V
ENSINO INFANTIL E PRIMÁRIO
A ACTIVIDADE SENSITIVO-MOTRIZ
«O desprezo que há pela motricidade, só é comparável ao que se vota à sensibilidade muscular.»
«A motricidade é viva sobretudo nas primeiras idades. Ninguém desconhece o desassossego e a agilidade das crianças.»
«[…] o espírito precisa de impressões como, de alimentos, o organismo. É viva a sensibilidade infantil; mas não se descure!»
«A motricidade é, sobretudo, notável nas crianças da rua e do campo.»
“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 43, n.º 6/7 (Jun.-Jul. 1896).
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«É preciso dar uma larga margem à vida automática das crianças e não exigir que elas cumpram logo, militarmente, as ordens que recebem.»
“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 43, n.º 10/11 (Out.- Nov. 1896).
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«O movimento descongestiona o cérebro, pacifica os sentidos e a imaginação, e, auxiliando o crescimento, prepara uma virilidade sadia e prestante. Levem as crianças ao campo, deixem-nas correr, saltar, trepar às árvores, deixem-nas encher-se de ar puro e de impressões novas, deixem-nas ver e falar, pensar; e elas mesmas virão com igual animação procurar o professor para que lhes explique o que viram e lhes resolva as suas questões. Não as façam acrobatas, mas tão pouco as tornem inertes. Há uma petulância juvenil, que se não deve reprimir, porque significa força de vida.»
“Notas Dum Pai”, in A Educação: notas d`um pae, 3.ª ed., Coimbra, Typographia França Amado, 1899.
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«Ocuparmo-nos é o primeiro princípio de toda a educação. Muitas crianças e adultos fazem diabruras e perversidades só por não terem nada que fazer. O segredo da disciplina está em trazer sempre ocupados os educandos.»
«Infelizmente, muitos mestres, para terem menos trabalho, e muitas mães, por não julgarem nunca bastante os seus cuidados, reduzem de todos os modos a actividade infantil.»
«Para não haver o trabalho da vigilância, suprime-se tudo às crianças, e acaba-se por suprimi-las a elas mesmas, Não se deixam brincar, para que não rasguem a roupa, não dêem cabo dos móveis, ou não pisem os canteiros do jardim; não se deixam sequer mexer, para que não vão fazer alguma maldade. Até as salas onde estariam com mais desafogo, lhes fecham, porque as podem sujar. Encurralam-se, emparedam-se. Há mais cuidado com as coisas do que com elas. E, não só para que não dêem trabalho, mas também para que nos não incomodem, hão-de estar, além de quietas, caladinhas. Deixa-las-ão ao menos meter-se a um canto, quietas e caladas, a ver figuras, a ler? Não, porque nem uns livros interessantes lhes dão. Têm medo de que os estraguem. Imobilidade absoluta!
Daqui vem, com a atrofia das faculdades, a reacção de desespero com que as crianças se atiram a tudo e a todos, logo que se apanham à solta. A sua irrequietação torna-se tal, que por mais que os multipliquem, não há depois castigos que as contenham.»
“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 47, n.º 11 (Nov. 1900).
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«As ocupações externas, o trabalho de observação e aplicação, o exercício, em suma, da faculdade sensitivo-motriz, é indispensável para o exercício e desenvolvimento intelectual. À força de só puxarem pela inteligência, condenam-na ao impossível. Como há-de ela desempenhar a sua função coordenadora, se lhe não permitem apreender os elementos sensitivo-motores, sensações e impulsões, que são, em grande parte, os elementos sobre que há-de operar-se essa coordenação? Querem que ela coordene depressa e bem? Mas o material para isso? Daí vem que a nossa gente culta ou cai na ilusão verbal, passando a vida a falar doutoralmente de tudo sem saber nada, ou adoece do desequilíbrio das faculdades, com sobreexcitação da inteligência, na desesperada tortura de quem anseia por pensar e não tem em quê.»
“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 49, n.º 4 (Abr. 1902).
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«Não se enfeixem as criancinhas, impedindo-lhes os movimentos, nem depois, já mais crescidas, as constranjam dentro dum vestuário pesado e estreito ou desajeitado.
E deixem-nas folgar, fazer as travessuras inofensivas da sua idade. Assim se vão adestrando.
Reprimir os movimentos é ainda pior do que tirar a luz.»
