeiro, isto é, se foi a maçonaria que produziu as coisas, ou se havia conjunturas que devem ser mobilizadas para explicar como é que a configuração de uma nova sociabilidade, a partir de um certo momento, vai perfilhar princípios, ideias e valores, que vai organizar-se como uma sociedade ritual, e que vai estar, de facto, num dos grandes momentos que nós podemos chamar de os momentos inaugurais da modernidade ocidental.

Não vou falar da Maçonaria portuguesa, não vou falar dos ritos maçónicos (sou um leigo nesta questão), não vou falar também das origens míticas da Maçonaria; e, por isso, falo da Maçonaria moderna, precisamente com esta ideia: a transmutação, que na linguagem da evolução neste tipo de organizações se costumam designar, e já ouviram falar noutras conferências, da passagem de uma Maçonaria operativa para uma Maçonaria especulativa. Sendo especulativa, é preciso saber o que é que eles entendiam por isso, sobre o que é que especulavam e quais eram os seus fundamentos e quais as finalidades dessa especulação e qual era a novidade quando confrontada com as chamadas dimensões corporativas de organização das profissões, como a dos pedreiros, que trabalhavam a pedra propriamente dita, e que vão agora decidir incorporar mais como metáfora numa nova Maçonaria, no que diz respeito à sua origem social, recrutamento, até aos dias de hoje. Assim, vou falar essencialmente desta Maçonaria especulativa, que vai ter o nome de franco-maçonaria. Ao contrário do que se pensa, não é porque ela vem de França, é, pelo contrário, o termo, a definição da palavra que parece designar uma espécie de assunção metafórica da Maçonaria operativa, no sentido de que dentro das lojas o homem, quando é iniciado, é como a pedra bruta, que precisa de ser trabalhada, de ser lapidada, e agora, neste novo horizonte, pressupondo a ideia de que deve ser uma espécie de ascensão, a caminho do auto-aperfeiçoamento, à luz dos princípios que remetem, quer queiramos quer não, para um fundo filosófico.
Não venho aqui defender que a Maçonaria é uma filosofia, mas há definições, até estatuárias dos grandes orientes, que defendem a Maçonaria, principalmente no século XIX, como uma associação filosófica, filantrópica, uma associação que visa, em última análise, o aperfeiçoamento dos seus membros, com o motor do aperfeiçoamento de uma outra identidade que é típica da conjuntura em que emergiu a Maçonaria especulativa, e que, de facto, está bem longe da dimensão das chamadas maçonarias operativas, cuja identidade chama-se "Humanidade". Chama-se "Humanidade" ou chama-se "Homem", definido numa perspetiva e há luz de uma certa dinâmica que, em última análise, para que possamos fazer depois o lançamento daqueles conceitos, fazer uma espécie de gramática de conceitos, que acabam por ser fundacionais dum percurso que não sendo uma filosofia, incitam a filosofar, e que está centrado em algumas ideias e alguns valores que, afinal, os fundadores acabam por bebê-los nos grandes movimentos de transformação mental que a Europa sofreu, particularmente a partir das guerras religiosas, da guerra dos 30 anos, enfim, todo o séculoXVII e o século XVIII, o impacto de novas filosofias, quer de carácter empirista, quer de carácter racionalista, na sua conjugação, o impacto da revolução científica moderna, particularmente com Newton, e, no fundo, a emergência de novos conceitos sobre o fundamento da política, do conceito de soberania, e a emergência também, de novas atitudes em relação ou as relações entre a sociedade política e o religioso, que vai colocar na ordem do dia, por exemplo, a ideia da tolerância, a tolerância civil. isto para dizer que este trabalho de esculpir a matéria a partir da pedra bruta e que vai carpintar, do ponto de vista metafórico, a Maçonaria especulativa, pressupõe quanto a mim fundamentos exteriores à própria Maçonaria, para que nós depois possamos também perceber, por exemplo, o próprio texto fundacional desta Maçonaria especulativa. Refiro-me às Constituições de Andersen, de 1723, que irei aqui ler duas ou três partes, e que irei comentar talvez de uma forma heterodoxa, que julgo que é uma das matrizes dessa modernidade que vem de Locke e dos seus discípulos, a questão e o exercício do livre-pensamento, conceito que vai, aliás, depois influenciar toda a Maçonaria.

