IV
INSTRUÇÃO
E EDUCAÇÃO
«O ensino
tem de ser, a seu tempo, instrutivo e educativo. É mesmo pela educação, na
intimidade, do lar doméstico que se inicia a instrução. O amor é o nosso
primeiro mestre: quase que então não vemos nada senão pelos olhos dos nossos
pais; pensamos, sentimos e procedemos como eles. Por isso é tão precária a
sorte dos órfãos, e é sempre arriscado, até para instrução das crianças,
arranca-las cedo demais à educação da família. Quem a pode substituir? Depois,
quando entregues a um professor não basta que ele nos instrua. Nenhum instrui
realmente sem educar. De que vale a nossa ciência, se a nossa verdade não
convencer os outros? De que [servirá] a nossa indústria, se a nossa acção
servir os outros? De que [servirá] a nossa arte, se a nossa emoção não se
comunicar aos outros? Arte, indústria e ciência só podem fecundar-se e
desenvolver-se, humanizando-se, socializando-se. Há acima da verdade
individual, do interesse individual, uma verdade humana, um interesse humano,
um sentimento humano, que os dominam e sem os quais ninguém merece chamar-se
artista, industrial ou homem do saber. E sempre, nas leituras e nas conversas que
fazemos, no nosso trato, não nos instruímos só; instruímo-nos, educando-nos.»
“Um
Dia Memoravel. Na Sessão Solene da Escola
31 de Janeiro Pronunciaram Discursos Notaveis os Drs. Bernardino
Machado, Affonso Costa e Cunha e Costa”, in O
Mundo, Lisboa, Ano 10, n.º 3343 (21 Fev. 1910).
·
«[…] se há
causa que precise defendida, é a da educação; porque é a primacial de todas – a
educação é o viático da alma! […]»
“O Ensino
Primario Depois de 1892”, in O Ensino Primario e Secundario, Coimbra,
Typographia França Amado, 1899; tb. “O Terceiro Congresso do Magisterio
Primario”, in Homenagens, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1902.
·
«A educação é o governo da vontade. A instrução não
basta, diz-se; é preciso, sobretudo, a educação. E é a verdade; porque não basta
a simples instrução automática, faz-se mister também a instrução voluntária. As
nossas faculdades podem desenvolver-se maquinalmente, sob a acção de causas
externas, é mesmo assim que elas se põem em exercício à voz do professor, mas
nós necessitamos também de viver espiritualmente por nós próprios. Indivíduos
há, óptimos para se consultar, muito instruídos, e que, não obstante, entregues
a si, sem alguém que os interrogue, interpele, incita e dirija, ou sem algum
objecto ou acidente que os sugestione, não dão nada. Muitos eruditos sofrem
desta apatia. É por isso que não convém que a criança esteja sempre de mestre
ao lado ou de compêndio adiante; isso paralisa-lhe os livres movimentos. Não
queiram, a todo o instante, entretê-la, ocupá-la; deixem-na, de vez em quando,
só, à sua vontade, pensar, fazer alguma coisa da sua cabeça, que esse tempo de
cogitação e trabalho solitário não é perdido, antes, pelo contrário, ela não
tem outro modo de ir formando a sua personalidade, de se educar. Frequentemente
aquilo que se chama, nas aulas, distracção do discípulo, não é tal, mas sim o
seu poder de contenção interior, que lhe não permite seguir, submissamente,
todo o longo encadeamento de raciocínios da lição oral ou escrita. Não é só a
natureza que reage; reage também a vontade, lutando pela existência. Sucede até
que muitos distraídos são os que mais tarde se demonstram superiores pela sua
originalidade e decisão; ao passo que os mais atentos, que tudo escutam, tudo
têm, e tudo apontam e decoram, não fazendo nunca o mínimo acto de iniciativa,
podem nas escolas cobrir-se de lauréis [sic],
na vida só servem para ser mandados, quando mesmo nem para isso sequer, porque
chega a ser preferível não lhes confiar serviço algum, tantas explicações de
nós exigem, para nem o mais insignificante [serviço] desempenharem afinal por
completo, pela pusilanimidade com que estreitamente se cingem à letra expressa
das ordens recebidas.
Não
se exagerem, contudo, as prerrogativas da educação. Acautelemo-nas da tirania,
até da nossa vontade […] A vontade,
como todos os déspotas, paga a sua violência, enfraquecendo-se. Para a nossa
educação[a vontade] é preliminar indispensável à instrução. Deixemo-nos, de
onde aonde, embeber na vida universal, embalar ou sacudir por ela, contanto,
basta, que não adormeçamos nunca até à letargia ou nos arrebatemos até à
convulsão. Não se leve à concentração ao ponto de a converter em vício, que
nada se veja e nada e se oiça, perdendo-se ocasiões, que muitas vezes não
voltam, de aproveitar impressões e ensinamentos preciosos, só pelo desmando
autodidactivo, antinatural e antissocial, de tudo querer sujeitar às determinações
da vontade. A essa opressão ninguém resiste; e as próprias molas da alma, de
tão tensas, amolgam-se ou estalam e partem-se.
A educação não tem só limites, tem
também a sua lei, que é a lei moral. Devemo-nos conduzir para o bem, que não é
apenas o nosso bem individual, o desenvolvimento harmónico das nossas forças e
faculdades, mas o bem geral, social, universal, para que nos cumpre contribuir
por todos os meios ao nosso alcance, ainda que à custa dos maiores sacrifícios.
A lei é: cada um por todos e todos por cada um.»
