segunda-feira, 1 de abril de 2013


Ana de Castro Osório 

Com um abraço apertado para o Doutor João Esteves


Interessante carta de Ana de Castro Osório para Bernardino Machado, que se encontrava exilado em La Guardia (Setembro de 1933), participando  o seu afastamento da Cruzada das Mulheres Portuguesas - CMP - e enviando o relatório que efectuou sobre aquela obra.



 

 

 


"A carta de V.Ex.cia acompanhando as preciosas recomendações para o José e Raquel , chegou na 4ª feira. O que é de muito bom agoiro pois na melhor das hipoteses só a esperava na 5ª. Afinal isto só prova o cuidado e o interesse do meu Ex.mo Amigo, o que maior gratidão ainda nos deixa se isso é possível. Assim o José foi muito contente com mais esse apoio moral e, como nem ele nem a mulher, tiveram um momento de descanso pediram-me para agradecer e fazer as suas despedidas a Vs. Ex.cias escrevendo pessoalmente da viagem pois tem 18 dias para descansar, só parando no Recife e Rio. Vão muito esperançados pois do Rio os amigos do José e muito especialmente o escritor Ribeiro Couto  garantem-lhe o caloroso acolhimento do Itamaraty.
Enviei ontem 6 exemplares para a Senhora D. Elzira e para as meninas do ultimo relatório que fiz da CMP  correspondendo ao fim da minha actividade dentro dessa obra magnífica de Vs. Ex.cias no momento da G. Guerra que tanto elevou a Nação. Foram 17 anos de luta e de defesa, que acabaram, como em geral sucede e tem sucedido sempre através de todas as histórias, por ser atraiçoada pelos amigos mais intimos e mais hipocritamente dedicados. Eu, porem, nem tenho a paciência nem a fé na Humanidade que V. Ex.cia tem e resolvi seguir a teoria de Cristo e do nosso amigo Tolstoi, sacudir o pó das sandálias e seguir outro caminho, mas quiz antes deixar a história do nosso esforço durante e após guerra, publicando o relatório à minha custa.
A minha conclusão moral é que os nossos patrícios valem pouco, mas ainda menos do que os homens, as mulheres, incultas e ingratas. Calculem Vs.Ex.cias que uma das amigas intimas dizia na Assembleia - "que diferença há entre mim e a Senhora D. Ana? Ela escreve livros e eu não..." E outra:  "Afinal a obra da CMP resume-se a palavras, palavras, palavras, que mais parecem discursos do Pinheiro maluco. Divertiram-me muito as  pobres mulheres e no meio daquele escandalo indecente  duma minoria desorienteda e desejosa de se apoderar dos bens e rendimentos da nossa obra, só me lembrava aquela resposta de V. Ex.cia tambem numa assembleia semelhante: "O que vocês são é uns canalhas!..."
Mas afinal o que aconteceu foi terem-me feito um grande favor, pois desinteressada desse trabalho social, que tanto tempo me tirava, já consegui organizar o trabalho da minha propaganda de 30 anos de ressurgimento                , que está para publicar e o José levou para ser editado no Brasil, dois livros literarios inéditos, 2 vol. novas edições, tambem romance, novelas e 4 para as crianças lá aprovados e esgotados. Alem do mais que poderei fazer juntando os artigos dispersos. E aqui tenho para copiar o ultimo romance "O mais forte". Afinal é a unica acção que devemos ter, afastando-nos dos anões em serie.
Muito estimei a referencia que  V.Ex.cia fez a um dos meus artigos no Janeiro. Porque estou fazendo com muito interesse esta serie de artigos e -como dizia o Eça - o escritor escreve sempre com o pensamento em determinados leitores, escrevo quase sempre pensando em Vs. Ex.cias. Assim fiquei muito contente com a opinião do meu ilustre e admirado Amigo.
Fico esperando com a maior satisfação a carta prometida da Sra. D.Elzira, mas sem sacreficio para ela, a quem envio saudooso abraço assim como às meninas,
Com muitos cumprimentos do João, Maria, Ana Maria e companheiros, assino-me com a mizade de sempre e profundo reconhecimento"








1 comentário:

João Esteves disse...

Estimado Amigo Dr. Manuel Sá Marques

Mais uma importante carta para se ir percebendo o pensamento de Ana de Castro Osório, cujo percurso político foi algo complexo e só a sua correspondência mais íntima ajudará a compreendê-lo.
Um abraço de muita estima

João Esteves