Esta mutação, ou esta emergência de uma Maçonaria especulativa, está muito ligada à cultura britânica. Para alguns terá começado na Escócia, mas é evidente que é, sobretudo, em Inglaterra, e dentro da Inglaterra em Londres, que ela vai, de certo modo, instituir-se com a Loja de referência das chamadas maçonarias regulares, caso da Grande Loja de Londres (1717) e que depois, de facto, vai crescer: em 1725 já tinha 23 lojas e, em 1733, contava já com 126 lojas. E vai ter duas figuras preponderantes, que eram duas figuras religiosas, protestantes, um James Andersen, e que em colaboração com um inglês, filho de perseguidos religiosos franceses, que vão dar feição original, digamos, constitucional, a esta Maçonaria especulativa. Este descendente de filhos franceses que não é muito falado, Désaguliers, amigo de Newton, ele próprio um grande cientista, membro da Sociedade Real, onde se reuniam os grandes sábios, ligado á física experimental, e, simultaneamente, teólogo e um grande apologista da nova ordem, de tal modo que a propagação da Maçonaria em outras regiões da Europa se deve ao seu ativismo. Podemos dizer que foram estes os dois pais fundadores da Maçonaria especulativa, que tem, de facto, como pátria, a Inglaterra. É daí que ela depois se vai irradiar numa longa história, que vai ter as suas heterodoxias, que vai ter as suas divisões, mas que vai passar por Hamburgo (1727), Madrid (1728) - estou a falar das primeiras lojas -, Gibraltar (1729), Paris (1732) e Lisboa. Continua-se a discutir se a primeira loja constituída por britânicos é de 1727, mas pelo menos há alguma notícia dessa loja, segundo o registo da Inquisição, como sendo a Loja dos Hereges Mercadores, e que depois se regularizou, segundo notícia na Grande Loja de Londres, estando ligada muito esta às comunidades estrangeiras, sobretudo ligadas ao comércio, e que vão, enfim, dar origens a lojas como O Grande oriente Lusitano, a qual, com alguma estabilidade, e com o impacto dos oficiais britânicos nas guerras, nos finais do século XVIII e depois nas invasões napoleónicas, que essa Maçonaria se consolida em Portugal e que cada vez mais incorpora portugueses, ou então surgem por iniciativa de portugueses, sendo lojas estritamente nacionais.

