quarta-feira, 8 de agosto de 2012















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Os rostos da República e A a Z: Bernardino Machado (06)


Ferido até ao íntimo da alma, Bernardino Machado nunca se deixa abater, mantendo uma serenidade irritante, nunca deixando de lutar, através de encontros com políticos ingleses e franceses e através de entrevistas a jornais.
Em Maio de 1918 sofre um rude golpe, quando Londres e Paris reconhecem o governo de Sidónio Pais. Novo golpe o atinge quando a sua filha Maria, morre de pneumonia, em Outubro.
O assassinato de Sidónio, em Dezembro, dá-lhe a esperança de breve regresso à sua Pátria e reintegração no cargo a que nunca renunciara, mas a desilusão causada pelos republicanos foi atroz.
Desiludido, Bernardino Machado renuncia ao mandato presidencial, a 18 de Fevereiro de 1919.
O parlamento conforta-lhe a alma quando considera nulo o acto sidonista da sua destituição violenta.
A Constituição não permitia que Bernardino sucedesse a si próprio e ele não pôde candidatar-se às presidenciais de 1919, abrindo a porta à eleição de António José de Almeida, que permite o seu regresso a Portugal.
Era o único que restava da falange dos velhos republicanos e era tempo para descansar e escrever as suas memórias e aguardar a morte serenamente. Mas não era conjugável com Bernardino Machado. Agora era o seu amor próprio que exigia ser reparado, germinando assim a sua recandidatura em 1923.
Combatendo o sidonismo, reincarnação do Portugal absolutista, autocrático, reaccionário de D. Miguel, de Costa Cabral, de João franco e Pimenta de Castro.
Neste panorama triste, Bernardino representava um passado de glória, reluzindo num Senado, para o qual foi eleito em 1919, no meio de uma obscuridade confrangedora.
É chamado por António José de Almeida para chefiar o Governo, em 1921, tentando uma “concentração das esquerdas” mas sobrepuseram-se ódios e partidarismos exacerbados mas apenas fica nas história por ter levantado o túmulo ao Soldado desconhecido.
Acusado de querer derrubar o Presidente da República, a 21 de Maio sucumbiu para dar lugar a um Governo das Direitas. Desiludido não quis dividir mais os republicanos e rejeita ser senador e deputado até que acontece a noite sangrenta, a 19 de Outubro. Bernardino recusa candidatar-se.
Em 1923, as esquerdas preferiram Teixeira Gomes que já fora seu candidato a Presidente em 1919 mas Bernardino não se conformou com esta “profunda ingratidão” dos seus pares... até que a Direita de Cunha leal lhe oferece apoio a uma candidatura.
Bernardino Machado aceita mas não consegue ser eleito. Nesta nova desilusão, Bernardino perde a sua serenidade e elegância, contra Afonso Costa.
O presidente eleito pediu a demissão de um cargo para o qual não estava preparado e os democráticos não tiveram repugnância em propor Bernardino para o complemento do mandato.
A 11 de Dezembro de 1925, o idoso homem de Estado via-se empossado novamente no cargo de Presidente da República, de que fora esbulhado oito anos antes.
Mas estava escrito que nunca terminaria um mandato... após seis meses de crise social, política e económica em que o parlamento se tornou uma “assembleia de batuque e de chicana permanentes”.
Nos bastidores, as direitas, monárquicos e fascistas conspiravam e provocavam a desordem e o descrédito do bota-abaixo que incitava o exército a tomar o poder.
Bernardino machado não dormia e esperava o começo das férias parlamentares de Junho de 1926 para tratar de substituir o Governo mas não sabia que a conspiração estava tão desenvolvida e ramificada nem que pudesse eclodir tão depressa, com o Marechal Gomes da costa, a partir de Braga.
Veio o 28 de Maio e Bernardino chama ao Governo o general Cabeçadas, renunciando e transferindo para eles as funções presidenciais.
Bernardino não quis pactuar coma ditadura nem com ditadores. Quis ele próprio ir-se embora, sem ser escorraçado. Quem o pode condenar, depois das acusações dos democráticos, em 1917?


Os rostos da República de A a Z: Bernardino Machado (07)



Veio o 28 de Maio e Bernardino chama ao Governo o general Cabeçadas, renunciando e transferindo para eles as funções presidenciais.
Bernardino não quis pactuar com a ditadura nem com ditadores. Quis ele próprio ir-se embora, sem ser escorraçado. Quem o pode condenar, depois das acusações dos democráticos, em 1917?
Em Lisboa, na sua casa, assistiu à queda sucessiva de Cabeçadas e de Gomes da Costa e ao assalto do poder pelos grupos anti-republicanos dos Carmonas e dos Sineis de Cordes e retoma o combate, com os resistentes à Ditadura, com “A política e o poder militar”, primeiro de uma longa série de opúsculos que iniciava a conspiração até ser forçado a abandonar o país em 1927.
Dez anos depois, a situação repetia-se e Bernardino machado partia para Vigo num país que não era o lugar indicado para um ex-presidente democrático.
Em Julho, busca asilo em França, onde reside até 1932.
Aos 76 anos, aquele homem era considerado um perigo para a segurança dos ditadores, iniciando o período mais amargo e duro da sua vida.
As sucessivas amnistias – para branquear o regime ditatorial – excluíam-no sempre, para o forçar a calar-se, a abandonar o combate, a domá-lo servindo-se da sua idade mas não o conseguiram.
Ele e Afonso Costa representam até 1932 a difícil unidade da Oposição à Ditadura, através de panfletos virulentos e certeiros. Dirigiu-se várias vezes aos chefes de Estado, à Sociedade das Nações protestando contra o reconhecimento da Ditadura.
O ódio dos ditadores era tanto que chegaram a prender-lhe os filhos e outros familiares e aplicando-lhes multas exorbitantes de 200 contos.
Estabilizada a República em Espanha, Bernardino aproxima-se da Pátria e fixa-se em L a Guardiã, frente a Caminha, a dois passos do seu rio Minho, de onde se vê Portugal.
O ancião de 80 anos, esperando a morte a todo o momento, sentia-se mais perto da Pátria que nunca quis abandonar, na esperança de visitar clandestinamente familiares, amigos e pisar a sua terra de infância.
Bernardino Machado não afrouxou o seu combate e valeram nesta altura as influências de Afonso Costa junto dos irmãos mações espanhóis para evitar o internamento forçado de Bernardino... que foi obrigado a sair da fronteira e fixar-se na Corunha, em 1935, e Madrid, onde eclode a Guerra civil.
Novo elã anima Bernardino com a resistência republicana e democrática espanhola, antevendo o contágio a Portugal. Mas era necessário sair de Madrid, cidade cerca pelas hostes franquistas, pelo que aos 85 anos se vê forçado a abandonar a casa e viajar para Valência e daí para França, em Outubro, a conselho de Afonso Costa.
O seu combate prossegue mas de modo mais frouxo, com a morte de Afonso Costa, em Maio de 1937, um duro golpe para o ancião.
Com o eclodir da II Guerra Mundial redige um manifesto e Salazar responde com a amnistia que o inclui em Maio de 1940.
Paris caía em Junho, convencendo Bernardino a viajar para Portugal, numa epopeia que Jaime Cortesão narra de forma inesquecível.
É a hora da grande angústia com a queda de França, numa fuga de comboio em terceira classe, apinhada, incómoda, que traz um ancião que encarnava um século de história e voltava à Pátria após treze anos de exílio.
Era o momento da traição que a Pátria lhe preparara: ao chegar à fronteira de Vilar Formoso, é detido e levado para uns infectos cárceres em Lisboa.
Depois de um violento telegrama enviado a Salazar, este desterra-o para uma residência a norte do rio Douro.
A 29 de Junho parte para Paredes de Coura, onde tinha casa e bens e é entre o Porto e Coura que viver os últimos quatro anos de vida, vivendo a dor de perder a companhia da mulher, momentos antes da alegria da entrada dos Estados Unidos e da União Soviética na II Guerra Mundial e das primeiras grandes vitórias dos aliados.
Em Meados de Abril de 1944 é internado num Hospital do Porto, vindo a falecer no penúltimo dia desse mês, rejeitando qualquer homenagem dos ditadores portugueses.
Era a grande e profunda lição da sua vida: o combate à opressão sem tréguas, em todas as suas formas, a luta permanente pela liberdade e pela democracia, assente na lei da solidariedade humana, na prática da justiça e na dedicação com a Pátria. Mesmo na morte, “não faltou ao Juramento que fizera como Presidente da República portuguesa” – escreve Oliveira Marques.



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