terça-feira, 2 de setembro de 2014

CAMPO DO TARRAFAL, ILHA DE SANTIAGO, CABO VERDE




CAMPO DO TARRAFAL, ILHA DE SANTIAGO, CABO VERDE


 

Tarrafal, no património da resistência

Por António Valdemar

Público - 08/11/2013

Há nomes que perduram com as tatuagens da ignomínia e da vergonha. Revivem na memória da crueldade e da infâmia e com tão profundo impacto que nos levam a execrar os que se encontram na origem da concretização institucional de todas as formas de coação e reclusão.

Um dos nomes tristemente célebres - no itinerário da repressão e da violência que marcaram o salazarismo, nas cadeias de Caxias, do Aljube, de Peniche e da ilha Terceira e nas prisões de Angola, de Moçambique, da Guiné e de Timor - ficou a ser o Tarrafal, na ilha do Sal, no arquipélago de Cabo Verde. Os presos eram submetidos à tortura, à sede, à fome, ao isolamento prolongado. Assim, o Tarrafal ficou conhecido como "o campo da morte lenta". A história do Tarrafal, investigada por Alfredo Caldeira e Susana Martins numa obra com prefácio de Mário Soares, pormenoriza com rigor documental o que foi aquela prisão, desde os primórdios até ao encerramento, a 1 de Maio de 1974.

A estrutura das colónias penais decorreu sob a tutela de Manuel Rodrigues, ministro da Justiça, que se inspirou nos modelos da Alemanha de Hitler; a colaboração do capitão Agostinho Lourenço, diretor da PIDE; e execução de projetos do eng. Luís Vitória de França e do arq.º Cotinelli Telmo.

Abriu em Outubro de 1936, para a reclusão de antifascistas: uns comunistas e anarquistas; outros apenas opositores à ditadura, "Reviralho" e Maçonaria; outos, ainda, apoiantes da aliança com a Inglaterra na II Guerra Mundial. (O caso do jornalista Cândido de Oliveira é emblemático.) O último sobrevivente das sucessivas levas de centenas de presos e numerosos mortos do primitivo Tarrafal é Edmundo Pedro, hoje homenageado, ao completar 95 anos e que continua vigoroso e modelo de cidadania.

Devido a pressões internacionais, Salazar determinou, em 1954, o encerramento provisório. Mas, com a eclosão da guerra colonial, o ministro do Ultramar Adriano Moreira, em 1961, restabeleceu o Tarrafal. Passou a denominar-se "Campo de Trabalho de Chão Bom". Também em Angola, o ministro Adriano Moreira estabeleceu outra colónia com a denominação "Campo de Trabalho de Missombo". Destinavam-se à prisão de militantes dos movimentos nacionalistas africanos.

Nesta segunda fase, o Tarrafal encarcerou mais de duas centenas de nacionalistas de Angola, Guiné e Cabo Verde. Alguns ali faleceram. Cumpriram ali pesadíssimas penas quatro escritores: Luandino Vieira, Mendes de Carvalho, António Cardoso e António Jacinto. Quase toda a obra de Luandino Vieira posterior a Luuanda - o livro que lhe deu renome nacional e internacional - foi escrita na prisão. Outros políticos, intelectuais e militares, como, por exemplo, Malagatana Valente, Rui Nogar, Luís Bernardo Honwana e José Craveirinha, entre tantos mais, estiveram em Machava e Madalane, em Moçambique; outros foram para a ilha das Galinhas, na Guiné; e mais outros, ainda, para São Nicolau e Missombo, em Angola.

A luta contra a guerra colonial teve expressão significativa, dentro e fora de Portugal. Daí o ministro da Educação de Salazar Inocêncio Galvão Teles encerrar, a 21 de Maio de 1965, a Sociedade Portuguesa de Escritores, por atribuir o Grande Prémio de Novelística ao livro Luuanda, de Luandino Vieira. Todos os membros do júri foram interrogados e presos pela PIDE: Augusto Abelaira, João Gaspar Simões, Fernanda Botelho, Alexandre Pinheiro Torres e Manuel da Fonseca.

A sede, em Lisboa, da Sociedade Portuguesa de Escritores, na Rua Escola Politécnica, foi vandalizada. Elementos da extrema-direita, ligados à Legião Portuguesa e à Brigada Naval, destruíram todo o recheio. Apenas escapou o retrato de Aquilino Ribeiro, feito pelo pintor Rui Filipe.