O impulso britânico marcou muito esta génese por razões que se prendem essencialmente com o desenvolvimento de um pensamento de carácter científico-experimental muito forte e que vai culminar com a nova visão do universo, chamada a visão mecanicista do universo, que é dada pela nova descoberta de Newton. Newton era um crente que tinha grandes dúvidas, por exemplo, do conceito da Santíssima Trindade, e esta ideia, que foi muito cultivada e que esteve muito subjacente ao pensamento europeu, sobretudo com o impacto das guerras religiosas, a maior de todas a Guerra dos Trinta Anos, mas depois também a guerra civil na Inglaterra entre os Tudors e a Casa de Hannover, as emigrações para a América, os grandes debates sobre a possibilidade uma paz civil e quais são os limites que se devem pôr ao religioso para que o político possa garantir a prossecução do bem-comum, sobretudo, quando se convocava Deus, um Deus que era um Deus teísta, isto é, um Deus antropomórfico, um Deus do Cristianismo, um Deus interventivo, mas que com as várias leituras que começaram a ser feitas, e com os cismos do próprio Cristianismo, aquilo que deveria ser o fundamento da verdade, Deus uno e indivisível, passou a ser motivo de discórdia e a impossibilidade da paz civil nas comunidades politicamente organizadas. E, por isso, o debate sobre a tolerância, a partir de determinado momento, a tolerância que era em alguns teólogos uma tolerância religiosa, afinal, as religiões do livro deveriam tolerar-se umas às outras. Ora, o que acontece de novo, nesta contenda, que vai levar à emergência de uma série de ensaios marcantes, ainda hoje no pensamento ocidental, é a conotação que é dada à tolerância, e que tem a sua melhor expressão num refugiado, naquilo que era a pátria de todos os heterodoxos deste período, fossem católicos, huguenotes, anglicanos, na Holanda. É precisamente na Holanda que, estou a referir-me a Locke, que as suas célebres "Cartas sobre a Tolerância" devem ser lidas e articuladas com os seus ensaios políticos e com a sua teoria do conhecimento, de carácter empirista, interessando-nos aqui o uso do conceito da tolerância, para questão a tolerância civil, e que, de certo modo, vinculando algo que depois Voltaire, no seu ensaio sobre a Tolerância, uns anos depois, vai retomar, e que é, afinal, a necessidade de uma reorganização do político e do espiritual, de maneira a que a sociedade política possa ser garante da paz civil e, para isso, era preciso que o religioso refluísse para a esfera do privado, ou para a esfera do direito associativo para prática da crença, em suma, encontramos em Locke, pela primeira vez, e de uma maneira sistematizada, a defesa da necessidade da separação da Igreja do Estado. Em termos conceptuais, dizemos que isso é uma conjuntura onde se assiste ao fenómeno da secularização: vamos assistir à secularização da natureza, isto é, cada vez mais se reivindica a autonomia do entendimento humano, porque se acredita na autossuficiência da razão, ou que se acredita pela combinatória entre a razão e o mundo dos sentidos, o mundo da experiência, o homem consegue perceber a legalidade, as leis do próprio universo, esta crença de que o homem pode, no fundo, chegar às leis científicas, pode ter um saber totalmente seu sobre a natureza, a expressão é de Francis Bacon no seu "Organon", tendo esta conjuntura, como pano de fundo, uma mudança nas elites intelectuais e muitos deles ligados à prática científica, aquilo que nós na linguagem técnica chamámos de Deísmo. O que é o Deísmo? O conceito de Deísmo é um conceito que tem a ver com o significado de religião natural. A crença de que o homem se basta a si próprio, é porque o homem é um ser naturalmente religioso e polissémico, é o modo como ele manifesta essa sua necessidade, embora se aceitasse que o Cristianismo tinha sido ou seria a forma superior de expressar essa necessidade, isso significa que o Cristianismo não poderia ser o exclusivo do monopólio da verdade. Mais: o seu estatuto, o Cristianismo como religião revelada, mas revelada por Deus a homens que por sua vez escreveram a revelação, o próprio livro deveria ser objeto científico. A natureza é um livro que está escrito em linguagem matemática, diz-nos Galileu; mas esta conjuntura também vai dizer algo, e que começa com Espinosa: os próprios livros religiosos, afinal, são históricos, na medida em que foram feitos pelos homens e, portanto, é necessária a historicidade, a través de um método histórico-filológico; e tudo isto conjugado com outros fatores, ficava bem, sobretudo no pensamento anglo-saxónico, com repercussões imediatas em França, com fundo de Deísmo, não do Teísmo, porque o Deus criador do Teísmo é o Deus-pessoa, o Deus do Deísmo é mais um Deus-geómetra, é o Supremo Arquiteto do Universo, é o Deus que é logos, razão, e se é razão criou o homem à sua imagem e semelhança, e logo o homem também é à sua maneira Deus na terra, e a razão do homem consegue compreender a racionalidade que Deus inevitavelmente tinha que inscrever na ordem das coisas, como é o caso do princípio da razão suficiente de Leibniz, não só das coisas, mas da própria história. Há uma razão na História que a razão do homem pode compreender. E pergunta-se: e Deus não intervém na natureza, no terreno da história? Sim, o Deus da crença popular, o Deus das religiões, o Deus do Teísmo ainda acredita nisso. Só que o Deus do Deísmo é um Deus criador do universo, do homem, mas é um Deus indiferente em relação ao universo e ao homem, como quem diz, é o Deus que escreveu uma ordem das coisas, o homem à sua imagem e semelhança e, portanto, o homem tem em si a capacidade para compreender as coisas, porque elas têm uma lógica, elas têm uma racionalidade, sendo necessária a sua compreensão. E quando se pergunta que Deus é este, sem dúvida que, aparentemente, vê-se o Deus da religião do livro, mas já não é o Deus das igrejas, é o Deus que aceitou a sua transcendência e a sua indiferença ao mundo, é um Deus, de certo modo, da religião natural, que diz os modos diferentes de celebrar o sagrado. Em última análise, exprime-se este princípio unitário que está para além das religiões feitas propriamente ditas e que são da ordem da natureza. Deísmo, mecanicismo e outros conceitos, são chaves para que nós possamos entender o documento fundador da Maçonaria especulativa.

