sexta-feira, 4 de outubro de 2013
















 
VI
PROCESSO DE ENSINO
APRENDIZAGEM


TEORIA VERSUS PRÁTICA

«O estudo que se faz nas nossas aulas só por livros e palavras, tão longe dos factos! Não deixa no espírito um saber vivo e fecundo, mas apenas uma espécie de sonho vago e estéril.
E que esforço não é preciso para, com as simples observações vulgares, ao alcance ordinário de cada um, se imaginar tudo, de tão longe!»

«E nas nossas aulas crê-se que é pela concentração do espírito sobre as teorias que a ciência progride, e isso não basta: sem novas observações, quase nunca se descobre nada de novo. E, depois, o abuso das teorias chega ao ponto de se pretender arquitectá-las sem factos! Não são teorias, são quimeras.»

“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 46, n.º 4 (Abr. 1899).

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«Como se aprende melhor a fazer uma cadeira? É ouvindo ou lendo como ela se faz; é mesmo vendo-a fazer? Não! É, fazendo-a. Desperdiçar-se-á, ao princípio, muita madeira, é claro; mas nunca se aprenderá, verdadeiramente, senão assim. A instrução oral ou escrita e a instrução demonstrativa não são inúteis, mas têm de fundir-se na instrução prática. E é em tudo assim. Também para se aprenderem os deveres não há como ir tendo e cumprindo. Não se imagine formar o cidadão fora da vida social. Veja-se como todos os cuidados para assim educar os príncipes são frustrados: fazem-se uns déspotas.»

“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 49, n.º 6 (Jun. 1902).

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«Instruídos e incapazes, tal é o estado da maioria dos graduados das nossas escolas. E porquê? Por falta de educação prática. Têm muitos teoremas na cabeça, mas inertes, infecundos, sem serventia. Nem a aprenderam, nem lha acham. Qual é o professor de geometria, por exemplo, que ensina logo pelos mais simples exercícios práticos para o que servem as paralelas?»

“Notas Dum Pai”, In O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 46, n.º 12 (Dez. 1899), pp. 967-973.

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«Ainda não há muito, um professor de astronomia dizia aos discípulos: vejam, vejam por esse óculo, mas não lhe mexam!»

«Não vamos ainda muito longe deste estado: na escola primária, ler, escrever e contar; no liceu, decorar o compêndio; nos cursos superiores, estudar a lição litografada.»

“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 48, n.º 9 (Set. 1901).

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«Ensinar só palavras lembra a parábola da caverna de Platão. É ensinar apenas sombras.»

“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 47, n.º 7 (Jul. 1900).

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A grande, a imprescindível reforma do ensino: ninguém na escola, desde a primária até à superior, ninguém que não tenha uma ocupação, um ofício. Só estudo, não!

“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 49, n.º 5 (Mar. 1902).

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«É impossível a educação sem um ofício.»

“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 45, n.º 6 (Jun. 1899).

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CONTRA O ENSINO VERBALISTA

«Inegavelmente a instrução verbal é necessária: um mundo inteiro, o do espírito, se representa pela palavra. Mas, só pela sua acção sobre o mundo material, é que podemos idear o mundo espiritual; nada, pois, se pode conhecer sem o estudo directo da natureza. O estudo das línguas é muito pouco como estudo real. Não fazendo mais nenhum, o mundo torna-se num mundo de palavras. Sem saber nada, falamos de tudo; vivemos de fórmulas e chegamos a acreditar na virtude mística das rezas. «As coisas antes das palavras» recomendou Pestalozzi.»


“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 48, n.º 9 (Set. 1901), pp. 673-684.



«Que se estuda de física e química nos liceus e até em algumas aulas superiores? Um vocabulário apenas. E o pior é que, porque se fica a falar de uma e de outra, se imagina sabê-las.»

“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 48, n.º 5 (Maio 1901).

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A ESCOLA
LIMITES E VALOR

«Hoje reúnem-se as crianças em escolas, porque se não pode levar o ensino a cada casa. Mas não se esqueça o que há de factício e provisório nesta combinação. É um simples expediente. Não se pretenda fazer da escola um novo mundo para a criança, apartando-a do mundo real. Seria apenas um microcosmo e dele não poderia sair senão também um pequeno homem, um homúnculo.»

“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 47, n.º 11 (Nov. 1900).

