O lançamento do livro de Jaime Teixeira Mendes . "Correspondência de Abílio Mendes com Abel Salazar"
No passado dia 23 tive a grande satisfação de estar na sede da Ordem dos Médicos, para colaborar no lançamento do livro - "Correspondência de Abílio Mendes com Abel Salazar"
"As minhas cordiais saudações e o desejo de uma boa tarde!
Começo por cumprimentar o Dr. Baptista Lopes da Editora
Âncora.
Que bom ter a presença do Professor Doutor António Ventura e
poder render a minha homenagem pública de gratidão a quem o estudo da História
tanto deve.
Para o Dr. Jaime Teixeira Mendes um apertado e afectuoso
abraço. O seu convite para aqui estar veio ao encontro dos meus encantos sobre
um tema que me tem seduzido – o estudo da epistolografia em Portugal.
Desencadeou uma série de memórias da minha vida estudantil e
profissional.
Mas a leitura de “Correspondência de Abílio Mendes com Abel
Salazar” obriga-nos a pensar no futuro da nossa profissão de médico!
Quando há tempos o querido e saudoso amigo Vieira de Sá me
obrigou a apresentar o seu livro “Cartas na mesa”, com a correspondência
trocada com o Professor Bento de Jesus Caraça, senti a importância da
divulgação de muitas cartas esquecidas nos espólios das bibliotecas. Andava
também a digitalizar para o meu blogue – “Bernardino Machado” – a
correspondência de meu Avô, que a Família Machado Sá Marques tinha depositado
na Fundação Mário Soares. Fui então reler o livro de Andrée Cabrée Rocha – “A
Epistolografia em Portugal”, onde podemos ler os seguintes períodos: - “A carta
é um meio de comunicar por escrito com o semelhante. Compartilhada por todos os
homens, quer sejam ou não escritores, corresponde a uma necessidade profunda do
ser humano. Communicare não implica
apenas uma intenção noticiosa: significa ainda “por em comum”, “comungar”.
Lição de fraternidade em que as palavras substituem actos ou gestos, vale no
plano afectivo como no plano espiritual, e participa, embrionariamente ou
pungentemente, do mecanismo íntimo da literatura – dádiva generosa e apelo
desesperado, ao mesmo tempo.”
Durante a leitura da “Correspondência de Abílio Mendes com
Abel Salazar” relembrei as rebeliões estudantis de Lisboa e Porto em 1931,
iniciadas na capital com a prisão do estudante da Faculdade de Ciências,
Francisco Joaquim Mendes, presidente da Federação Académica. A greve às aulas
nas Faculdades de Medicina e Letras, realizou-se em 25 de Abril, com uma manifestação
de protesto contra aquela detenção que terminou com o assalto ao Ministério de
Instrução Pública. Os estudantes conseguiram a libertação do seu dirigente
associativo e este, acompanhado dos colegas, entre os quais se contavam Teófilo
Carvalho dos Santos, Artur Santos Silva e José Magalhães Godinho, dirigiram-se
ao Ministro.
Após saberem da agitação estudantil em Lisboa, sucederam-se,
no Porto, manifestações no Instituto Industrial e no Instituto Superior do
Comércio, e em 28 de Abril realizou-se na Faculdade de Medicina uma assembleia
geral de alunos. Tal como em Lisboa a PSP invadiu essa Faculdade, prendendo
Luís Camossa, Gomes de Almeida e António Barros Machado. A carga policial da
PSP provocou três feridos graves, um dos quais, o estudante do Instituto
Industrial, João Martins Branco, acabaria por falecer. O funeral realizado em
30 de Abril, no Porto, transformou-se numa grande manifestação contra a
ditadura, na qual foram feridas a tiro pela polícia 17 pessoas.
Mostro-vos dois manifestos dos estudantes do Porto que
encontrei entre a correspondência trocada, na altura, entre meu primo António
Barros Machado e o nosso Avô, exilado na Galiza.
Em 5 de Julho de 1932, com a tomada de posse de Oliveira
Salazar como Presidente do Ministério, começa uma nova era no regime político
português!
É em 14 de Maio de 1935 que se assiste à primeira grande
purga de Professores Universitários. É nessa “leva” que Abel Salazar é afastado
do ensino!
É em 1935 que a cruz gamada é colocada na bandeira alemã.
Em 1936, ano em que Abílio Mendes termina o seu Curso de
Medicina, assiste-se ao assalto das Associações Académicas. A Associação dos
Estudantes da Faculdade Medicina de Lisboa é encerrada, depois da destruição
das suas instalações, e a publicação da revista “Medicina” é interrompida. As
Associações passam a ser dirigidas por Comissões Administrativas.
Para dar uma ideia do carácter fascista destas Comissões
Administrativas, transcrevo, duma acta datada de 8 de Março de 1938, da
Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, os seguintes
parágrafos:
“Carta de agradecimento à Deutcher Fichte = Bund - Hamburg –
A AAEDP aproveita gostosamente o ensejo para saudar em Adolfo Hitler o maior
pioneiro da luta anticomunista no Mundo Viva Salazar! Heil Hitler! Lisboa Ano
XII da Revolução Nacional Março 8”
“…deferir o pedido do oficial legionário J. C. A. B. P. V.
aluno desta Faculdade, que solicita uma colecção de panfletos anticomunistas e
“nazis”.”
Quando em 1941 comecei a frequentar a Faculdade de Medicina,
no Campo de Santana, a Associação Académica continuava a ser dirigida por uma
Comissão Administrativa constituída por alunos nomeados pelas chamadas
autoridades escolares.