Aliás, as Constituições de Andersen, já o dissemos, foi um produto de conjunto, entre Andersen e Désaguilers, imbuídas de Deísmo e que as maçonarias irregulares que depois irão aparecer irão constituí-las como documentos de referência. O que vou tentar fazer agora é uma análise internalista e vou procurar fazer um exercício hermenêutico daquilo que está dito, o seu significado, mas o seu significado epocal, sem cair em anacronismos. O que é que verdadeiramente queremos dizer quando esta Constituição foi escrita? Diz ela: "Um maçon é obrigado pela sua condição a obedecer à lei moral; e se compreender corretamente a arte, nunca será uma teu estúpido, nem um libertino irreligioso". Mas, embora nos tempos antigos, os maçons fossem obrigados em cada país, a serem da religião desse país, ou nação qualquer que ela fosse, julga-se agora mais adequado obriga-los apenas àquela religião na qual todos os homens concordam, deixando a cada um as suas convicções próprias, isto é, a sempre homens bons e leais, honrados e honestos, quaisquer que sejam as denominações ou crenças que os possam distinguir. Por consequência, a Maçonaria converte-se no centro de união e no meio de conciliar uma amizade verdadeira em pessoas que podiam permanecer sempre distanciadas. O que é que aqui se vê? Uma referência ao horizonte das guerras religiosas, uma referência muito clara a um velho princípio que vem já da Idade Média e que depois teve várias traduções: a sua dimensão teológica, fora da igreja não há salvação e na sua dedução teológica política, a cada reino a sua religião: "Os súbditos têm que ter a religião do Rei", ou ainda algo que ficou consagrado no Tratado de Vestefália, quando houve grandes movimentos de populações de maneira a procurar uma teórica homogeneidade entre as religiões e o político, e que os franceses foram os paladinos desta consignação na fórmula "Une Foi, Un Roi, Une Loi". Bem, para não falarmos dos países do sul da Europa, onde o olho da Inquisição funcionava; e, por isso, esta Maçonaria especulativa, ela quer ser um lugar de pluralismo religioso, mas demarca-se simultaneamente do "ateu estúpido" ou do "libertino irreligioso" (e isto vai colocar a questão, tempos depois, se os ateus ou não devem ser incluídos na Maçonaria). É que a virtude da literatura sobre a tolerância do século XVII e mesmo no século XVIII, tem uma abertura tal de tolerância civil em relação às religiões, sendo uma tolerância que pressupõe um intolerante, ou uma intolerância fundamental (Locke), enquanto que um outro, perseguido e que estava em Amsterdão, Pierre Bell, vai contestar, dizendo, o ateu deve ser tolerante em relação ao ateu, assim como em relação aos católicos, aos papistas, porque obedecem ao Papa, logo não têm autodeterminação, e o ateu deve ser intolerante porque o ateu não acredita na essência de Deus e na imortalidade da alma, não pode dar garantias pelo fundamento da responsabilidade ética para sua própria ação; e porquê? Porque não tem medo do juízo final. Por isso, esta referência ao "ateu estúpido" relaciona-se muito com aquilo que vão ser as premissas desta Maçonaria especulativa, sob o ponto de vista metafísico. Primeiro: a evocação do Supremo Arquiteto do Universo, um Deus que é um Deus de todas as religiões, a exclusão dos ateus, precisamente porque o ateu não se sabia comportar, obedecer à lei moral porque não tinha mediação do juízo final para as suas ações. De qualquer modo, Já nesta conjuntura, Pierre Bell é o primeiro a dizer "sim", já que o ateu pode ser eticamente tão responsável como o crente, porque "conheço ateus que só fazem o bem e conheço crentes que só fazem o mal". Esta ideia de que o caminhar para uma sociedade que, em última análise, o princípio de homogeneidade do religioso com o político, que era uma condição metafísica que vinha da Idade Média, segundo a qual se acreditava que uma sociedade religiosamente pluralista iria prejudicar aqueles crentes na ressurreição final dos corpos, dessa dimensão coletivista; e, por isso, a ideia da homogeneidade do político e do religioso tinha justificação teológica e que ela se vai traduzir de facto nestes princípios e que é uma das bases das guerras religiosas no século XVIII.

Vejamos outro passo das Constituições de Andersen: "Um pedreiro é um súbdito tranquilo do poder civil, onde quer que resida o trabalho, e nunca deve promiscuir-se em planos e conspirações contra a paz e o bem-estar da Nação, nem contrapor-se indevidamente para com os magistrados inferiores. Porque, como a Maçonaria tem sempre sido prejudicada pela guerra, a infusão de sangue e a desordem, assim os antigos reis e princípios dispuseram a encorajar os artífices por causa da sua tranquilidade e lealdade, por meio das quais respondiam na prática às cabilações dos adversários e concorriam para a honra da fraternidade, sempre florescente em tempo de paz."

Esta ideia de que nas lojas não se deve discutir política, mas sim discutir princípios que ajudem a elevação espiritual dos seus membros, isto está, de facto, na letra e no espírito nas Constituições de Andersen. Em suma, a Maçonaria especulativa, uma das faces daquele grande movimento da história das ideias que designamos por Iluminismo, estando em causa uma visão antropocêntrica do mundo, uma visão onde o teocêntrico, mesmo que esteja pressuposto, fica cada vez mais distante como critério invocar das ações práticas, ou mesmo do pensamento. Aliás, quando Kant responde á pergunta o que é o Iluminismo, responde que á a passagem da menoridade para a maioridade do homem, isto é, quando o homem faz um bom uso da sua razão, não obedecendo a algo que seja exterior aos imperativos da sua racionalidade, estando aqui o problema de uma moral autónoma, que se demarca de uma moral heterónoma, estando esta sujeita ao sujeito da autoridade. Por outro lado, a ideia de que a livre discussão pautada por critérios racionais traz a luz, ilumina. Insto inscreve-se na velha tradição do pensamento ocidental da metáfora da luz, que a Maçonaria vai incorporar precisamente agora com estas mediações, mas também vai incorporar uma outra faceta, que é a ritualística, a ideia de que uma sociedade iniciática que acaba por reproduzir não só a metáfora da morte e da ressurreição, mas, no fundo, toda uma velha tradição da cultura ocidental, que talvez a alegoria da caverna de Platão seja o exemplo mais típico da escuridão, havendo a necessidade de fazer uma ascese, uma ascese por degraus, para que cada vez mais, através da luz, o homem se transformando a si próprio, transforma o mundo que o rodeia.

Assim, a Maçonaria, do ponto de vista aos condicionamentos, toca, no conjunto daquelas correntes defensoras de uma visão mais antropocêntrica do mundo, crendo, não numa independência do homem em relação a Deus, porque não se trata ainda nem sequer de um quadro agnóstico, muito menos ateu, mas na ideia de que o homem através da capacidade do entendimento, na linguagem anglo-saxónica, através da razão, desde que não esteja coacto, isto é, que deixe que o pensamento seja livre, ele consegue verdades demonstradas pela ciência, consegue verdades deduzidas, através da racionalidade, e, portanto, consegue criar conhecimentos e são conhecimentos que podem ser postos ao serviço do aperfeiçoamento do próprio homem. Há quase uma dimensão mística na Maçonaria e ela vai nascer sob o impacto das ciências experimentais e, de qualquer modo, os seus fundadores vão produzir mecanismos mais ligados à reinvenção do passado que parece que vão entrar em contradição com a componente iluminista, projetando a ideia de pensadores-livres, estando patente aquilo a que nós podemos chamar de cultura liberal. A questão dos valores, como a do livre-exame e outros valores que vão estar consignados na cultura iluminista, e, também em alguns maçons de matriz anglo-saxónica, nos Estados Unidos, com a emergência das declarações, nomeadamente na Virgínia, dos direitos do homem, onde nós vamos encontrar consignados esta visão antropomórfica, baseada numa ideia de que há uma natureza humana que só por si é o paradigma mais unificante de que o próprio Deus das religiões propriamente ditas, porque este Deus tinha dado origem a guerras, e acreditava-se que como a natureza humana, a partir da inferência daquilo que lhe é natural, que lhe é essencial, como fonte inspiradora dos direitos positivos, das normas de uma moral autónoma, talvez a paz entre os homens fosse mais possível de garantir do que, afinal pela garantia que era da pelo peso dominante do religioso em relação ao político. E é por isso que a Maçonaria vai ser sensível a algo que surge nesta época, muito ligado ao princípio da tolerância, numa visão otimista sobre o homem, na capacidade do próprio homem ir-se aperfeiçoando, na metáfora do trabalho do pedreiro, e a ideia de que há uma natureza humana, havendo um desfasamento entre aquilo que é da ordem da natureza humana, com os seus aprioris definitivos, sendo colocada como fonte de inspiração das próprias constituições, mas ela própria como ação do homem, porque afinal o homem pode fazer-se a si mesmo, no sentido de que quanto mais ele se realizar historicamente daquilo que é da sua natureza, quanto mais ele conseguir racionalizar a ordem social, a ordem política, etc., mais humano se pode concretizar. Este otimismo antropológico vai ser expresso, por exemplo, numa espécie de utopia, uma utopia humanitarista, que se traduz, por exemplo, no projeto da paz perpétua, na possibilidade de um dia o homem conseguir controlar propriamente o seu destino, a guerra, mesmo existindo o conflito, ela era arbitrária (Abade Saint-Pierre), sobretudo Kant, fazem disto, afinal, a inscrição de uma visão otimista do homem, que tem como raiz o seu antropocentrismo, expressando um dos valores muito fortes da Maçonaria, que é a sua dimensão ao serviço da humanidade, e é preciso aqui dizer que a humanidade, esta expressão a "Humanidade" na cultura ocidental só passou a ser substantivo abstrato praticamente no século XVIII. É claro que se pode dizer que os históricos já falavam de uma espécie da identidade da natureza humana, ou que o Cristianismo, ao contrário do Judaísmo, já quis ser uma religião universal, só que o que agora se diz é que o homem é um ser auto-suficiente, filho de um Deus que já não intervém, órfão, não o traz pela mão. O homem é que é o responsável pelo seu próprio destino e, portanto, a aventura humana que tem o concreto, o particular, ao contrário do que se pensa, o Iluminismo não defendeu a homogeneidade, vai defender uma humanidade como uma espécie de identidade autossuficiente que tem como situações em espaços e tempos concretos, mas que se vai realizando em devir, a ideia de progresso, e da perfectibilidade humana. A plena realização só se pode dar em que a parte seja inserida num todo; e, por isso, o século XVIII, o maçonismo vai ser muito claro, vai ter uma palavra-chave, o cosmopolitismo, diferente dos nossos dias. Termo que começa a aparecer para no fundo dizer que os pressupostos do otimismo do homem se realizem no particular, a uma escala universal, que deve caminhar para a construção de um plano da cosmópolis e daí o sonho de uma república universal. Ora, as maçonarias não vão querer ter nacionalistas, defende a sua dimensão cosmopolita. Por outro lado, pergunta-se, como é que estes valores se irão concretizar, e que, em última análise, poderiam funcionar como uma espécie de guia, de uma agenda de especulação filosófica, inerente a uma sociedade de pensadores; mas a Maçonaria não quis ser, nem quer ser, uma sociedade de pensadores. Pelo contrário, foi uma associação que nasceu para transformar os seus membros de modo a que estes pudessem transformar o seu próprio meio, em termos que fossem alternativos àquilo que para eles era um fracasso da apologética das religiões e, em particular, o Cristianismo. E, por isso, nós hoje lemos praticamente nas Constituições do Oriente também a definição de que a Maçonaria é uma associação filantrópica e quando se diz isto, é porque ela é filantrópica (nos primórdios o que existia era a caridade, não havia sociedade de socorros-mútuo), e é indiscutível que a comunidade maçónica nasce para uma auto-protecção dos seus membros, e, portanto, muitas vezes confunde-se esse conceito exterior à própria Maçonaria, aparecendo com ênfase, aplicando-se também em ralação ao mundo exterior. Porquê? Porque a filantropia significa a amizade desinteressada pela espécie humana em toda a sua extensão. É precisamente no século XVIII que a palavra filantropia aparece e é divulgada. Um outro termo que tem ênfase nesta conjuntura, é o termo beneficência, precisamente porque é um termo que se contrapõe ao termo caridade, prova de que estávamos suficientemente numa sociedade secularizada em relação aos próprios valores, porque beneficência é fazer o bem, e a palavra foi inventada pelo primeiro grande teórico da paz perpétua, Abade de Saint-Pierre. Mal de nós sabíamos o futuro deste conceito, que depois vai ser aplicado a sociedades que surgem para esses propósitos. No fundo, é esta a gramática dos conceitos fundamentais, que influenciariam a Maçonaria, e incorporados no próprio texto da Maçonaria, mas que esta Maçonaria especulativa, na sua fase inaugural, vai dar a sua elaboração própria e, mais, vai enquadrá-la numa dimensão ritualística onde há um outro tipo de cultura que parece que está em contradição com esta, tendo sido Désaguliers que incorporou essa faceta, com a Cabala. Não há, aliás, um Iluminismo puro, existe sempre uma dimensão sombra e de mistério, e para muitos historiadores, este tipo de Maçonaria, ainda antes de ser politizada no Século XIX e no século XX, os seus sucessos devesse ao facto de ter incorporado nos seus debates nas suas sessões, nos seus pressupostos de carácter, chamemos assim, mais iluministas, esta dimensão ritualística-simbólica. Aqui está o seu segredo, porque há o cultivo de algo oculto, e sendo misterioso acaba por ser atrativo. E daí esta pergunta muito polémica: em última análise, não será a Maçonaria uma religião? Aqui sigo um autor meu preferido, George Gustorf, que responde que sim. Mas que religião é essa? No fundo, pressupõe um Deus que é indiferente, frio, um Deus geómetra, é arquiteto, que planifica. Assim Deus terá feito o mundo. Mas a Maçonaria diz-nos que a razão não é auto-suficiente, só o é numa certa perspetiva, e ela precisa do símbolo, do rito, ela precisa da sensibilidade, da liturgia. E terá sido esta mistura, que no fundo é uma religião que não é uma religião, é uma religião que possibilita a coexistência e a coabitação de todas as religiões, excluíam os ateus, incluindo os católicos. A Maçonaria, aparecendo como uma sociedade de espiritualização dos seus membros, recoberta pelo seu secretismo, quando muito uma sociedade discreta, e, com esta dimensão, contra algumas das suas premissas possivelmente intelectualistas, a Maçonaria tinha o que as religiões não tinham, a crença da existência de uma divindade, como através dos seus graus e dos seus ritos, possibilitava uma carreira aberta, uma espécie de sacerdócio democrático em termos de loja, que de certo modo funcionava como embrião das sociedades em via de democratização, porque a discussão era livre, fomentava-se a argumentação, a retórica e, por outro lado, também, através dos empenhamentos do estudo, dos rituais, todos podiam ascender a todos os lugares, inclusive a lugares supremos. É neste sentido que há algo de religioso, uma religião secularizada, um sagrado não clerical, diz-nos Gusdorf, um sacerdócio secularizado.

