terça-feira, 1 de outubro de 2013








IV
INSTRUÇÃO E EDUCAÇÃO



«O ensino tem de ser, a seu tempo, instrutivo e educativo. É mesmo pela educação, na intimidade, do lar doméstico que se inicia a instrução. O amor é o nosso primeiro mestre: quase que então não vemos nada senão pelos olhos dos nossos pais; pensamos, sentimos e procedemos como eles. Por isso é tão precária a sorte dos órfãos, e é sempre arriscado, até para instrução das crianças, arranca-las cedo demais à educação da família. Quem a pode substituir? Depois, quando entregues a um professor não basta que ele nos instrua. Nenhum instrui realmente sem educar. De que vale a nossa ciência, se a nossa verdade não convencer os outros? De que [servirá] a nossa indústria, se a nossa acção servir os outros? De que [servirá] a nossa arte, se a nossa emoção não se comunicar aos outros? Arte, indústria e ciência só podem fecundar-se e desenvolver-se, humanizando-se, socializando-se. Há acima da verdade individual, do interesse individual, uma verdade humana, um interesse humano, um sentimento humano, que os dominam e sem os quais ninguém merece chamar-se artista, industrial ou homem do saber. E sempre, nas leituras e nas conversas que fazemos, no nosso trato, não nos instruímos só; instruímo-nos, educando-nos.»

“Um Dia Memoravel. Na Sessão Solene da Escola  31 de Janeiro Pronunciaram Discursos Notaveis os Drs. Bernardino Machado, Affonso Costa e Cunha e Costa”, in O Mundo, Lisboa, Ano 10, n.º 3343 (21 Fev. 1910).

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«[…] se há causa que precise defendida, é a da educação; porque é a primacial de todas – a educação é o viático da alma! […]»

“O Ensino Primario Depois de 1892”, in O Ensino Primario e Secundario, Coimbra, Typographia França Amado, 1899; tb. “O Terceiro Congresso do Magisterio Primario”, in Homenagens, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1902.

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«A educação é o governo da vontade. A instrução não basta, diz-se; é preciso, sobretudo, a educação. E é a verdade; porque não basta a simples instrução automática, faz-se mister também a instrução voluntária. As nossas faculdades podem desenvolver-se maquinalmente, sob a acção de causas externas, é mesmo assim que elas se põem em exercício à voz do professor, mas nós necessitamos também de viver espiritualmente por nós próprios. Indivíduos há, óptimos para se consultar, muito instruídos, e que, não obstante, entregues a si, sem alguém que os interrogue, interpele, incita e dirija, ou sem algum objecto ou acidente que os sugestione, não dão nada. Muitos eruditos sofrem desta apatia. É por isso que não convém que a criança esteja sempre de mestre ao lado ou de compêndio adiante; isso paralisa-lhe os livres movimentos. Não queiram, a todo o instante, entretê-la, ocupá-la; deixem-na, de vez em quando, só, à sua vontade, pensar, fazer alguma coisa da sua cabeça, que esse tempo de cogitação e trabalho solitário não é perdido, antes, pelo contrário, ela não tem outro modo de ir formando a sua personalidade, de se educar. Frequentemente aquilo que se chama, nas aulas, distracção do discípulo, não é tal, mas sim o seu poder de contenção interior, que lhe não permite seguir, submissamente, todo o longo encadeamento de raciocínios da lição oral ou escrita. Não é só a natureza que reage; reage também a vontade, lutando pela existência. Sucede até que muitos distraídos são os que mais tarde se demonstram superiores pela sua originalidade e decisão; ao passo que os mais atentos, que tudo escutam, tudo têm, e tudo apontam e decoram, não fazendo nunca o mínimo acto de iniciativa, podem nas escolas cobrir-se de lauréis [sic], na vida só servem para ser mandados, quando mesmo nem para isso sequer, porque chega a ser preferível não lhes confiar serviço algum, tantas explicações de nós exigem, para nem o mais insignificante [serviço] desempenharem afinal por completo, pela pusilanimidade com que estreitamente se cingem à letra expressa das ordens recebidas.
Não se exagerem, contudo, as prerrogativas da educação. Acautelemo-nas da tirania, até da nossa vontade […] A vontade, como todos os déspotas, paga a sua violência, enfraquecendo-se. Para a nossa educação[a vontade] é preliminar indispensável à instrução. Deixemo-nos, de onde aonde, embeber na vida universal, embalar ou sacudir por ela, contanto, basta, que não adormeçamos nunca até à letargia ou nos arrebatemos até à convulsão. Não se leve à concentração ao ponto de a converter em vício, que nada se veja e nada e se oiça, perdendo-se ocasiões, que muitas vezes não voltam, de aproveitar impressões e ensinamentos preciosos, só pelo desmando autodidactivo, antinatural e antissocial, de tudo querer sujeitar às determinações da vontade. A essa opressão ninguém resiste; e as próprias molas da alma, de tão tensas, amolgam-se ou estalam e partem-se.
A educação não tem só limites, tem também a sua lei, que é a lei moral. Devemo-nos conduzir para o bem, que não é apenas o nosso bem individual, o desenvolvimento harmónico das nossas forças e faculdades, mas o bem geral, social, universal, para que nos cumpre contribuir por todos os meios ao nosso alcance, ainda que à custa dos maiores sacrifícios. A lei é: cada um por todos e todos por cada um.»

