sábado, 12 de outubro de 2013

















VIII
O ENSINO SECUNDÁRIO

O ENSINO SECUNDÁRIO ATÉ 1882

«A instrução secundária, como qualquer instituição social, não deve nunca ser apreciada senão historicamente. Por isso eu preciso, para lhe medir o nível no ano passado, de a comparar com o que fora nos outros anos.
Há vinte já que a observo e, em todo este período para mim decorrido desde que comecei a frequentá-la, não acho que ela fizesse progressos senão muito lentos e intermitentes. Nenhum então lhe notei no último quinquénio, que foi quando mais a miúdo intervim nos seus exames finais. Tanto basta para que declare a V. Ex.ª que a não achei no melhor estado no fim do recente ano escolar. Serviço que de ano para ano não melhora e se desenvolve, acusa em si pelo menos indolência, quando mesmo não sofra de algum vício orgânico, ou passageiro ou profundo.»

«Não me demorarei por isso a criticar o plano e sistema da nova prática de instrução secundária. O seu programa continuou a ser deficiente ou excessivo e, no todo e em quase todas as partes, desconexo. Há nela insuficiência de estudos históricos, naturais e sociais, que se prendam, sucessivamente, até à aula primária e graduem a passagem da pura observação dos factos para a sua condensação e interpretação. Há materiais exorbitantes, como, por exemplo, em filosofia racional, a metafísica, a qual parece talhada de molde para o estudante corromper, sem tardança, logo no ano seguinte, as regras do pensar aprendidas na lógica. E há desordem na seriação e arranjo das doutrinas. Não se podem admitir dois anos gastos, à parte o desenho, em abstracções numéricas e algébricas, geométricas, gramaticais, sem outro exame de factos a não serem os factos, por si mesmos ininteligíveis, da glótica. Não se pode admitir que no primeiro ano de estudo concreto, que é já o terceiro ano, os alunos aprendam a física e química antes da mineralogia, botânica e zoologia, como se cada ciência não tivesse a sua cronologia própria e correspondente ao desenvolvimento individual.»

«[…] há vinte anos que os estudos dos liceus progridem pouquíssimo, e há pelo menos cinco que não progridem nada. Têm-se sucedido os programas, e eles na mesma estagnação. É que os programas são muito importantes, fazem parte da alfaia pedagógica, é dentro deles que se há-de efectuar a intuscepção científica, mas são, por si sós, ineficazes, têm só um valor meramente platónico. O que é propriamente impressionante no ensino são as aulas, os compêndios e os professores. Os programas envolvem os estudantes, mas como uma atmosfera fluida e incoercível; o que os pode atrair para o estudo não são eles, é a acção combinada da palavra do professor ou do compêndio com a ilustração dos desenhos, dos exemplares clássicos e dos aparelhos, e sobretudo da própria realidade das coisas observada ou experimentada. O professor, esse, tem até uma missão dominante, posto que não exclusiva. Ele tem não só de exemplificar com os objectos da aula, mas ainda consigo próprio.»






«Um professor que não for justo e crente na justiça, pode saber muito, mas não ensinará nada, porque, traindo a lei do dever, fará desconfiar da solidez e valia de toda outra lei. O entorpecimento da nossa instrução secundária, que, maior ou menor, observo há tanto tempo, resulta, quanto a mim, destes outros factores principais além dos programas.»

«Os nossos liceus não possuem gabinetes, laboratórios, e os professores estão, portanto, reduzidos a forçar os estudantes à aceitação das classificações e das teorias por mera inferência dos objectos de observação comum. Todos sabemos que este meio de ensino é insuficiente em qualquer parte; quanto mais entre nós, que não temos o gosto das exposições públicas, que não as fazemos ou conservamo-las desertas! Quais são os pais que levam, nos feriados, a sua família a visitar os pouquíssimos museus que há no país?»

«[…] nós não entramos numa oficina, os portugueses, em geral, recearão desdourar a sua prole, levando-a lá. O facto é, em resultado, que os professores, não podendo dispor a mocidade estudiosa a que adquira por gestação própria as verdades de indução, habituá-la dessa maneira à actividade reflexa, avigorá-la, enfim, para a acção, incutem-lhe artificialmente fórmulas e hierarquias que lhe entram como se fossem factos de observação, que entram, censoriamente, com o valor externo de agrupamentos vocabulares, como uma música nos entra pelos ouvidos ou pelos olhos uma paisagem. As relações assim percebidas não são para os alunos associações lógicas de ideias, mas associações acidentais como as de lugar ou de tempo. Vê-se o efeito deste ensino. O estudante fica sem a convicção do que aprendeu, di-lo como pode referir um acontecimento; e, como isso não tem por si assegurá-lo a poderosa mnemónica que advém para uma verdade dela se haver arrancado com todas as suas radículas do mundo concreto, como não tem senão o valor casual de simples ocorrência de aula, passada essa aula, isso esquece-lhe inteiramente. E, que não esqueça logo, fica-lhe estéril na memória, porque não é dado a ninguém fazer aplicação de conhecimentos, senão quando se apropriou deles, quando para os alcançar teve o trabalho de percorrer o caminho indutivo, palmo a palmo, que vai desde os fenómenos até esses conhecimentos; só quem o percorreu todo é que, voltando então em direcção oposta, pode aproximar-se da natureza, ou do domínio que for, aonde queira interferir. Sai-se hoje dos liceus sem convicções e sem aptidão.»