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«A escola, efectivamente, é mais do que uma obra de habilidade técnica, é também, como toda instituição pública, uma obra de justiça, de assistência social.»
“À Nação Portuguesa”, “À Nação Portugueza”, in O Ensino Primario e Secundario, Coimbra, Typographia França Amado, 1899.
Representação do Terceiro Congresso do Magistério Primário. Comissão Executiva: Bernardino Machado, Presidente, José Simões Dias, Vice-Presidente, e os Vogais António Figueirinhas, António Justino Ferreira Ferreira, António Sévulo da Mata, Francisco José Cardoso, Frederico António de Andrade, Guilherme José da Silva, Manuel José Felgueiras e Tomás de Oliveira.

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OBJECTIVOS E FINS DO ENSINO

«Ser livre é saber! Toda outra liberdade é fatalmente o desastre na indústria e a desordem na sociedade, toda outra liberdade é a vitória não do direito, não do interesse social, mas exclusivamente da força, ainda que seja a força bruta. Só com a liberdade, que é o saber, se caminha em progresso para a igualdade, para a felicidade.
Qual deve ser o programa do ensino? A escola tem de ensinar como se há-de proceder na natureza e como se há-de proceder na sociedade; tem de definir a liberdade que pertence ao homem perante as forças físicas, e a liberdade que lhe pertence perante os direitos dos seus semelhantes.»

 “O Exercito Libertador: 9 de Julho de 1832: Á Associação Liberal do Porto”, in Homenagens, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1902; tb. in Affirmações Publicas: 1882-1886 – I, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888; tb. “O Ensino”, in O Ensino, Coimbra, Tipografia França Amado, 1898.
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«Sem estudo, não pode haver liberdade nem dignidade de acção; estudo e acção confundem-se mesmo. Cada vez se vai compreendendo melhor que a instrução é o próprio trabalho, e que, como ele, se deve orientar pela suprema lei do universo, que é a lei moral, sob pena de irremediável esterilidade e malogro.»


“Alocução do Presidente do Instituto de Coimbra”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 45 (1898); tb. “A Academia de Coimbra”, in Homenagens, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1902; tb. “Saraus do Instituto”, in A Universidade de Coimbra, 2.ª ed., Lisboa, Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1908.

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«O ensino há-de dar a cada um a instrução naturalista – artística, industrial e científica –, até ao conhecimento do homem físico, ao sentimento da sua beleza e à plenitude da sua acção sobre a natureza, assim como a instrução espiritualista toda – artística, industrial e científica também –, até ao conhecimento da alma humana, ao sentimento da sua beleza e à plenitude da sua acção sobre as outras almas; e há-de elevar toda essa instrução até ao cumprimento do dever, isto é, à mais alta potência da vida.»

“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 47, n.º 11 (Nov. 1900), pp. 721-736.

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MÉTODOS DE ENSINO

«Observar, repetir e conferir as observações, constitui o fundamento de qualquer estudo. Ninguém dúvida dos serviços que presta a experimentação, cujos instrumentos suprem as deficiências dos nossos sentidos, multiplicam-nos, e proporcionam assim uma observação mais a fundo, mais larga e completa, ou mais precisa e exacta. Tão pouco se contesta a importância da simples reprodução dos fenómenos por meio de aparelhos que nos emancipam da natureza, tornando da nossa inteira disposição os seus espectáculos, ainda os mais fugazes e incertos. Por todos estes meios nos vamos assenhoreando da realidade.»

“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 48, n.º 4 (Abr. 1901).

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«Marcha-se do particular para o geral; mas não se confunda o intuitivo com o particular, pensando que uma verdade intuitiva não possa ter uma compreensão geral.»

«O espírito vai do concreto ao abstracto; e do intuitivo ao discursivo. Tal é a ordem que a educação deve respeitar.»

“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 43, n.º 8 (Jun.-Jul. 1896).

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«Não há que estudar primeiro as ciências e depois, por fim, as indústrias. Ciência, arte e indústria devem principiar a estudar-se conjuntamente desde a escola primária. A vocação profissional ir-se-á, progressivamente, afirmando, quer para a indústria ou para a arte, quer para a ciência.»

«Eu mesmo formulei a antecedente concepção pedagógica: observação na instrução primária, indução e generalização na secundária, dedução e especialização na profissional. Mas hoje reconheço o erro. Observação, indução, dedução, aplicação, tudo é preciso desde o princípio, até reciprocamente entre si.»

“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 45, n.º 6 (Jun. 1899).

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«Não se conhecem senão dois processos de educar: exterior, mecânico, pela força do hábito, com prémios e castigos; ou intusceptivo, reflexo, pela disciplina da verdade, a despeito de prémios e castigos.
Rejeita-se este? Como, se não pode querer-se o outro?»


“Política da Instrução. Cartas ao Sr.º J. P. Oliveira Martins, Redactor Principal da Província”, in Affirmações Publicas: 1882-1886, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888;tTb. In O Ensino, Coimbra, Typographia França Amado, 1898.

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«Nem ensino excessivamente geral, sistemático, absoluto, com desprezo dos factos; nem tão intuitivo e minucioso que se façam mosaico de ideias.

“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 43, n.º 8 (Jun.-Jul. 1896).

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«Aboliu-se o exame final da primeira instrução para os alunos internos; mas sem razão, porque os exames não oferecem só um critério de selecção administrativa e social, não são apenas, um meio técnico de inspecção, são também uma condição pedagógica impreterível do bom funcionamento escolar. Mal se avaliará das forças de cada aluno, à sua saída da escola, se o ciclo completo dos seus estudos se não fechar com um exame que prove, sumariamente, o valor da instrução adquirida. Os exames são tão precisos como as repetições, nem delas se diferençam senão em serem grandes repetições. E a justa campanha movida contra eles não significa senão que tudo se desvirtua, e que as reformas que se vêem implantando no ensino para o tornar real e prático, ainda mal atingiram os exames, que continuam, as mais das vezes, a ser palavrosos e vãos.


“À Nação Portugueza”, in O Ensino Primario e Secundario, Coimbra, Typographia França Amado, 1899.
Representação do Terceiro Congresso do Magistério Primário. Comissão Executiva: Bernardino Machado, Presidente, José Simões Dias, Vice-Presidente, e os Vogais António Figueirinhas, António Justino Ferreira Ferreira, António Sévulo da Mata, Francisco José Cardoso, Frederico António de Andrade, Guilherme José da Silv, Manuel José Felgueiras e Tomás de Oliveira.

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O PROFESSOR

«O magistério é um sacerdócio; o professor, o sacerdote.»

Conferencias de Pedagogia: notas”, in Universidade de Coimbra: curso de pedagogia: notas, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1900; tb. “Conferencias de Pedagogia: notas”, in A Universidade de Coimbra, 2.ª ed., Lisboa, Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1908.

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«[…] o ensino é, principalmente, o professor, e, por isso, uma importância capital o provimento das cadeiras nos institutos secundários.»

«O bom professor é a matéria-prima do ensino, e nós o tínhamos procurado sempre que pretendêramos reformar o ensino público.»

“Projecto de Reforma do Ensino Secundário em 1883”, in O Ensino Primario e Secundario, Coimbra, Typographia França Amado, 1899; tb. in Affirmações Publicas: 1882-1886, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888.