“Educação”, In Encyclopedia Portugueza Illustrada: Diccionario Universal – IV, Dir. Maximiano Lemos, Porto, Lemos & C.ª, Sucessores, 1904.

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«A vontade é a inclinação das nossas faculdades por sua própria iniciativa. Vem desde o desejo até à inclinação consciente, que é a vontade propriamente dita.


“Notas Dum Pai”, In O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 47, n.º 7 (Jul. 1900).

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«A vontade é tão essencial à alma como a luz a certas combinações químicas.»

“Notas Dum Pai”, In O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 49, n.º 4 (Abr. 1902).

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«A educação é para o progresso das sociedades como a gestação para a evolução do mundo biológico. Suspensa a gestação, produz-se um monstro sem condições de viabilidade. Pois não se torna menos monstruosa nem menos precária a existência dos povos que descuram a educação dos seus filhos!
E quanto mais decaída se acha uma sociedade, tanto mais necessita de cultura para se elevar ao nível a civilização contemporânea.
Vejam a Prússia. Com os seus campos talados e a capital ocupada pelos exércitos napoleónicos, com a sua administração superintendida por funcionários franceses, pôs toda a sua fé e todos os seus esforços na instrução, e do meio das suas ruínas ergueu a universidade de Berlim. Aí a têm, que sustenta nas suas mãos a hegemonia da Europa. E ainda neste instante, no apogeu da glória, a agita apaixonadamente uma questão escolar.
Mas para quê citar-lhes exemplos estranhos? A este respeito são eloquentíssimos os nossos fastos domésticos.»

“A Conservação do Ministerio da Instrucção Publica”, in A Conservação do Ministerio da Instrucção Publica, Lisboa, Imprensa Nacional, 1892; tb. in Affirmações Publicas, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1896; tb. in O Ensino, Coimbra, Typographia França Amado, 1898.

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«A educação na sociedade corresponde à hereditariedade na natureza. Como a herança vai fixando na espécie as multiformes variações dos indivíduos, assim o ensino acumula em cada geração nova o saber dos antepassados. O homem atravessou no período uterino as fases orgânicas da sua evolução natural, e vai percorrer no período escolar as sucessivas civilizações do progresso social. Daqui o carácter eminentemente maternal da escola: é nela que se opera a gestação do homem culto. Há muito já, com efeito, que se tornou impossível para o homem, entregue só a si, atingir na idade própria a cultura do seu tempo.»

“Conselho Superior de Instrucção Publica”, in O Ensino, Coimbra, Typographia França Amado, 1898; tb. in Affirmações Publicas: 1882-1886, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888.

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«A instrução, tinha-lhe eu escrito, é um capital, o único que está em nós aumentar indefinidamente; mas os capitais, adverte o meu amigo, sem matéria-prima sobre que operem, não dão juro. De acordo! Simplesmente a instrução, ao tempo que ministra um capital, instrumento de trabalho, desenvolvendo as faculdades produtoras do homem, dota-o com conhecimentos, que são a matéria-prima sobre que opera aquele capital. Não se referia no seu artigo a esta, mas às matérias-primas naturais? Não conheço meio de as criar e só a ciência é capaz de as descobrir ou produzir. A sua frase, o revólver do capital, a instrução, num vazio moral e crematístico, não representa uma realidade, porque é como se alguém aventasse que se pode instruir, instruir às direitas, sem com isso suscitar uma melhor aptidão, uma disposição maior para praticar actos úteis e bons. Os factos como os das greves e do anarquismo hodierno no meio da crise industrial da Europa, só a instrução os poderá remediar; só ela dilucidará a nebulose que um saber incompleto criou em torno das inteligências proletárias.
Não tenho que examinar as opiniões de Pombal e de Richelieu sobre a missão social do ensino, visto que o meu amigo, que as cita, logo as rejeita. Causa-me, sim, grande prazer ouvir-lhe: Somos democratas, e o alicerce da soberania popular é sem dúvida alguma a instrução do povo. Eis a verdadeira doutrina!»


“Política da Instrução. Cartas ao Sr. J. P. Oliveira Martins, Redactor Principal da Província”, in Affirmações Publicas: 1882-1886, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888; tb. in O Ensino, Coimbra, Typographia França Amado, 1898.

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«A instrução é para o espírito como a nutrição para o organismo, e a liberdade como a força nervosa que preside às funções de nutrição.»


“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 46, n.º 12 (Dez. 1899).

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»Defendo a liberdade, não esqueçamos que, se ela é o supremo bem, só tem esse valor pela sua incomparável virtude de associação e assistência.»

“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 49, n.º 10 (Out. 1902).

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«A liberdade e a instrução são solidárias. Nem há, propriamente, liberdade sem instrução, nem verdadeira instrução que não seja liberal.»

«A instrução é também virtualmente educação, porque não há trabalhador que não aspire ao livre exercício das suas faculdades, e a liberdade é o fundamento da dignidade humana.»

“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 46, n.º 12 (Dez. 1899).

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«A questão do ensino é essencialmente uma questão de liberdade.»

“Governo e Ensino”, in Da Monarchia para a Republica: 1883-1905, Coimbra, Typographia F. França Amado, 1905; tb. in Conferencias Politicas, Coimbra, Typographia Democrática, 1904.














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