Jorge de Abreu - Um notável jornalista
É complicado, na minha idade, arrumar as estantes. É obra vagarosa, não só por falta das forças que tal actividade requer, mas porque fico a ler e a recordar. Que o diga a Vitória Maria que tem a casa num alvoroço!
Ao ordenar os livros sobre a implantação da República encontrei a encadernação com os dois textos de Jorge de Abreu - "A Revolução Portuguesa - O 31 de Janeiro e O 5 de Outubro".
As páginas em que Jorge de Abreu se refere a actividade de Aquilino Ribeiro na "fabricação" de bombas
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira |
Francisco Jorge de Abreu nasceu no Funchal, a 23 de abril de 1878, e morreu no Porto, a 7 de junho de 1932. Frequentou o curso da Escola Médica do Funchal até ao 3.º ano, tendo-o depois abandonado. Desde muito cedo, dedicou-se ao jornalismo. Colaborou no antigo jornal funchalense o Diário Popular. Destacou-se em Lisboa, exercendo a sua atividade em vários jornais da capital: Tarde, Novidades, o Século, A Capital e o Primeiro de Janeiro. O seu mérito no múnus jornalístico foi desde cedo reconhecido pelos colegas de métier, chegando a chefe de redação em várias publicações, como O Século, A Vitória e o Primeiro de Janeiro.
As suas crónicas sobre a Primeira Grande Guerra ajudaram a criar-lhe uma auréola mesmo no campo literário, pois não se limitava a tratar conteúdos militares, abordando também aspetos do quotidiano da vida das populações como consequência do conflito que arrasou toda a Europa e no qual Portugal se viu envolvido por decisão própria e tendo em conta os interesses nacionais nas colónias africanas, com destaque para Angola e Moçambique. Era, de facto, sobre estes territórios que impendia o apetite das grandes potências europeias, nomeadamente da Alemanha, com a qual Portugal esteve diretamente em guerra nessas colónias, com deslocação de expedições de militares metropolitanos para o teatro africano de guerra, o que, naturalmente, tornava ainda mais interessantes as crónicas de Francisco Abreu, pois era a vida dos filhos das famílias portuguesas que estava em causa. Para além disso, a sua escrita era sustentada por um vasto conhecimento no campo literário, uma vez que traduziu vários romances, publicados em forma de folhetim, e se dedicou ainda à tradução de várias peças de teatro estrangeiras, como o Grande Mágico, Fernando Vai Casar, O Pai do Regimento, O Alfaiate de Senhoras, Clotilde Está de Esperanças, O Afilhado da Madrinha ou Ouro sobre Azul. Entre a sua obra conhecida, contam-se os títulos A Revolução Portugueza: O 31 de Janeiro (Porto 1891), A Revolução Portugueza: O 5 de Outubro (Lisboa 1910), ambos de 1912, e Boémia Jornalística (Memórias d’Um Profissional com 30 Anos na Fileira), de 1927.
Não obstante a fidelidade factual do jornalismo que praticava, as suas convicções democráticas e republicanas são evidentes nas reportagens que fez a propósito das incursões monárquicas a partir de Espanha, nos tempos agitados da Primeira República, ou seja, o seu jornalismo não pode ser acusado de se afastar dos acontecimentos, mas reveste-se daquela característica de jornalismo de compromisso, ou engajé, para usar o galicismo com que então o designavam os críticos. Era um jornalismo, ainda assim, honesto, uma vez que não se ocultava por detrás de uma falsa neutralidade, antes assumindo, frontalmente, as causas políticas com que se identificava. Francisco Jorge de Abreu corria assim todo o tipo de riscos que essa atitude implica, incluindo os da integridade física, pois as suas crónicas e reportagens implicavam, não poucas vezes, deslocações a Espanha, junto às bases de onde partiam os ataques monárquicos, sistematicamente liderados por Paiva Couceiro, como ilustra a seguinte citação: “[…] meses mais tarde, Paiva Couceiro [monárquico], juntamente com o seu bando, entraram em Portugal […]. A certa altura, alguns jornalistas deslocaram-se até Espanha, incluindo Abreu. […] estavam animadamente a conversar num bar quando um homem lhes disse: ‘Os senhores têm vinte e quatro horas para abandonar o território de Hespanha […]’” (ABREU, 1927, 55).
Em muitos dos seus trabalhos, Francisco Jorge de Abreu assumiu o pseudónimo de Mateus Sincero, o que não pode deixar de ser visto como uma atitude perante a vida.
Obras de Francisco Jorge de Abreu: A Revolução Portugueza: O 31 de Janeiro (Porto 1891) (1912); A Revolução Portugueza: O 5 de Outubro (Lisboa 1910) (1912); Boémia Jornalística (Memórias d’Um Profissional com 30 Anos na Fileira) (1927).
Bibliog.: impressa: ABREU, Jorge, Boémia Jornalística (Memórias d’Um Profissional com 30 Anos na Fileira), Lisboa, Livraria Editora Guimarães & C.ª, 1927; LEMOS, Mário Matos, Jornais Diários Portugueses do Século XX: Um Dicionário, Coimbra, Editora Ariadne/CEIS20, 2006; LISBOA, Eugénio (coord.), Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, vol. III, Mem Martins, Publicações Europa-América, 1994; “A Morte de Jorge de Abreu”, Jornal de Notícias, Porto, 9 jun. 1932, p. 1, cols. 7 e 8 e p. 3, cols. 1 e 2; “Faleceu o Brilhante Jornalista Sr. Jorge de Abreu”, O Jornal do Comércio e das Colónias, Lisboa, 9 jun. 1932, p. 1, cols. 7 e 8; E. N., “Carta de Lisboa – Jorge de Abreu”, Jornal de Notícias, Porto, 11 jun. 1932, p. 1, col. 6; digital: LOPES, Ana Isabel Nogueira, “Abreu, Jorge (1927). Boémia Jornalística (Memórias d’Um Profissional com 30 Anos de Fileira): Ficha Bibliográfica”,Universidade Fernando Pessoa: http://teoriadojornalismo.ufp.edu.pt/inventarios/abreu-jorge-1927 (acedido a 18 set. 2015); PROJECTO MOSCA,“Abreu, Jorge (1878-1932)”, Arquivo Histórico-Social/Projecto Mosca, Universidade de Évora: http://mosca-servidor.xdi.uevora.pt/arquivo/?p=creators/creator&id=1128 (acedido a 1 set. 2015).
Miguel Fonseca
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