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«Não se exagere o princípio de que se aprende, ensinando. Essa é, por nosso mal, a tendência indígena. Todos se julgam, entre nós, aptos para tudo, e estamos continuamente a ver nomeações de professores, que nos espantam. Surpreende-nos que se façam, e não menos que se solicitem ou aceitem. Para ensinar é requisito indispensável a competência técnica; o professor de química, por exemplo, precisa, evidentemente, de ser um químico.
Mas o ensino, senão de profissão, pelo menos acidental, ocasional, é acessível a todos. Temos sempre que aprender uns com os outros, e, mais ou menos vezes, conforme a nossa cultura, também podemos da nossa parte retribuir essas lições. Alguns dos grandes mestres não se distinguiram tanto em qualquer arte, indústria ou ciência, como nesta encarnação moral de todas elas que se chama pedagogia. Exemplo notável: Pestalozzi.
É que para o ensino requer-se mais do que instrução. O professor precisa, sem dúvida, de ser instruído, mas sobretudo de ser bom, de ser um homem de bem.
Não basta ser físico ou geólogo para ensinar. O belo, o útil, a verdade, atraem a si as almas, mas o que as prende e enlaça soberanamente, é a sociabilidade, é a bondade. Porque é que os rapazes se procuram tanto, e tanto gostam de andar juntos? É o enlevo da camaradagem. Por isso, o professor, para conduzir os discípulos, há-de também fazer-se seu camarada, abrir-se expansivamente com eles, amoldar-se-lhes. E não o pode fazer senão afeiçoando-se-lhes, repartindo cordialmente com eles o seu tempo e os seus cuidados, dedicando-se-lhes, sacrificando-se-lhes mesmo. O primeiro condão do professor é a virtude.
E é preciso que ele seja sempre um claro exemplo de dignidade e de abnegação. Não só na aula; dentro e fora dela. Na vida de família e como cidadão.
O ensino é, por sua natureza, acima de tudo, político, e não se pode ser conjuntamente mau cidadão e bom professor.
Como há-de o discípulo esquecer o que o mestre é fora da aula, para o estimar dentro dela? Como há-de querer viver ao seu lado, se não puder honrar-se do seu trato? A aula é sociedade, colaboração, intimidade, e a intimidade dos maus repugna sempre a todos, muito principalmente às almas cândidas da mocidade.
O professor, e, mais que nenhum, o do ensino superior, deve ser radicalmente intransigente com o mal, com a corrupção; e, nem mesmo no interesse técnico do seu ensino, se deve deixar tentar. Se é, só pela complacência, ou, mais exactamente, pela sua cumplicidade com um poder imoral, que acha meio de alcançar exemplares, aparelhos e instrumentos para a sua aula, antes não os ter. Melhoraria materialmente a aula, mas piorava o professor, que é o principal.
Por tudo isto, para o exercício do magistério é imprescindível a experiência moral, o aprendizado do bem. A virtude não se improvisa. Ninguém se habilita em regra para o ensino, que não comece por o servir modestamente, praticando como simples ajudante com mestres já abalizados. E, para ascender a professor de ensino superior, ninguém devia deixar de percorrer a escala desde o ensino primário. Por falta deste tirocínio social é que lastimosamente às vezes se encontram, e até no fastígio do magistério, indivíduos, aliás, talentosos e instruídos, mas socialmente ineptos, infantis.»

“Conferencias de Pedagogia: notas”, in Universidade de Coimbra: curso de pedagogia: notas, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1900; tb. “Conferencias de Pedagogia: notas”, in A Universidade de Coimbra, 2.ª ed., Lisboa, Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1908.

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«Para haver bons professores, só fundando uma escola normal, ou pelo menos abrindo um curso de pedagogia. Assim procedera a Alemanha no princípio do século XVIII, a França de Duruy, e assim queria, presentemente, proceder o Brasil, organizando o ensino modelo no Colégio de D. Pedro II. O bom professor é a matéria-prima do ensino.»


“Projecto de Reforma do Ensino Secundário em 1883”, in O Ensino Primario e Secundario, Coimbra, Typographia França Amado, 1899; tb. In Affirmações Publicas: 1882-1886, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888.


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«O professor precisa de ter talento prático, segurança de acção, uso, para tratar com os discípulos, senão sucede-lhe como aos inexperientes e desastrados, que não pegam em nada que não deixem cair das mãos: os discípulos escapam-lhes. Por isso todo candidato ao magistério devia começar por fazer a sua aprendizagem sob a direcção dum professor já abalizado.»


“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Coimbra, Vol. 47, n.º 7 (Jul. 1900).

«Quantos professores se podiam substituir por fonógrafos! E era muito mais barato.»

“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 48, n.º 6 (Jun. 1901).

«É em nome da lógica que certos professores pretendem que os discípulos pensem como eles, exactamente pela mesma ordem; mas esquecem-se de que é sobre o modo de pensar dos seus discípulos que eles próprios deviam estudar a lógica e rectificar a sua.»


“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 46, n.º 4 (Abr. 1899).


«O método é tudo que há de mais próprio e pessoal do professor de alto ensino, Não lhe pode ser imposto.»

“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 48, n.º 5 (Maio 1901).

«A grande vitória do professor é que o discípulo o dispense. Deve ser essa também a de todos os outros preceptores […]»

“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 48, n.º 3 (Mar. 1901).

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MEIOS DE APRENDIZAGEM

«Quase não existem laboratórios oficiais de investigação; os nossos museus e jardins públicos são poucos e mal dotados. Isto para o estudo do nosso meio. E, para o conhecimento do génio nacional e daquilo que há de original no espírito português, que estudos existem? Nem ainda temos um dicionário completo da língua vernácula, nem sequer sabemos a ortografia em que devemos escrever.
Não há um inventário das riquezas artísticas que o país possui [… ]


«Num país agrícola como o nosso, os estudos do solo são apenas incipientes, e sobre o nosso clima, tão variável, mais importante ainda de conhecer para a nossa agricultura, nenhuns estudos se têm feito, apesar do orador os ter decretado. Também o orador ordenou a estatística das produções agrícolas, assim como a dos produtos dos diversos ramos da nossa indústria, e elas ainda se não realizaram.
E que se tem feito para o estudo político e económico da nação? Não falando no censo da população, se temos para o comércio externo as estatísticas alfandegárias, para o comércio interior há apenas, além da estatística restritamente bancária, por ele mandada fazer, o platónico mercado de produtos agrícolas, e, para o serviço próprio dos ministérios, o centro de informações também por ele criado, mas ainda até agora não aproveitado […]»

«O Estado nem os elementos de estudo que tem fornece à nação. Falou da falta que nos faz um mapa de Portugal para uso vulgar e das escolas; pois mandou-o ele fazer pela comissão geodésica, e esse mapa está pronto na pedra à espera de que um ministro autorize a sua tiragem. Na maior parte dos museus não há catálogos nem designações dos objectos expostos. As informações de que pode dispor, o Estado não as aproveita sequer para acudir às crises do país […]»

“O Estudo do Pais”, in Da Monarchia para a Republica: 1883-1905, Coimbra, Typographia F. França Amado, 1905.

«Os nossos liceus não possuem gabinetes, laboratórios, e os professores estão, portanto, reduzidos a forçar os estudantes à aceitação das classificações e das teorias por mera inferência dos objectos de observação comum. Todos sabemos que este meio de ensino é insuficiente em qualquer parte […]»

«[…] possuir a habilidade micrográfica de a mostrar na intimidade da sua trama. Infelizmente, os nossos compêndios são maus, exceptuados pouquíssimos […]»

«Faltam-nos também compêndios. Esta é uma causa paralela à imperfeição dos programas, porque é de harmonia com eles que os compêndios têm de ser elaborados, são, por assim dizer, enleados neles, mas a influência do livro é muito maior porque é contínua, não larga o estudante senão para o entregar ao professor. Os programas fazem apenas a anatomia grossa da ciência, é o compêndio quem a disseca até os elementos e quem deve possuir a habilidade micrográfica de a mostrar na intimidade da sua trama. Infelizmente, os nossos compêndios são maus, exceptuados pouquíssimos, alguns dos quais andam já esquecidos do mercado como as pequenas obras de ciências naturais do nosso grande professor e grande agrónomo Ferreira Lapa, e outros estão ainda agora aparecendo como os do professor Adolfo Coelho, que só precisavam mais cristalizados na expressão para se avaliarem em toda a sua pureza.»


“O Estado da Instrucção Secundaria Entre Nós”, in O Estado da Instrucção Secundaria Entre Nós, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1882; tb “O Ensino Secundário Antes de 1882”, in O Ensino Primario e Secundário, Coimbra, Typographia França Amado, 1899.

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                                                       O ALUNO


«Como poderá ele por à prova a sua vontade, a sua capacidade para se dirigir, se ninguém o convida ao trabalho livre, se até lho estorvam e proíbem? O aluno é uma actividade receptiva e reprodutiva: escuta e responde; e, falando ou escrevendo, tem ordinariamente que repetir aquilo que ouviu. Nem lhe será lícito interrogar? Cogito-o, com a ansiedade de quem vive com crianças, e sabe como dias morrem por interrogar e quanto são cheias de imprevisto e de novidade as suas perguntas. Já alguém observou que o aluno passa a ser como um fonógrafo, e a comparação não é mal achada. Magister dixit. As mesmas respostas hão-de, a princípio, ser vazadas nos moldes das perguntas.»

«Que uma criança desenvolva a sua resposta em proposição completa, que a explique, sempre que lhe saia menos nítida, sim! Agora em regra! É roubar à aula a maior parte da sua animação e encanto. Quem não conhece o surpreendente poder de expressão dos primeiros anos? A escola não deve ter o intuito de banalizar os espíritos.»