“Educação”,
In Encyclopedia Portugueza Illustrada:
Diccionario Universal – IV, Dir. Maximiano Lemos, Porto, Lemos & C.ª,
Sucessores, 1904.
·
«A vontade é a inclinação das nossas faculdades por
sua própria iniciativa. Vem desde o desejo até à inclinação consciente, que é a
vontade propriamente dita.
“Notas Dum Pai”, In O Instituto:
revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 47, n.º 7 (Jul. 1900).
·
«A vontade é tão essencial à alma como a luz a certas
combinações químicas.»
“Notas Dum Pai”, In O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 49,
n.º 4 (Abr. 1902).
·
«A educação é para o progresso das sociedades como a
gestação para a evolução do mundo biológico. Suspensa a gestação, produz-se um
monstro sem condições de viabilidade. Pois não se torna menos monstruosa nem
menos precária a existência dos povos que descuram a educação dos seus filhos!
E quanto mais decaída se acha uma sociedade, tanto
mais necessita de cultura para se elevar ao nível a civilização contemporânea.
Vejam a Prússia. Com os seus campos talados e a
capital ocupada pelos exércitos napoleónicos, com a sua administração
superintendida por funcionários franceses, pôs toda a sua fé e todos os seus
esforços na instrução, e do meio das suas ruínas ergueu a universidade de
Berlim. Aí a têm, que sustenta nas suas mãos a hegemonia da Europa. E ainda
neste instante, no apogeu da glória, a agita apaixonadamente uma questão
escolar.
Mas para
quê citar-lhes exemplos estranhos? A este respeito são eloquentíssimos os
nossos fastos domésticos.»
“A Conservação
do Ministerio da Instrucção Publica”, in A
Conservação do Ministerio da Instrucção Publica, Lisboa, Imprensa Nacional,
1892; tb. in Affirmações Publicas,
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1896; tb. in O Ensino, Coimbra, Typographia França Amado, 1898.
·
«A educação na sociedade corresponde à
hereditariedade na natureza. Como a herança vai fixando na espécie as
multiformes variações dos indivíduos, assim o ensino acumula em cada geração
nova o saber dos antepassados. O homem atravessou no período uterino as fases
orgânicas da sua evolução natural, e vai percorrer no período escolar as
sucessivas civilizações do progresso social. Daqui o carácter eminentemente
maternal da escola: é nela que se opera a gestação do homem culto. Há muito já,
com efeito, que se tornou impossível para o homem, entregue só a si, atingir na
idade própria a cultura do seu tempo.»
“Conselho
Superior de Instrucção Publica”, in O Ensino, Coimbra, Typographia França
Amado, 1898; tb. in Affirmações Publicas:
1882-1886, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888.
·
«A instrução, tinha-lhe eu escrito, é um capital, o
único que está em nós aumentar indefinidamente; mas os capitais, adverte o meu amigo, sem matéria-prima sobre que operem,
não dão juro. De acordo! Simplesmente a instrução, ao tempo que ministra um
capital, instrumento de trabalho, desenvolvendo as faculdades produtoras do
homem, dota-o com conhecimentos, que são a matéria-prima sobre que opera aquele
capital. Não se referia no seu artigo a esta, mas às matérias-primas naturais?
Não conheço meio de as criar e só a ciência é capaz de as descobrir ou
produzir. A sua frase, o revólver do
capital, a instrução, num vazio moral e crematístico, não representa uma
realidade, porque é como se alguém aventasse que se pode instruir, instruir às
direitas, sem com isso suscitar uma melhor aptidão, uma disposição maior para
praticar actos úteis e bons. Os factos
como os das greves e do anarquismo hodierno no meio da crise industrial da
Europa, só a instrução os poderá remediar; só ela dilucidará a nebulose que um saber incompleto criou em
torno das inteligências proletárias.
Não tenho que examinar as opiniões de Pombal e de
Richelieu sobre a missão social do ensino, visto que o meu amigo, que as cita,
logo as rejeita. Causa-me, sim, grande prazer ouvir-lhe: Somos democratas, e o alicerce da soberania popular é sem dúvida alguma
a instrução do povo. Eis a verdadeira doutrina!»
“Política da
Instrução. Cartas ao Sr. J. P. Oliveira Martins, Redactor Principal da Província”,
in Affirmações Publicas: 1882-1886,
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888; tb. in O Ensino, Coimbra, Typographia França Amado, 1898.
·
«A instrução é para o espírito como a nutrição para o
organismo, e a liberdade como a força nervosa que preside às funções de
nutrição.»
“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 46,
n.º 12 (Dez. 1899).
·
»Defendo a liberdade, não esqueçamos que, se ela é o
supremo bem, só tem esse valor pela sua incomparável virtude de associação e
assistência.»
“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 49,
n.º 10 (Out. 1902).
·
«A liberdade e a instrução são solidárias. Nem há,
propriamente, liberdade sem instrução, nem verdadeira instrução que não seja
liberal.»
«A instrução é também virtualmente educação, porque
não há trabalhador que não aspire ao livre exercício das suas faculdades, e a
liberdade é o fundamento da dignidade humana.»
“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 46,
n.º 12 (Dez. 1899).
·
«A questão do ensino é essencialmente uma questão de
liberdade.»
“Governo e Ensino”, in Da
Monarchia para a Republica: 1883-1905, Coimbra, Typographia F. França
Amado, 1905; tb. in Conferencias
Politicas, Coimbra, Typographia Democrática, 1904.
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