Só em 1946 esta situação é alterada com a eleição, em
Assembleia Geral de alunos, reunidos no Anfiteatro de Histologia, duma nova
Direcção. Venceu por um voto a mais a lista de direita, em que predominavam
colegas identificados como “católicos progressistas”, tendo como cabeça de
lista o colega Daniel Cabeçadas.
No ano seguinte, em 1947, a Faculdade de Medicina é invadida
pela PSP e pela PIDE, com agressão sobre o Director, Professor António Flores,
e muitos dos seus alunos, que se tinham reunido para protestarem contra a
prisão do colega Ramon de la Féria.
Pouco depois vem a segunda purga de professores
universitários…
Começo em Outubro de 1947 a sentir já como profissional os
problemas que os médicos viviam.
O exemplo dos colegas de formação humanista e ligados às
lutas democráticas, como Abílio Mendes, contar com todos eles nas barricadas
que se iam formando, deram alento, na década de 50, ao Movimento dos Novos e
das Carreiras Médicas!
Quem ainda hoje se bate na defesa do Serviço Nacional de
Saúde não esquece as dificuldades que tiveram de vencer!
O aparecimento deste livro de Jaime Teixeira Mendes é um
importante contributo na conquista duma verdadeira sociedade democrática. Na
página 14 lemos: “Pare-me necessário divulgar a actualidade do pensamento de
Abel Salazar, num momento em que a Medicina, com a investigação de ponta e com
o desenvolvimento de novas tecnologias, nos conduziu à subespecialização
precoce e a um empobrecimento cultural confrangedor da maioria dos jovens clínicos.”
A este propósito conto-vos o que se passou numa reunião em
que estava presente. Desculpem a um nonagenário tantas lembranças…
Quando em 2001 se realizaram as comemorações da Fundação
Nossa Senhora do Bom Sucesso, uma instituição de saúde materno-infantil, com
quem colaborei enquanto trabalhei na APDP – Associação Protectora dos
Diabéticos de Portugal, estive presente na reunião inaugural que abordava o
tema da importância dos avanços tecnológicos na evolução da medicina. Em
determinada altura a Enfermeira Louise Cunha Teles, fundadora desta meritória
obra assistencial e que presidia à sessão, mostrou o desejo de ouvir a minha
opinião. Estava no meio da assistência e senti o olhar de todos os que me
rodeavam. Pedi então que me deixassem relatar um episódio familiar.
Meu Pai foi professor de Física nos primórdios do século XX.
Percursor do ensino experimental, tinha no Liceu Camões um laboratório onde os
alunos aprendiam a manejar os instrumentos de física. Um dia teve que ir ao
liceu acompanhado por minha irmã Maria Adelaide, que tinha cerca de 4 anos de
idade. Lembrou-se então meu Pai de ligar a ampola de Crookes e pedir a minha
irmã para colocar a sua “mãozinha” para lhe tirar a radiografia. Com grande
espanto ao ver os ossos da mão, minha irmã olha para o Pai e pede: “mostre-me a
alma!...”
Será que a tecnologia um dia nos mostrará a nossa alma?!
Quando deixei de trabalhar na APDP escrevi para um livro de
homenagem a Mestre Ernesto Roma publicado pela Câmara Municipal de Viana do
Castelo:
“Todos sabemos que a nova Antropologia, embora dando
autonomia à vida espiritual, sabe fazer a sua ligação com a camada orgânica do
ser humano. No estudo médico-antropológico dum quadro nosológico devemos
analisá-lo segundo este ponto de vista convergente, valorizando os factores
orgânicos, bioquímicos e genéticos, conjuntamente com as perturbações afectivas
e ainda os valores éticos e socioculturais.
A Medicina não é um saber desinteressado, tem um fim e uma
intenção – alcançar a saúde. É esta a sua política, melhor dizendo a sua ética.
Possuidores de recursos fantásticos concedidos pelas
indústrias da tecnologia médica e da farmacologia, criámos um panorama de
frieza, relegando para segundo plano, quando não o esquecemos, o apoio humano,
o apoio mútuo, o amor e mesmo o sacrifício, não como sofrimento, mas como
cedência do muito que podemos dar às pessoas, sem nos martirizarmos, mas pelo
contrário, para nos sentirmos mais solidários. Hoje a Ciência dá-nos maiores
possibilidades de amar o próximo com mais eficácia!”
Este seu livro, meu caro Jaime Teixeira Mendes, vem ajudar
todos os que desejam a liberdade e a democracia e que lutam por elas.
Quando a Câmara Municipal de Lisboa atribuiu a uma rua da
zona do Alto dos Moinhos o nome de seu Pai, homenageou o Cidadão, o Homem que
adorava as crianças, que chegou a cuidar de três gerações da mesma família, o
pediatra que registou no seu consultório 20 mil crianças, que sempre tratou os
seus pequenos clientes, com uma visão holística da medicina, respeitando a sua
própria individualidade.
No amor e respeito pelas crianças lembra-me meu Avô
Bernardino no desenho de Amarelhe. E recordo também o livro que Bernardino
Machado escreveu – “As Crianças - Notas dum Pai”.
E vem a propósito mencionar que no Museu Bernardino Machado o
Professor Doutor Norberto Ferreira da Cunha inaugurou com a sua conferência
“Abel Salazar e Bernardino Machado: contrastes e afinidades”, uma exposição de
caricaturas de Abel Salazar.
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