«Sob semelhante regime não se prepara ninguém para ter ideias próprias, mas para, mais ou menos retoricamente, reproduzir por cópia ou imitação as ideias dos outros. Um jornalista, defensor da reforma, perguntava há dias: pretende-se que os rapazes dos liceus vão fazer ciência? Nova, decerto que não; mas têm de achar, de inventar para si a que os outros já possuem. O educando não é apenas uma inteligência que organicamente elabore, assimile e reproduza a lição do mestre, ou, sugestionado pelo mestre, associe ideias e relacione conhecimentos; nele não se reflecte somente a luz do saber dos outros, é sobretudo, ele também, um centro de vibração intelectual. Nem a aula é o lugar por excelência dos estudos. Do ensino, sim; dos estudos, não, e tanto que o mesmo reformador fala de salas de estudo ao lado das aulas. Os alunos têm sobretudo que aprender a dispensar o mestre […]»


“A Reforma do Ensino Secundario em 1895”, in O Ensino Primario e Secundario. Coimbra: Typographia França Amado, 189.; tb. in O Instituto: revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 49, n.º 11 (Nov. 1902).

«[…] nós não entramos numa oficina, os portugueses, em geral, recearão desdourar a sua prole, levando-a lá. O facto é, em resultado, que os professores, não podendo dispor a mocidade estudiosa a que adquira por gestação própria as verdades de indução, habituá-la dessa maneira à actividade reflexa, avigorá-la, enfim, para a acção, incutem-lhe artificialmente fórmulas e hierarquias que lhe entram como se fossem factos de observação, que entram censoriamente com o valor externo de agrupamentos vocabulares, como uma música nos entra pelos ouvidos ou pelos olhos uma paisagem. As relações assim percebidas não são para os alunos associações lógicas de ideias, mas associações acidentais como as de lugar ou de tempo. Vê-se o efeito deste ensino. O estudante fica sem a convicção do que aprendeu, di-lo como pode referir um acontecimento; e, como isso não tem por si assegurá-lo a poderosa mnemónica que advém para uma verdade dela se haver arrancado com todas as suas radículas do mundo concreto, como não tem senão o valor casual de simples ocorrência de aula, passada essa aula, isso esquece-lhe inteiramente. E, que não esqueça logo, fica-lhe estéril na memória, porque não é dado a ninguém fazer aplicação de conhecimentos, senão quando se apropriou deles, quando para os alcançar teve o trabalho de percorrer o caminho indutivo, palmo a palmo, que vai desde os fenómenos até esses conhecimentos; só quem o percorreu todo é que, voltando então em direcção oposta, pode aproximar-se da natureza, ou do domínio que for, aonde queira interferir.»


“O Estado da Instrucção Secundaria Entre Nós”, in O Estado da Instrucção Secundaria Entre Nós, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1882; tb “O Ensino Secundário Antes de 1882”, in O Ensino Primario e Secundário, Coimbra, Typographia França Amado, 1899.


«Nem o professor é um pontífice, nem o discípulo um catecúmeno. Quem, como estudante, andou sempre de rastos, curvando a cada momento a inteligência, a copiar, a decorar e a repetir as ideias e até as palavras do mestre, para acarear as suas boas graças no precário exame final, que admira que, concluído o seu curso de servidão, com um falso diploma que o não habilita para empreender nada por si, vá engrossar a miserável turba de pedintes que estendem humildemente a mão a todos os potentados do dia, por mais ignóbeis que eles sejam? Na obediência passiva ninguém se prepara para as varonis resoluções da vida. Por mais maravilhosa que seja uma máquina pensante, não passa de uma máquina: ela precisará sempre de um condutor que a ponha em movimento. Nós temos de aprender as leis do universo, não automaticamente, para executarmos espectaculosos prodígios de acrobatismo mental, ao mando de ninguém, mas, como homens e não como manequins, para briosamente nos dirigirmos por nós mesmos, pela força viva que também somos, pela nossa vontade.»

“A Universidade e a Nação”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 51, n.º 11 (Nov. 1904); tb. in: A Universidade e a Nação, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1904; A Universidade de Coimbra, 2.ª ed., Lisboa, Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1908; tb. in: Vila Nova de Famalicão: Câmara Municipal, 1983. Reedição facsimilada.




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