Em suma, independentemente das histórias da Maçonaria, a história da Maçonaria também é a história das suas dissidências, das suas heterodoxias, das suas ligações ao mundo profano, os seus compromissos, do seu não comprimento dos seus próprios princípios, mas também dos seus próprios cumprimentos. Acasalando as matrizes fundamentais da modernidade, à volta dos conceitos fundamentais, deísmo, visão mecanicista do mundo, a edificação da humanidade, cosmopolitismo, filantropia, o antropocentrismo, beneficência, julgo que são valores chaves para explicar o maçonismo.


Galeria de Fotos

Museu Bernardino Machado   Museu Bernardino Machado

Museu Bernardino Machado   Museu Bernardino Machado






segunda-feira, 16 de julho de 2012




Um abraço apertado de gratidão para o Dr. Emílio Ricon Peres!

PALAVRAS CLARAS  -  Razões da intervenção militar de Portugal na guerra europeia


O dr. Emílio Ricon Peres, numa obra meritória, tem vindo a disponibilizar-nos a sua magnífica biblioteca, em especial a bibliografia sobre a primeira grande guerra, através do seu blogue - Memória da República - clique aqui.
Reproduzimos o Relatório impresso no "Diário de Governo", nº. 9 - 1ª série, de 17 de Janeiro de 1917  -  clique aqui.




sábado, 14 de julho de 2012








Do blogue "Almanaque Republicano" -  clique aqui  -  retirámos, com a devida vénia, dois documentos, referentes ao Centro Republicano Dr. Bernardino Machado do Porto:





sexta-feira, 13 de julho de 2012










Do blogue do Dr. Amadeu Gonçalves  -  dopresente  -  clicar aqui  -  retirámos a notícia do último acontecimento do Serviço Educativo do Museu Bernardino Machado  - Atelier de Olaria e Cerâmica para miúdos e graúdos:

"Decorreu no Museu Bernardino Machado, em parceria com a Fundação Castro Alves, no dia 12 de Julho do corrente ano, de manhã, o atelier denominado “Olaria e Cerâmica para Miúdos e Graúdos”. Inserido nas actividades pedagógicas do Museu Bernardino Machado para o ano lectivo de 2011-2012, o atelier consistiu na pintura e na manufactura do popular “jogo do galo” com peças alusivas a Bernardino Machado, nomeadamente, o bigode, a bengala, a cartola, um livro e a sua caricatura. O atelier teve a orientação de uma monitora da Fundação Castro Alves."











quinta-feira, 12 de julho de 2012







O "DIÁRIO" de João Chagas

Duas cartas de Bernardino Machado e outros documentos.


João Chagas conversando com Bernardino Machado e Jean Jaurés  -  Julho de 1911



Quando em 1929 foram editados os quatro volumes do Diário de João Chagas, Bernardino Machado, exilado em Paris, escreveu uma carta para o director do jornal "Povo", Mário Salgueiro, que foi suprimida pela Censura.

"Paris, 27-6-929


Meu Caro Correligionário e Amigo

Permita-me duas palavras sobre o Diário de João Chagas.
O brilhante panfletário era um grande emocional. O ardor que tomou pela nossa intervenção no conflito mundial produziu-lhe a ilusão de que só ele era capaz de a dirigir cabalmente. E, para seu maior sobressalto, imaginou irredutíveis colisões entre os Homens públicos que tiveram então as gravíssimas responsabilidades do governo, atribuindo-lhes absurdamente as mais desabridas referências mútuas. Dai as injustas arguições que contra eles lançou nas suas notas íntimas. A sua própria linguagem, de tão galharda combatividade, se ressentiu.
Nada mais deplorável. Só, porém, aos republicanos cabe o direito de julgar severamente essas irrequietas prevenções. Não foram, sem comparação, mais condenáveis os desvarios anti-intervencionistas dos nossos adversários, ainda hoje impenitentes? Eles alvejaram em publico a própria Pátria.
E Chagas, deve-o supor, reconsiderou. Que o digam todos que o ouviram falar, com efusão patriótica, dos dias inolvidáveis em que, tendo-o ao lado dos ministros da União Sagrada, Dr. Afonso Costa e Dr. Augusto Soares, visitei os exércitos aliados, acompanhado pelo Chefe de Estado de França, o Sr. Poincaré. O seu Diário é omisso de Maio a Dezembro de 1917. Mas creio bem que ele já o não publicaria, sem uma rigorosa revisão reparadora das arrebatadas incorrecções do seu texto.
Aceite, meu Caro Correligionário e Amigo, os protestos da minha antiga estima muito dedicada e grata.

