quinta-feira, 12 de julho de 2012







O "DIÁRIO" de João Chagas

Duas cartas de Bernardino Machado e outros documentos.


João Chagas conversando com Bernardino Machado e Jean Jaurés  -  Julho de 1911



Quando em 1929 foram editados os quatro volumes do Diário de João Chagas, Bernardino Machado, exilado em Paris, escreveu uma carta para o director do jornal "Povo", Mário Salgueiro, que foi suprimida pela Censura.

"Paris, 27-6-929


Meu Caro Correligionário e Amigo

Permita-me duas palavras sobre o Diário de João Chagas.
O brilhante panfletário era um grande emocional. O ardor que tomou pela nossa intervenção no conflito mundial produziu-lhe a ilusão de que só ele era capaz de a dirigir cabalmente. E, para seu maior sobressalto, imaginou irredutíveis colisões entre os Homens públicos que tiveram então as gravíssimas responsabilidades do governo, atribuindo-lhes absurdamente as mais desabridas referências mútuas. Dai as injustas arguições que contra eles lançou nas suas notas íntimas. A sua própria linguagem, de tão galharda combatividade, se ressentiu.
Nada mais deplorável. Só, porém, aos republicanos cabe o direito de julgar severamente essas irrequietas prevenções. Não foram, sem comparação, mais condenáveis os desvarios anti-intervencionistas dos nossos adversários, ainda hoje impenitentes? Eles alvejaram em publico a própria Pátria.
E Chagas, deve-o supor, reconsiderou. Que o digam todos que o ouviram falar, com efusão patriótica, dos dias inolvidáveis em que, tendo-o ao lado dos ministros da União Sagrada, Dr. Afonso Costa e Dr. Augusto Soares, visitei os exércitos aliados, acompanhado pelo Chefe de Estado de França, o Sr. Poincaré. O seu Diário é omisso de Maio a Dezembro de 1917. Mas creio bem que ele já o não publicaria, sem uma rigorosa revisão reparadora das arrebatadas incorrecções do seu texto.
Aceite, meu Caro Correligionário e Amigo, os protestos da minha antiga estima muito dedicada e grata.

                                                                Bernardino Machado"



Rascunho da carta (Espólio de Bernardino Machado):























Quando Bernardino Machado teve conhecimento do livro de Bourbon e Meneses "O Diario de João Chagas - A Obra e o Homem", editado em 1930, enviou ao autor a seguinte carta:


"Bayonne, 29-12-30



Meu querido Amigo

Admirável, a todos os respeitos, o seu último livro “O Diário de João Chagas”, onde os seus talentos de escritor dão o maior brilho ao seu trabalho crítico. Há nele páginas, como as 74 a 77, da mais empolgante dramatização dialéctica. O retrato do Homem é uma perfeição.
Gostaria de estar aí para lhe falar da nossa intervenção na guerra. Creio ter praticado, com a decisão que ponho sempre no cumprimento dos meus deveres, todos os actos então necessários, primeiro, como Presidente do Ministério, em 1914 – a declaração de 7 de Agosto e a proposta de lei de 9 de Novembro, alem da amnistia aos monárquicos e, depois, como Presidente da República, em 1916 e 1917 – a declaração do estado de guerra e a política de amizade com a Espanha, alem da União Sagrada. Lembra-se bem decerto como foi jugulada de pronto a insurreição de Mafra de modo a não se imaginar lá fora que havia em Portugal forças anti-intervencionistas importantes. E externamente não nos faltaram resistências que fomos vencendo persistentemente. Sobre as relações luso espanholas basta dizer-lhe que o governo inglês receou sempre que elas pudessem complicar-se embaraçosamente também para ele. E convêm lembrar-nos de que mesmo na Inglaterra não eram idênticas as atitudes no Ministério da dos Negócios Estrangeiros e no Ministério da Guerra. Com este, que aliás desejou sempre a nossa confraternização militar, foi preciso pleitear a autonomia do nosso corpo expedicionário em França.
O incidente dos canhões não se passou como o Chagas o referiu numa das suas cartas e como naturalmente o repetiria no livro que, sob sua inspiração, compôs o Paulo Osório. O general Eça era um grande disciplinador, mas também um grande disciplinado e nunca fez nada como ministro senão de acordo comigo. A formula da ida dos canhões, quando fossem os soldados, foi a que, depois de o consultar e ouvir-lhe que nos era indispensável esse armamento, empreguei, tendo-o ao meu lado, na conferencia com o delegado do ministro da guerra belga no Hotel de Itália do Estoril, onde eu nessa ocasião estava.
As dificuldades que tive com o Freire d’Andrade não provieram tanto do seu anglofilismo, de antigo governador de Moçambique, como da sua convicção da vitória alemã. Ele chegou a pedir a demissão num conselho em casa do Eça, que se achava adoentado, mas não lha aceitei. Acerca das nossas divergências, que afinal se resolviam pela sua concordância com a orientação do governo, ele deixou no Ministério dos Estrangeiros um curioso documento, rascunho duma carta ao Teixeira Gomes, que, logo que eu soube de tal, lhe recomendei que fosse buscar. Era um relato dessas divergências. O Gonçalves Teixeira há de lembrar-se disso.
Mil agradecimentos pela elevação com que rebate as acusações do Chagas, a quem prestei sempre todos os serviços que lhe devia, mas de quem não imaginei nunca possível fazer-se um homem de governo. Eis o motivo principal das suas queixas. Esforcei-me por desfazer os equívocos que havia a seu respeito no partido republicano, quando ele só subia ao Directório em S. Carlos, se eu lá estivesse, e ainda ficava na sala de espera até ir chamá-lo. Não houve provas de boa vontade e até de dedicação que eu não procurasse dar-lhe, põe ele e pela nossa causa. E várias vezes recebi dele demonstrações de estima. Mas cometi estes três grandes pecados: não achar que o seu lugar fosse nem no Directório do partido, nem no primeiro governo constitucional, nem à frente da União Sagrada. E o brilhante panfletário não me podia perdoar. Vi-me mesmo obrigado a dizer-lhe intimamente, com a liberdade com que o tratava, no tom severo de que um ultimo caso da sua vida doméstica, em que eu tinha intervindo, me dava o direito de usar: o Chagas tem o seu posto primacial na República como jornalista, mas não queira dirigir os negócios públicos, porque, com a sua dominadora emotividade, faz às ideias o mesmo que faz às mulheres. Pela ultima esquece todas as outras. É curioso que, quando em 1914 veio a Lisboa, procurou todos menos o chefe do governo; e sobrou-lhe tempo para lançar o “Século” na oposição.
Parece contudo que afinal, depois que fui aos “fronts” da guerra, ele mudara para comigo. Sei mesmo, que, em conversações em Lisboa, anunciou que ia escrever a minha viagem. Não o fez? E como havia de intercalar essas suas impressões nas suas memórias?
Aceite para si, para sua Exma. Esposa e para o seu saudoso Filho os nossos melhores votos de felicidade no novo ano. E peço-lhe que os transmita também a suas Exmas. Mãe e Irmãs. Relendo as suas ultimas palavras da pagina 103, abraça-o cordialmente como
Todo seu
Bernardino Machado"


Rascunho da carta (Espõlio Bernardino Machado)























Páginas do livro de Bourbon e Meneses a que Bernardino Machado se refere na carta:





Do Diário de Lisboa do dia 3 e 4 de Setembro de 1930 retirámos:










Do livro de Carlos Ferrão - "A Obra da República", do capítulo "Centenário do nascimento de João Chagas", copiámos as páginas 190 a 194:









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