«Quanto mais móvel, mais útil o órgão. À mão chamou Blainville um compasso de cinco ramos.»
“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 43, n.º 6/7 (Jun.-Jul. 1896).
A LINGUAGEM INFANTIL
«Atenda-se à fase de desenvolvimento dos órgãos da palavra. Certos sons não é logo, aos primeiros anos de idade, que se emitem. Há também uma ontogénese dos movimentos.»
«O que as crianças gostam de falar! Frequentemente as famílias imaginam que elas estão a pedir uma coisa e não é; estão apenas a ensaiar, a repetir, a palavra com quer a exprimem.
O povo complica às vezes de propósito os seus vocábulos.»
“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 43, n.º 6/7 (Jun.-Jul. 1896).
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«Querem que as crianças só digam o que já entendem? Mas se a faculdade sensitivo-motriz precede a faculdade intelectual, que cruel pedagogia! Pelo contrário, devem-se-lhes permitir e favorecer todos esses jogos de sons em que, levadas dos vivos estímulos individuais da sua idade e ainda da sua tão intensa paixão social de imitação, elas tanto se comprazem.»
“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 50, n. 2 (Fev. 1903).
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«Na tagarelice das crianças vai muito do seu amor pelo barulho. Elas divertem-se com o eco das suas vozes, repetem elas mesmas os pregões e os gritos que ouvem, e fazem toda a espécie de jogos malabares com os sons das palavras. Assim se aprende tão depressa a falar!
Não queiram os pedagogos forçá-las a dizer só o que já entendam. Elas brincam com as palavras como com os seixos que apanham no chão e que ainda tão pouco podem entender.
Incomoda o barulho que fazem? Mas pouco a pouco as suas goelas se melodiarão. A música vocal entretém-nas imenso. Desde que nascem, o canto serena-as e adormece. Mal ainda falam, muitas vezes vamos dar com elas, sozinhas, a cantar. Por isso o verso é tão apropriado a essas idades!»
“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 43, n.º 6/7 (Jun.-Jul. 1896).
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«Dêem às crianças a liberdade e o recreio de falarem como sabem, despreocupadamente, não estando sempre sobre elas a obrigá-las a pensar no que dizem e a corrigir-se. Nem tanta lição! Senão elas emudecem e deixam de alegrar com os seus gorjeios o interior doméstico.»
“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 47, n.º 11 (Nov. 1900).
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«Nunca as emoções são tão profundas como quando provêm da vontade. Não há paixão mais intensa que a da emancipação e liberdade, que a de nos governarmos e governarmos o mundo.
O amor da liberdade é a forma sublime do amor próprio; porque é o amor da nossa integridade para o bem.»
«A liberdade da acção não é a licença. Não se leve a paixão dos exercícios até crer no enrijamento pelo abuso e desmando da actividade. A vida de estufa, a inércia mata a criança, mas é perigoso expô-la sem precauções a intempéries. Para o desenvolvimento do espírito, a temperança é tão necessária como para a do corpo. Não há perfectibilidade sem virtude.»
“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 43, n.º 10/11 (Out.-Nov. 1896).
CONDUTAS INFANTIS
«Não se julgue sequer indiferente que as crianças brinquem demais. Não é só mau que elas, contraindo o hábito dos prazeres fáceis, pretendam fazer de tudo e de todos matéria para brinquedos, e refujam do mínimo trabalho sério que não pague de pronto o prémio do esforço que custa, ou o premeie em moeda de quilate mais delicado e difícil de apreciar; mas também o é que elas se apaixonem tanto pelas brincadeiras, que excedam o estreito limite das suas forças. E é mister ter o olhar atento para o ver, porque todos abafam as suas queixas quando sofrem por culpa sua.
A exaustão das forças prejudica sobretudo, quando elas são tão precisas, na primavera da vida. Ainda que os exercícios físicos as não dissipem, importa variá-los, aligeirá-los, não os concentrar, para que o demasiado endurecimento do organismo não suspenda o seu desenvolvimento.»
«Merecem um sorriso as crianças que, por inexperiência, pedem impossíveis, não só porque o pedido equivale a um apelo simpático, mas ainda por ser esse o meio ingénuo delas irem aprendendo connosco a demarcar os limites da liberdade humana. Já não nos é lícito, porém, achar graça às que ambicionam impossíveis, precisamente porque o são. Não confundamos a teimosia da insubordinação com o espírito de aventura, tão nosso e fecundo.»