                                                                Bernardino Machado"



Rascunho da carta (Espólio de Bernardino Machado):























Quando Bernardino Machado teve conhecimento do livro de Bourbon e Meneses "O Diario de João Chagas - A Obra e o Homem", editado em 1930, enviou ao autor a seguinte carta:


"Bayonne, 29-12-30



Meu querido Amigo

Admirável, a todos os respeitos, o seu último livro “O Diário de João Chagas”, onde os seus talentos de escritor dão o maior brilho ao seu trabalho crítico. Há nele páginas, como as 74 a 77, da mais empolgante dramatização dialéctica. O retrato do Homem é uma perfeição.
Gostaria de estar aí para lhe falar da nossa intervenção na guerra. Creio ter praticado, com a decisão que ponho sempre no cumprimento dos meus deveres, todos os actos então necessários, primeiro, como Presidente do Ministério, em 1914 – a declaração de 7 de Agosto e a proposta de lei de 9 de Novembro, alem da amnistia aos monárquicos e, depois, como Presidente da República, em 1916 e 1917 – a declaração do estado de guerra e a política de amizade com a Espanha, alem da União Sagrada. Lembra-se bem decerto como foi jugulada de pronto a insurreição de Mafra de modo a não se imaginar lá fora que havia em Portugal forças anti-intervencionistas importantes. E externamente não nos faltaram resistências que fomos vencendo persistentemente. Sobre as relações luso espanholas basta dizer-lhe que o governo inglês receou sempre que elas pudessem complicar-se embaraçosamente também para ele. E convêm lembrar-nos de que mesmo na Inglaterra não eram idênticas as atitudes no Ministério da dos Negócios Estrangeiros e no Ministério da Guerra. Com este, que aliás desejou sempre a nossa confraternização militar, foi preciso pleitear a autonomia do nosso corpo expedicionário em França.
O incidente dos canhões não se passou como o Chagas o referiu numa das suas cartas e como naturalmente o repetiria no livro que, sob sua inspiração, compôs o Paulo Osório. O general Eça era um grande disciplinador, mas também um grande disciplinado e nunca fez nada como ministro senão de acordo comigo. A formula da ida dos canhões, quando fossem os soldados, foi a que, depois de o consultar e ouvir-lhe que nos era indispensável esse armamento, empreguei, tendo-o ao meu lado, na conferencia com o delegado do ministro da guerra belga no Hotel de Itália do Estoril, onde eu nessa ocasião estava.
As dificuldades que tive com o Freire d’Andrade não provieram tanto do seu anglofilismo, de antigo governador de Moçambique, como da sua convicção da vitória alemã. Ele chegou a pedir a demissão num conselho em casa do Eça, que se achava adoentado, mas não lha aceitei. Acerca das nossas divergências, que afinal se resolviam pela sua concordância com a orientação do governo, ele deixou no Ministério dos Estrangeiros um curioso documento, rascunho duma carta ao Teixeira Gomes, que, logo que eu soube de tal, lhe recomendei que fosse buscar. Era um relato dessas divergências. O Gonçalves Teixeira há de lembrar-se disso.
Mil agradecimentos pela elevação com que rebate as acusações do Chagas, a quem prestei sempre todos os serviços que lhe devia, mas de quem não imaginei nunca possível fazer-se um homem de governo. Eis o motivo principal das suas queixas. Esforcei-me por desfazer os equívocos que havia a seu respeito no partido republicano, quando ele só subia ao Directório em S. Carlos, se eu lá estivesse, e ainda ficava na sala de espera até ir chamá-lo. Não houve provas de boa vontade e até de dedicação que eu não procurasse dar-lhe, põe ele e pela nossa causa. E várias vezes recebi dele demonstrações de estima. Mas cometi estes três grandes pecados: não achar que o seu lugar fosse nem no Directório do partido, nem no primeiro governo constitucional, nem à frente da União Sagrada. E o brilhante panfletário não me podia perdoar. Vi-me mesmo obrigado a dizer-lhe intimamente, com a liberdade com que o tratava, no tom severo de que um ultimo caso da sua vida doméstica, em que eu tinha intervindo, me dava o direito de usar: o Chagas tem o seu posto primacial na República como jornalista, mas não queira dirigir os negócios públicos, porque, com a sua dominadora emotividade, faz às ideias o mesmo que faz às mulheres. Pela ultima esquece todas as outras. É curioso que, quando em 1914 veio a Lisboa, procurou todos menos o chefe do governo; e sobrou-lhe tempo para lançar o “Século” na oposição.
Parece contudo que afinal, depois que fui aos “fronts” da guerra, ele mudara para comigo. Sei mesmo, que, em conversações em Lisboa, anunciou que ia escrever a minha viagem. Não o fez? E como havia de intercalar essas suas impressões nas suas memórias?
Aceite para si, para sua Exma. Esposa e para o seu saudoso Filho os nossos melhores votos de felicidade no novo ano. E peço-lhe que os transmita também a suas Exmas. Mãe e Irmãs. Relendo as suas ultimas palavras da pagina 103, abraça-o cordialmente como
Todo seu
Bernardino Machado"


Rascunho da carta (Espõlio Bernardino Machado)























Páginas do livro de Bourbon e Meneses a que Bernardino Machado se refere na carta:





Do Diário de Lisboa do dia 3 e 4 de Setembro de 1930 retirámos:










Do livro de Carlos Ferrão - "A Obra da República", do capítulo "Centenário do nascimento de João Chagas", copiámos as páginas 190 a 194: