quinta-feira, 26 de maio de 2016








O lançamento do livro de Jaime Teixeira Mendes   .  "Correspondência de Abílio Mendes com Abel Salazar"











No passado dia 23 tive a grande satisfação de estar na sede da Ordem dos Médicos, para colaborar no lançamento do livro - "Correspondência de Abílio Mendes com Abel Salazar"



"As minhas cordiais saudações e o desejo de uma boa tarde!

Começo por cumprimentar o Dr. Baptista Lopes da Editora Âncora.

Que bom ter a presença do Professor Doutor António Ventura e poder render a minha homenagem pública de gratidão a quem o estudo da História tanto deve.

Para o Dr. Jaime Teixeira Mendes um apertado e afectuoso abraço. O seu convite para aqui estar veio ao encontro dos meus encantos sobre um tema que me tem seduzido – o estudo da epistolografia em Portugal.

Desencadeou uma série de memórias da minha vida estudantil e profissional.

Mas a leitura de “Correspondência de Abílio Mendes com Abel Salazar” obriga-nos a pensar no futuro da nossa profissão de médico!

 

Quando há tempos o querido e saudoso amigo Vieira de Sá me obrigou a apresentar o seu livro “Cartas na mesa”, com a correspondência trocada com o Professor Bento de Jesus Caraça, senti a importância da divulgação de muitas cartas esquecidas nos espólios das bibliotecas. Andava também a digitalizar para o meu blogue – “Bernardino Machado” – a correspondência de meu Avô, que a Família Machado Sá Marques tinha depositado na Fundação Mário Soares. Fui então reler o livro de Andrée Cabrée Rocha – “A Epistolografia em Portugal”, onde podemos ler os seguintes períodos: - “A carta é um meio de comunicar por escrito com o semelhante. Compartilhada por todos os homens, quer sejam ou não escritores, corresponde a uma necessidade profunda do ser humano. Communicare não implica apenas uma intenção noticiosa: significa ainda “por em comum”, “comungar”. Lição de fraternidade em que as palavras substituem actos ou gestos, vale no plano afectivo como no plano espiritual, e participa, embrionariamente ou pungentemente, do mecanismo íntimo da literatura – dádiva generosa e apelo desesperado, ao mesmo tempo.”

Durante a leitura da “Correspondência de Abílio Mendes com Abel Salazar” relembrei as rebeliões estudantis de Lisboa e Porto em 1931, iniciadas na capital com a prisão do estudante da Faculdade de Ciências, Francisco Joaquim Mendes, presidente da Federação Académica. A greve às aulas nas Faculdades de Medicina e Letras, realizou-se em 25 de Abril, com uma manifestação de protesto contra aquela detenção que terminou com o assalto ao Ministério de Instrução Pública. Os estudantes conseguiram a libertação do seu dirigente associativo e este, acompanhado dos colegas, entre os quais se contavam Teófilo Carvalho dos Santos, Artur Santos Silva e José Magalhães Godinho, dirigiram-se ao Ministro.

Após saberem da agitação estudantil em Lisboa, sucederam-se, no Porto, manifestações no Instituto Industrial e no Instituto Superior do Comércio, e em 28 de Abril realizou-se na Faculdade de Medicina uma assembleia geral de alunos. Tal como em Lisboa a PSP invadiu essa Faculdade, prendendo Luís Camossa, Gomes de Almeida e António Barros Machado. A carga policial da PSP provocou três feridos graves, um dos quais, o estudante do Instituto Industrial, João Martins Branco, acabaria por falecer. O funeral realizado em 30 de Abril, no Porto, transformou-se numa grande manifestação contra a ditadura, na qual foram feridas a tiro pela polícia 17 pessoas.

Mostro-vos dois manifestos dos estudantes do Porto que encontrei entre a correspondência trocada, na altura, entre meu primo António Barros Machado e o nosso Avô, exilado na Galiza.

Em 5 de Julho de 1932, com a tomada de posse de Oliveira Salazar como Presidente do Ministério, começa uma nova era no regime político português!

É em 14 de Maio de 1935 que se assiste à primeira grande purga de Professores Universitários. É nessa “leva” que Abel Salazar é afastado do ensino!

É em 1935 que a cruz gamada é colocada na bandeira alemã.

Em 1936, ano em que Abílio Mendes termina o seu Curso de Medicina, assiste-se ao assalto das Associações Académicas. A Associação dos Estudantes da Faculdade Medicina de Lisboa é encerrada, depois da destruição das suas instalações, e a publicação da revista “Medicina” é interrompida. As Associações passam a ser dirigidas por Comissões Administrativas.

Para dar uma ideia do carácter fascista destas Comissões Administrativas, transcrevo, duma acta datada de 8 de Março de 1938, da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, os seguintes parágrafos:

“Carta de agradecimento à Deutcher Fichte = Bund - Hamburg – A AAEDP aproveita gostosamente o ensejo para saudar em Adolfo Hitler o maior pioneiro da luta anticomunista no Mundo Viva Salazar! Heil Hitler! Lisboa Ano XII da Revolução Nacional Março 8”

“…deferir o pedido do oficial legionário J. C. A. B. P. V. aluno desta Faculdade, que solicita uma colecção de panfletos anticomunistas e “nazis”.”

Quando em 1941 comecei a frequentar a Faculdade de Medicina, no Campo de Santana, a Associação Académica continuava a ser dirigida por uma Comissão Administrativa constituída por alunos nomeados pelas chamadas autoridades escolares.

Só em 1946 esta situação é alterada com a eleição, em Assembleia Geral de alunos, reunidos no Anfiteatro de Histologia, duma nova Direcção. Venceu por um voto a mais a lista de direita, em que predominavam colegas identificados como “católicos progressistas”, tendo como cabeça de lista o colega Daniel Cabeçadas.

No ano seguinte, em 1947, a Faculdade de Medicina é invadida pela PSP e pela PIDE, com agressão sobre o Director, Professor António Flores, e muitos dos seus alunos, que se tinham reunido para protestarem contra a prisão do colega Ramon de la Féria.

Pouco depois vem a segunda purga de professores universitários…

Começo em Outubro de 1947 a sentir já como profissional os problemas que os médicos viviam.

O exemplo dos colegas de formação humanista e ligados às lutas democráticas, como Abílio Mendes, contar com todos eles nas barricadas que se iam formando, deram alento, na década de 50, ao Movimento dos Novos e das Carreiras Médicas!

Quem ainda hoje se bate na defesa do Serviço Nacional de Saúde não esquece as dificuldades que tiveram de vencer!

O aparecimento deste livro de Jaime Teixeira Mendes é um importante contributo na conquista duma verdadeira sociedade democrática. Na página 14 lemos: “Pare-me necessário divulgar a actualidade do pensamento de Abel Salazar, num momento em que a Medicina, com a investigação de ponta e com o desenvolvimento de novas tecnologias, nos conduziu à subespecialização precoce e a um empobrecimento cultural confrangedor da maioria dos jovens clínicos.”  

A este propósito conto-vos o que se passou numa reunião em que estava presente. Desculpem a um nonagenário tantas lembranças…

Quando em 2001 se realizaram as comemorações da Fundação Nossa Senhora do Bom Sucesso, uma instituição de saúde materno-infantil, com quem colaborei enquanto trabalhei na APDP – Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal, estive presente na reunião inaugural que abordava o tema da importância dos avanços tecnológicos na evolução da medicina. Em determinada altura a Enfermeira Louise Cunha Teles, fundadora desta meritória obra assistencial e que presidia à sessão, mostrou o desejo de ouvir a minha opinião. Estava no meio da assistência e senti o olhar de todos os que me rodeavam. Pedi então que me deixassem relatar um episódio familiar.

Meu Pai foi professor de Física nos primórdios do século XX. Percursor do ensino experimental, tinha no Liceu Camões um laboratório onde os alunos aprendiam a manejar os instrumentos de física. Um dia teve que ir ao liceu acompanhado por minha irmã Maria Adelaide, que tinha cerca de 4 anos de idade. Lembrou-se então meu Pai de ligar a ampola de Crookes e pedir a minha irmã para colocar a sua “mãozinha” para lhe tirar a radiografia. Com grande espanto ao ver os ossos da mão, minha irmã olha para o Pai e pede: “mostre-me a alma!...”

Será que a tecnologia um dia nos mostrará a nossa alma?!

Quando deixei de trabalhar na APDP escrevi para um livro de homenagem a Mestre Ernesto Roma publicado pela Câmara Municipal de Viana do Castelo:

“Todos sabemos que a nova Antropologia, embora dando autonomia à vida espiritual, sabe fazer a sua ligação com a camada orgânica do ser humano. No estudo médico-antropológico dum quadro nosológico devemos analisá-lo segundo este ponto de vista convergente, valorizando os factores orgânicos, bioquímicos e genéticos, conjuntamente com as perturbações afectivas e ainda os valores éticos e socioculturais.

A Medicina não é um saber desinteressado, tem um fim e uma intenção – alcançar a saúde. É esta a sua política, melhor dizendo a sua ética.

Possuidores de recursos fantásticos concedidos pelas indústrias da tecnologia médica e da farmacologia, criámos um panorama de frieza, relegando para segundo plano, quando não o esquecemos, o apoio humano, o apoio mútuo, o amor e mesmo o sacrifício, não como sofrimento, mas como cedência do muito que podemos dar às pessoas, sem nos martirizarmos, mas pelo contrário, para nos sentirmos mais solidários. Hoje a Ciência dá-nos maiores possibilidades de amar o próximo com mais eficácia!”

Este seu livro, meu caro Jaime Teixeira Mendes, vem ajudar todos os que desejam a liberdade e a democracia e que lutam por elas.

 

Quando a Câmara Municipal de Lisboa atribuiu a uma rua da zona do Alto dos Moinhos o nome de seu Pai, homenageou o Cidadão, o Homem que adorava as crianças, que chegou a cuidar de três gerações da mesma família, o pediatra que registou no seu consultório 20 mil crianças, que sempre tratou os seus pequenos clientes, com uma visão holística da medicina, respeitando a sua própria individualidade.

No amor e respeito pelas crianças lembra-me meu Avô Bernardino no desenho de Amarelhe. E recordo também o livro que Bernardino Machado escreveu – “As Crianças - Notas dum Pai”.

E vem a propósito mencionar que no Museu Bernardino Machado o Professor Doutor Norberto Ferreira da Cunha inaugurou com a sua conferência “Abel Salazar e Bernardino Machado: contrastes e afinidades”, uma exposição de caricaturas de Abel Salazar.

Termino com mais um apertado abraço de gratidão ao Dr. Jaime Teixeira Mendes. A partir de hoje as nossas estantes de livros ficam enriquecidas."







 

Sem comentários: