terça-feira, 25 de janeiro de 2011





Memórias
de
Bernardino Machado




Meu primo António (António Barros Machado), poucos anos antes do seu falecimento, enviou-me cópias dos textos ditados por meu Avô a familiares, com recordações da juventude. São dois escritos, que devem ter sido depositados na Fundação Mário Soares, pelo sobrinho e afilhado de meu primo, após o seu falecimento.





Reproduzimos, hoje, o primeiro texto: -

Brasil - "Trecho de memórias ditado por Bernardino Machado a seu neto António, muito provávelmente em La Coruña, em Outubro de 1935".

"As minhas mais antigas impressões de família são dos meus Avós maternos. Fui para casa deles na rua do Núncio, tinha eu 4 para 5 anos, quando, creio, meus Pais, em 1855, vieram a Portugal para visitar minha Avó paterna, Joaquina, que estava doente. Minha Avó materna, Maria Manuela de Lima, todos lhe queriam, como a uma santa. Era duma grande beleza. O Gonçalves Crespo, quando viu um retrato dela que suponho que deve estar na casa da viúva do meu primo Carlos Brandão, exclamou: é uma beleza espanhola! Nascera na Coritiba, capital da província de Paraná. A família Machado Lima era lá das mais antigas. O seu último governador da monarquia foi Vicente Machado, cuja viúva e cujas filhas vim a conhecer quando ministro no Rio de Janeiro. Por sinal que se deu um fenómeno de telepatia curioso. O Dr. Vicente Machado, passando por Lisboa para ir para França consultar um médico especialista, deixou na nossa capital, num colégio da R. de Buenos Aires as filhinhas. Nesse colégio andavam, fazendo também os seus primeiros estudos, meus filhos Inácio e Bento. E este, um dia, disse-nos: há lá uma menina de quem gosto muito. Era uma das primas. Elas lembravam-se ainda dos dois sem tão pouco saberem que eram parentes. Minha Avó Maria Manuela era viúva, quando, residindo na cidade de Rio Grande do Sul, meu Avô a conheceu. Teve do 1º matrimónio 2 filhos, um, capitão de navio, que morreu muito novo, num naufrágio, e minha Tia Joaquina, que, casando no Rio de Janeiro com Agostinho Dionísio dos Santos, natural de Lisboa, veio com ele residir na rua ocidental do Passeio Publico, nº. 96. Não tiveram filhos e adoptaram um preto, Adão, e uma preta, Beatriz, que foi sempre dedicada companheira de minha Tia. Estes meus Tios viajaram muito pela Europa e era um gosto sobretudo conversar com minha Tia, de grande talento e grande atracção pessoal. Infelizmente ensurdeceu ainda bastante nova, mas incomodava-se com as pessoas que imaginavam fazer-se ouvir, falando muito alto, adivinhava tudo o que lhe dizia quem pronunciasse bem as palavras. Era o que eu procurava fazer e ela travava conversação comigo, ouvindo-me perfeitamente. Tinha belos álbuns de viagens, cujas narrativas fazia com o maior encanto. . Muito brasileira, acompanhava com extremo interesse a vida da sua pátria. Quando foi da vitória do Brasil sobre o Paraguay, nomeou-se na academia de Coimbra uma comissão para ir felicitar o ministro brasileiro em Lisboa, sendo incumbidos dessa missão 5 brasileiros natos, os Lisboas – Alfredo e Eduardo – o Monteiro, o Pareto e eu. Fui o redactor da mensagem, que deu muito contentamento a minha Tia quando lha li. O pai do Monteiro acompanhou-nos, hospedando-se todos no Hotel Borges, no Chiado, excepto eu, que fui ficar em casa de meus Tios. Por essa ocasião, o Sr. Maurício Fernandes – irmão do administrador da Imprensa da Universidade, Olímpio Nicolau Perry Fernandes – que tinha a seu cargo uma direcção da Imprensa Nacional, apresentou-me a uma família italiana, dona da fábrica de fósforos Osti. Cada fósforo dava luz para, na cidade baixa, se subir até ao último andar dos prédios pombalinos. O prato principal do jantar que me ofereceram foi um preciosíssimo “macaroni”. Um dos anfitriões tinha velado a noite para o preparar com toda a proficiência. Depois do jantar fui ter com os meus companheiros ao H. Borges, mas subi tão depressa a Calçada do Combro que senti uma dor tão forte sobre o coração, que mal podia respirar quando cheguei ao hotel. Ao entrar, cantava uma rapariga com voz dolente, acentuando muito as vogais: - linda entre mil,
mulher sem par
paixão febril me fez brotar, etc.
Chamou-se um médico hospedado no hotel, o Dr. Pereira Dias, lente da Universidade, par do Reino, de Rezende. Mas eu quis ir logo para Coimbra, para lá me tratar com o meu excelente médico Dr. Meireles, lente de Medicina. E todos voltaram comigo. Ainda no comboio precisei de ir à janela para respirar, mas em poucos dias me reestabeleci. Sucedeu porém que, indo à Baixa, à Livraria Melquiades, vejo, em cima dum mostrador, o último número do Diário de Notícias com um folhetim de Júlio César Machado, intitulado “Tasso”. Leio as primeiras linhas, em que vinha a notícia da morte do grande actor, com o pormenor de que ele , ao subir a Calçada do Combro, levara a mão ao peito, sentindo uma grande dor. Salto logo ao fim do folhetim para saber de que tinha morrido. Fora duma “angina pectoris”. Comovi-me tanto, empalidecendo a ponto de outros estudantes que ali estavam me levarem em braços até á Ponte do Mondego, para tomar ar. Caí de cama e estive uns 15 dias doente."


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