O Estado da Instrucção Secundaria Entre Nós”, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1882; tb. “O Ensino Secundário Antes de 1882”, in O Ensino Primario e Secundário, Coimbra, Typographia França Amado, 1899.

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A REFORMA DO ENSINO SECUNDÁRIO DE 1895


«Como em tempo lhe prometi dar a minha opinião sobre a reforma da instrução secundária [a denominada reforma Jaime Moniz-João Franco], mando-lha desde já sumariamente.
Primeiro de tudo, o Estado tem o direito de exigir garantias do ensino particular, mas não de o escravizar. Ora, o novo regime da instrução secundária, impondo os livros da aula, que não são senão o desenvolvimento dos programas em conformidade com o plano de estudos, tolhe de facto toda a iniciativa ao magistério particular. É politicamente a obra reaccionária dum Governo que faz da sua fé pedagógica um dogma e a ninguém consente a liberdade de acção, que é condição essencial ao progresso do ensino. De onde virão de futuro as inovações, se ninguém as pode tentar?
Administrativamente, o ensino secundário tem de ocorrer à educação geral das classes médias e superiores. Pois o reformador não lhe mediu o alcance! Para quem não possa frequentar sete anos um liceu em Lisboa, Porto ou Coimbra, fez a invenção de um curso de cinco anos – sem laço com o ensino médio especial e profissional –, que não serve para carreira nenhuma. Nada mais adequado à economia nacional, especialmente de um País pobre como o nosso! E este curso de diletantismo, para que chegue a todos, espalha-se por todos os distritos.
Já infelizmente se depreende o que a reforma seja como obra pedagógica. Os seus autores mal souberam aproveitar-se das ideias emitidas e trabalhos já feitos entre nós.
Basta notar que, em sete anos de liceu, não haverá uma única hora para exercícios físicos, e, em cinco ou seis anos, nem uma lição ou conferência formalmente consagrada à doutrinação moral. Reduz-se o aluno à passividade de uma inteligência quase só receptiva e reprodutiva, como se diz no directório introduzido no regulamento, onde, entre várias prescrições já muito repetidas nas conferências do nosso magistério primário e várias puerilidades, se manda ter em vista que, «para a transmissão dos conhecimentos materiais (sic), o primeiro meio auxiliar (sic) é a presença dos objectos», esquecendo – no ano de 1895! – a importância superior da demonstração e prática experimental. Que homens hão-de sair deste ensino? Uns ideólogos e declamadores vãos, sem energia e acção para as lutas da existência.»

«O novo programa da instrução secundária omite, imperdoavelmente, o seguinte:
higiene, exercícios físicos, trabalhos manuais, modelação, canto, instrução moral e cívica.
Que homens e que cidadãos se pensa preparar em tanta estreiteza? Onde é que os artistas irão buscar a sua educação geral? Onde a receberão os futuros chefes de em- presas industriais? Ou não se trata disso? Caracteres sãos e viris não são talvez os mais aptos para as lutas da existência. Não precisamos de artistas; e para a indústria continuarão a vir estrangeiros. Perfeitamente!»

“A Reforma do Ensino Secundário de 1895”, in O Ensino Primario e Secundario. Coimbra: Typographia França Amado, 1899; tb. in O Instituto: revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 49, n.º 11 (Nov. 1902).

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OBJECTIVOS E FINS DO ENSINO SECUNDÁRIO

«[…] no liceu o ensino deve ser enciclopédico, fundamental, e, […], a lei deveria limitar-se a afirmar isto, a marcar-lhe a duração até as maiores exigências do nosso mais alto ensino superior de modo que todos os estabelecimentos de ensino superior aproveitassem do secundário os estudos de que carecessem […]»



«O ensino secundário […] é o que, depois do primário, […], se há-de receber para entrar nas aulas superiores ou especiais, é portanto múltiplo, enciclopédico, mas não tem especialidade alguma.»

“Projecto da Reforma do Ensino Secundário em 1883”, in O Ensino Primario e Secundario, Coimbra, Typographia França Amado, 1899, 1899; tb. “Resumo dos Discursos proferidos na Camara dos Senhores Deputados durante a sessão do Projecto de de Reforma da Instrucção Secundaria em 1883, Instrucção Secundaria”, in Affirmações Publicas: 1882-1886, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888.

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«Não prepara o curso secundário só por si para os postos eminentes, não educa para empresas superlativas, como o governo da sociedade, por exemplo; mas dá os princípios em presença dos quais se está habilitado para julgar dos mesmos actos que se não saberia ter praticado, e prepara e educa para as ocupações comuns como são o governo da fábrica, da oficina, da loja, e consolida o governo da família e do homem por si mesmo que já deve ter sido adquirido durante o curso primário. A cada grau de instrução corresponde certa ordem de indústrias. Nestes termos, para a moderna concepção do ensino, a instrução secundária é, caracteristicamente, a escola da indução, como a primária é a escola da observação e a [escola] superior a da dedução.»

“O Estado da Instrucção Secundaria Entre Nós”, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1882; tb “O Ensino Secundário Antes de 1882”, in O Ensino Primario e Secundário, Coimbra, Typographia França Amado, 1899.

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«No liceu não se estudam elementos, mas princípios, […] Ao aluno da escola primária basta-lhe adquirir o princípio de causalidade para coordenar todos os elementos; o da escola secundária superior tem de elevar-se à explicação do universo por meio de um sistema completo de princípios. Por isso a instrução secundária não termina nunca […]»

“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 49, n.º 11 (Nov. 1902).




1 comentário:

paula disse...

Beijinho
Saudades
Pl