«Nada mais natural do que as crianças quererem mandar: é o que vêm os pais fazer, e é assim que desabrocha a sua personalidade. Um domínio cada vez mais largo de acção se lhes desdobra interna e externamente. A liberdade não é incompatível com a modéstia e com a obediência, as quais, para realmente valerem, hão-de ser voluntárias. Obedece-se às pessoas que se respeitam pelo seu saber e pela sua bondade, e é a consciência exacta das próprias forças o que nos livra da presunção. A liberdade deve ser encaminhada, não suprimida. Não fazer a vontade às crianças só pelo propósito de lha quebrar, é uma barbaridade sem nome. Comprimindo as molas da vida moral, estejam certos de que atrofiam do mesmo golpe a vida orgânica, porque a vontade é o grande estimulante do sistema nervoso.»
«Há ainda os mimos, que tanto estragam as crianças. A vontade forma-se pela luta com a necessidade. Satisfazendo-se todos os apetites e desejos infantis, a vontade não se extingue; mas, sem a disciplina que a princípio só lhe pode incutir a própria necessidade e sanção das leis naturais e sociais, irrompe de encontro a tudo e a todos, como que em busca da luta que lhe negam. Os mimalhos trazem sempre o não na boca. Dá-se neles um fenómeno de inversão da vontade.»
A Educação: notas d`um pae, 3.ª ed., Coimbra, Typographia França Amado, 1899.
PROCESSOS DE APRENDIZAGEM INFANTIL
«Perguntar tem seus riscos intelectuais. Não se pergunte por preguiça de pensar. Por isso não se devem dar às crianças as respostas que elas possam achar por si.
Mas a interrogação é um grande meio de instrução; e atenda-se a que as crianças, cuja memória é curta, mal podem guardar muito tempo as suas perguntas, e, à força de se lhes não responder, como que se lhes reprime a curiosidade e habituam-se a passar, indiferentemente, por diante de tudo sem procurar a explicação de nada. É o estado em que tenho encontrado algumas, que, nos primeiros anos, revelam grande desejo de saber. O nosso silêncio parecer-lhes-á indiferença por pensar e o mau exemplo contagia-se.»
“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra Vol. 43, n.º 8 (Jun.-Jul. 1896).
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«A imitação é, rigorosamente, o efeito directo da percepção sobre a motricidade. Quando reproduzimos qualquer acto alheio, pelo trabalho do raciocínio, há já uma apropriação e não só uma imitação.»
“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 43, n.º 9 (Jun.-Jul. 1896).
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«O nosso estado de espírito é o da imitação, desde o operário, que imita o modelo estrangeiro, até o governo, que copia as leis das outras nações. E esta vida sem originalidade começa na escola, onde se passa a maior parte do tempo a repetir palavras e fórmulas, desenhos e demonstrações.»
“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 43, n.º 10/11 (Out.-Nov. 1896).
ELOGIO DO ENSINO PRIMÁRIO
«A instrução elementar é o mínimo de instrução indispensável a cada cidadão; e, como tal, deve o seu diploma ser requisito primordial de idoneidade para o desempenho de qualquer cargo, do Estado ou das corporações locais. Achamos mesmo que, quando ninguém puder alegar a falta de providências educativas, se deverá ir mais longe e exigi-lo para o gozo de todo direito público. Sem uma cultura elementar, ninguém está realmente apto para receber a comunhão social.»
“O Ensino Primário Depois de 1892”, in O Ensino Primario e Secundario, Coimbra, Typographia França Amado, 1899.
«Multiplique-se por toda a parte o ensino primário; difunda-se, como tão expressivamente se diz. É o baptismo social de todo o homem moderno. Há um mínimo de saber, umas certas noções das coisas, um poder de reflexão, uma quantidade de aptidões, que constituem o fundamento do homem moderno, o fundamento, portanto, das sociedades modernas. Nesse fundamento assentam a felicidade individual e a felicidade pública. Eis porque todo o indivíduo tem a necessidade e tem a obrigação de aprender a instrução primária, eis porque a sociedade tem também a necessidade e a obrigação de lha proporcionar.
Trabalhemos para que ninguém fique sem ela, para que todos a adquirem, e para que, depois de alcançada, ninguém venha a esquecê-la.
São precisas escolas para aprender e escolas para desenvolver e completar. A lei deveria até, para bem, preceituar e sancionar a instrução obrigatória de todos os analfabetos, menores e maiores; não pode, e tem que confiar às lições da experiência grande parte do ensino dos adultos: pois, ao menos, facultem-se os elementos do saber a quantos os pedirem, e que para o futuro ninguém mais intervenha em nenhum dos graves negócios da vida, como são umas eleições, por exemplo, sem haver atingido o mínimo grão de cultura imprescindível para o seu tempo. Não fique uma só criança de hoje sem a sua instrução primária. Aonde não bastarem as contribuições e os impostos, supram a falta aos pais e as corporações bem sorteadas em benefício das suas famílias e das suas colectividades, supra-a, sobretudo, a assistência particular e pública em favor de todos os necessitados. E, neste instante, reflectindo na terra em que estou a falar, lembro-me dum nome que se tornou abençoado do País pelo legado de instrução que lhe deixou e a ponto para o exemplo magnânimo do conde Ferreira.
Eu disse há pouco que colaborassem todos, pais, corporações, indivíduos para a perfeita realização da instrução primária, mas há muitas crianças que não têm família ou é desgraçadamente como se [a] não tivessem: são os pupilos da sociedade. Por elas solto um brado bem alto para que de todos seja ouvido e para que em toda a parte o município, o distrito e o Estado ponderem as suas responsabilidades tanto como aqui.
Não há educação nacional firme, produtiva sem uma larga base de instrução primária. Por isso, a instrução primária é para nós, liberais, mais do que um cuidado, uma preocupação […].»
In Affirmações Publicas: 1882-1886 – I, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888; tb.“O Ensino”, in O Ensino, Coimbra, Tipografia França Amado, 1898.
«Enquanto a instrução não se domiciliar em todos os casais e os preceptores não forem os próprios chefes de família, a necessidade obrigará a ensinar em comum os alunos de cada centro de população; e, se não é ainda possível beneficiar higienicamente as habitações de todos os operários das cidades e dos campos, não se descure ao menos a saúde dos seus filhos na casa da escola.
Os nossos edifícios escolares são, na sua grande maioria, deploráveis. Alguns, era melhor não os haver. Não é raro encontrar a sala de aula sobre uma corte de gado, cercada de montureiras de áspero tojo, por onde os pequeninos indigentes rasgariam os pés descalços, se o professor, com dó deles, os não passasse ao colo. Antes o ensino ao ar livre, num adro público, do que no estreito ambiente, lôbrego e infecto, de tais recintos!
A mobília diz com os edifícios, ou não existe. Em várias escolas a mesa e a cadeira pertencem ao professor, e têm as crianças de trazer de casa às costas os bancos para se sentarem.
Que inópia! E que barbaridade!»
«Porque faltam tantas escolas primárias e tanto falta a cada uma? Porque têm desaparecido os poucos cursos de adultos que havia? Porque não se institui e favorece oficialmente o ensino para os enfermos, cegos, surdos-mudos e idiotas, mas, pelo contrário, se esmaga com impostos a sua instituição particular? Porque é tão insuficiente e imperfeito o ensino normal? Porque não há dinheiro para espalhar gratuitamente um livro de leitura? Porque se não fomentam as indústrias docentes da alfaia e do mobiliário escolar? Porque se não aplicam os operários sem trabalho às construções das casas de escola, e se não aproveitam para elas as madeiras das matas públicas? Porque se não cuida da educação colonial? Porque falta, em suma, a assistência social, a protecção e o carinho à instrução primária? Porque o Estado absorve e abafa todas as iniciativas e mal se desempenha da sua.»
«A missão da escola é desenvolver tanto as nossas faculdades de comunicação com os nossos semelhantes, isto é, de expressão, como de acção sobre o mundo físico, isto é, de produção; e não é apenas industrial, é não menos uma missão científica e artística, e, acima de tudo, uma missão moral. E como preenchê-la, sem outro estudo da língua materna que a leitura e a escrita, sem as mais leves noções de história natural, sem o canto e a modelação, e condenada a não tratar doutrinalmente a história pátria, base de toda a educação cívica? […]»
«Não bastam professores ao ensino. A educação da criança, como a do adulto, faz-se pelo seu convívio com o mundo; e a função do mestre é dirigir esse convívio, oferecendo-se ao estudo do educando como um simples modelo da sua aula, embora seja o mais precioso de todos.
E onde estão na nossa escola os espécimes da natureza e do trabalho que concentrem dentro dela uma abreviada, mas fiel, representação do mundo?
Até para a inteligência da palavra do mestre e dos textos de leitura e escrita faltam as colecções de exemplares de coisas, faltam as estampas, falta um mapa parietal de Portugal, apesar de mandado fazer e feito desde 1893 pelo Ministério das Obras Públicas, e nem há uma folha regional ao menos da nossa grande carta corográfica.
Em algumas escolas falta tudo, inclusivamente a pedra e o giz.
Em contraposição, pretende-se sobrecarregar a criança de livros, quando só um, o da leitura, é preciso e basta, não falando nas edições para prémios, em que ninguém pensou.
Adite-se, sim, a cada escola uma pequena biblioteca, como até há pouco a lei dispunha. Não só para os que procuram a primeira instrução, mas ainda para os que já a alcançaram; à escola compete fornecer, pelo conselho sempre pronto do mestre e pelas obras que encerre, de toda a sorte de vulgarização, o alimento espiritual da vida de cada paróquia.
Dotado o ensino do pessoal e material pedagógico, difunda-se por todos os analfabetos de mais de seis anos de idade. De dia, nos dias úteis, aos menores; à noite e nos dias santificados, aos adultos dum ou de outro sexo. Se urge preparar o futuro da pátria, não urge menos velar pelo presente, ai! tão sombrio! O mesmo professor fará em toda a parte o ensino nocturno e dominical, em não se lhe exigindo demasiado serviço diurno pelo decurso da semana.»
“À Nação Portugueza”, in O Ensino Primario e Secundario, Coimbra, Typographia França Amado, 1898.
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A INSTRUÇÃO PRIMÁRIA NA HISTÓRIA DO ENSINO EM PORTUGAL
«A dívida da primeira educação é tão sagrada, que a lei de quase todos os povos civilizados a tem convertido de obrigação de direito civil em obrigação de direito público. Entre nós, o princípio da obrigatoriedade da instrução primária foi proclamado pelo decreto de 20 de Setembro de [1878], e desde 1 de Julho de 1881, em virtude da lei de 8 de Maio de 1878, possuíamos uma instituição que, por mais imperfeita que fosse, tinha o nobre fim de torná-lo efectivo em cada paróquia. O Governo de Vossa Majestade, destruindo a obra do grande estadista Rodrigues Sampaio, sem a substituir, deixou-nos profundamente apreensivos. Retrocederemos lastimosamente em matéria de instrução até ao abandono gratuito das mais preciosas conquistas?! A obrigatoriedade da instrução primária não vale só pela coacção que exerça sobre a cobiça imperdoável de alguns pais, e pelos socorros que leve à indigência de tantos; vale primeiramente pela consideração social de que reveste a escola, o professor e o ensino. Essa lição de solicitude dada pelo estado às famílias tem o maior alcance.»
“O Ensino Primario em 1892”, in O Ensino Primario e Secundário, Coimbra, Typographia França Amado, 1899; tb. Affirmações Publicas: 1888-1893, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1896.
«Na instrução primária é preciso concluir a obra iniciada em 1835 pelo fundador da política regeneradora, Rodrigo da Fonseca Magalhães, e vigorosamente prosseguida há pouco pelo mais estrénuo lidador da imprensa liberal, António Rodrigues Sampaio. É preciso, dentro do mais curto prazo, converter numa realidade a instrução gratuita e obrigatória para todos, para ambos os sexos.»
“A Política do Ensino”, in Diário da Câmara dos Senhores Deputados, Sessão de 19 de Janeiro de 1883; tb. in O Ensino, Coimbra, Typographia França Amado, 1898; tb.“Política da Instrucção”, in Affirmações Publicas: 1882-1886, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888, pp. 51-60.
«[…] com a restauração absolutista de 28 a 34, com o neo-cartismo de 42 a 50 e com o governo do engrandecimento do poder real de 94 a 97, não sofre e se abate só a liberdade, mas conjuntamente a instrução. D. Miguel fecha escolas e persegue professores. Costa Cabral atenta por sua vez contra o ensino e o seu magistério. E os ditadores Carlos Lobo de Ávila e João Franco vibram também profundos golpes na instrução. Convém não o esquecer. Cercearam o triplo princípio da obrigatoriedade, da gratuidade e da secularização da escola primária, entregando a fiscalização da frequência escolar aos representantes do Governo, lançando uma contribuição sobre todos os examinados de instrução elementar completa, e não declarando na lei nenhuma isenção de catequese. Atacaram o ensino particular, fechando as escolas primárias republicanas e tornando impossível a vida de muitos colégios livres de ensino secundário. Levaram a centralização da instrução primária ao extremo, suprimindo mesmo a simples intervenção escolar dos conselhos locais de inspecção. E, apoderando-se assim do ensino geral, primário e secundário, submeteram os seus alunos ao regime despótico que tinha por dogma o preceito de que a actividade do espírito do educando é meramente receptiva e reprodutiva, isto é, que ele nada mais pode fazer na aula do que escutar e responder, devendo mesmo vazar a sua resposta na pergunta do mestre, porque, acrescentava solenemente o regulamento – «à pergunta do professor corresponde (sic) a resposta do aluno»; submeteram o professor primário ao arbítrio das autoridades administrativas […]»
“Escola “31 de Janeiro”, in Pela Republica: 1906-1908, Lisboa, Editor-Proprietário Bernardino Machado (Coimbra: Tipografia França Amado), 1908.
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AS VANTAGENS QUE DEVE TER
«Permita-se ao professor dar um ensino completo, e ele o saberá dar em toda a sua simplicidade, ele o saberá concentrar e consubstanciar com a vida histórica da nação, não esquecendo que de cada uma das suas lições o aluno deve sair, dia a dia, mais prestante à família e à sociedade.
Integrado o programa, acabe-se com a divisão da instrução primária em dois graus, que só serve para se ensinar mal, num ano só, e tarde, no sétimo ano, aos felizes que prossigam para os liceus, aquilo que a todos, ricos e pobres, urge ir ensinando por todo o período escolar desde o princípio; e assim ter-se-á a um tempo democratizado o ensino primário e poupado à frequência da escola um ano, que hoje se despende em pura perda.
É quase escusado acrescentar que, com a divisão, deve cessar a dualidade de exames, reduzindo-se a um único à saída da escola, perante um júri concílio em que tome parte o professor do examinando, sob a presidência do chefe de circunscrição, e livre do ónus de qualquer contribuição. Alivie-se a instrução primária das despesas com longas e repetidas viagens e com propinas para exame, que hoje lhe roubam a garantia da gratuidade conferida pela constituição.
Não se sobrecarregue de livros a criança! Um livro para cada disciplina na instrução primária, que absurdo e que despesa! Basta um só, o de leitura. Os compêndios são um recurso para quem não tem professor, e não devem substituir-se-lhe.
Já era excessivo o número máximo de alunos para cada professor, e agora ainda mais! Não cabe nas forças de nenhum ensinar eficazmente muito além de quarenta.»
«Instamos junto de Vossa Majestade por que o programa da instrução elementar, sem deixar de ser elementar, seja, no seu tanto, completo.
Nem a aritmética se pode estudar desprendida de uma base de noções concretas, nem os trabalhos manuais fazem sentido sem elas; tão pouco o desenho pode desacompanhar-se da modelação, e a ginástica há-de deixar de incluir o canto. Não se tenha receio de ensinar tudo que é indispensável aprender; tenha-se mas é o mais escrupuloso cuidado de não dissociar as matérias do ensino em lições truncadas e desconexas. A aritmética aprende-se com tudo, é uma lógica que vai encadeando todos os primeiros conhecimentos; com os trabalhos manuais é que conjuntamente se adquirem as noções de coisas, e das formas e movimentos, isto é, os rudimentos da história natural, da geometria e da mecânica; a modelação é um trabalho manual, e o tempo dado aos jogos não é perdido para as mais lições; o desenho, a escrita e a exposição oral não se isolam de nenhum dos outros exercícios, completam-nos; finalmente, toda a vida escolar é uma constante iniciação moral e social. A lei manda ensinar a moral na escola. Pois, com as lacunas do programa, nem disciplina lá pode haver, porque as faculdades da criança lutam, legitimamente, pela existência!»
“O Ensino Primario Depois de 1892”, in O Ensino Primario e Secundario, Coimbra, Typographia França Amado, 1899.
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