A conferência Rota dos Presídios no Mundo Lusófono, que, recentemente, se efetuou em Cabo Verde, defendeu que os núcleos concentracionários do salazarismo devem ser preservados; que interessa aprofundar numerosos crimes e atentados, até agora ignorados e branqueados e, também, impedir a atribuição de distinções honoríficas a responsáveis pelo Tarrafal.

As prisões políticas do salazarismo e do marcelismo - outra conclusão importante - terão de ser devidamente estudadas, no âmbito da CPLP, classificadas pela UNESCO e incluídas no património da resistência. Devem constituir tema de reflexão. Não podem, nem devem, resvalar no esquecimento.

Jornalista e investigador

 



 

 


O jornalista António Valdemar e o Fernando Filipe assinalam os 50 anos do início da Guerra Colonial na sala Carlos Paredes da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) com uma exposição documental, que inclui mapas, fotografias e livros, que ajudam a traçar o caminho deste conflito e a identificar os seus protagonistas principais.

A exposição abre com dois painéis sobre o Campo do Tarrafal, um sobre a sua criação, em abril de 1936, como colónia penal, e que encerrou em 1946, e, o outro, sobre a sua reabertura, como campo de reclusão dos independentistas africanos, em 1961.
O “Campo da Morte Lenta”, como ficou conhecido, foi criado na sequência da guerra civil espanhola e como prevenção para evitar o seu alastramento a Portugal.
O dispositivo legal, de 23 de abril de 1936, [Decreto-Lei n.º 26 539] determina que se trata de uma colónia penal destinada a cidadãos «desafetos do regime», que pelos seus antecedentes eram considerados perigosos e, por isso, devendo ser isolados em campos de concentração.
O Campo do Tarrafal abriu as suas portas em 29 de outubro de 1936, para lá encerrar os sindicalistas do “18 de Janeiro” de 1934, os marinheiros da Organização Revolucionária da Armada (ORA), que tentaram a sublevação em 8 de setembro de 1936, assim como os anarco-sindicalistas da CGT e republicanos que conspiravam contra a Ditadura. Nesta primeira leva foram 152 pessoas.

Em 1946, vivia-se ainda a euforia do fim da Segunda Guerra Mundial e a derrota do nazi-fascismo, Salazar foi pressionado pelos aliados a realizar eleições, que anunciou «tão livres com as da livre Inglaterra», e a encerrar o campo de concentração do Tarrafal, o derradeiro a permanecer aberto.
As eleições terminaram em farsa e o Tarrafal só encerrou em janeiro de 1954.
Em 1961, com a eclosão da luta armada em Luanda, por determinação do então ministro do Ultramar, Adriano Moreira, a prisão foi reaberta, passando a designar-se de “Campo de Trabalho do Chão Bom”, e ficou destinada a receber os que em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique lideravam os movimentos de libertação anticoloniais e independentistas.




 

 

O Tarrafal fechou definitivamente no 1 de Maio de 1974, e os detidos enviados para os seus países, onde tiveram papel destacado na criação dos respetivos Estados.

António Valdemar assinala em três dos painéis o papel de Adriano Moreira na manutenção do regime colonial, recordando o seu papel como subsecretário de Estado da Administração Ultramarina, entre 1960 e 1961, passando nesse ano a ministro do Ultramar, onde permaneceu em funções até 1963.
Nesse período, recusadas as propostas de Nehru para uma entrega negociada do que o regime denominava de Estado da Índia, deu-se, em dezembro de 1961, a anexação dos territórios de Goa, Damão e Diu.
Houve a despromoção do general Vassalo e Silva e dos oficiais que depuseram armas para evitar a perda de vidas, houve o desencadear da luta armada em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, sem que o então ministro do Ultramar se desse conta da importância de encetar o diálogo político com os dirigentes dos movimentos de libertação. Pelo contrário, como ilustra um dos livros expostos, da sua autoria e editado pela Agência Geral do Ultramar, a ação destes movimentos é qualificada de «traição à Pátria».
No envolvimento que procura dar ao visitante o tom é de rigor e sobriedade.
A direção da SPA realça o trabalho de jornalista e historiador de António Valdemar e a organização do espaço, proporcionando ao visitante um visão rápida ou pormenorizada dos painéis, segundo a sua disponibilidade, concebida e cenografada por Fernando Filipe.
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1 comentário:

Anónimo disse...

Há ainda gente viva que colaborou nestas monstruosidades, e nem foi julgada nem condenada.
Há gente viva que chora com saudades dêsses tempos e não é julgada.
Mas há muito mais gente viva que se lembra...
Um abraço, Sá Marques, do Quintino de Barros