sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
terça-feira, 28 de dezembro de 2010
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
O Dr. Amadeu Gonçalves, no seu blogue de hoje - literatura&filosofia, transcreve do jornal "O Mundo", de 1 de Fevereiro de 1910, o noticiário referente à reunião do Partido Republicano.
http://litfil.blogspot.com/
Sempre gentil juntou umas palavras cordiais! Um abraço de gratidão!
Acrescento o que veio a lume, sobre o mesmo acontecimento, na Ilustração Portuguesa:
domingo, 26 de dezembro de 2010
Com a devida vénia, transcrevemos mais um texto, para o estudo da "Academia de Estudos Livres", onde se faz referência ao relatório apresentado por Albertina dos Santos Cordeiro, responsável pela direcção da Escola Maternal, anexa à Academia (1912-1913)
IMPRENSA DE EDUCAÇÃO E ENSINO, UNIVERSIDADES POPULARES E
RENOVAÇÃO PEDAGÓGICA
Joaquim António de Sousa Pintassilgo
Universidade de Lisboa
RESUMO
O ambiente cultural português do final do século XIX e primeiras décadas do século XX foi propício ao desenvolvimento das preocupações com a educação popular. A crença de raiz positivista no papel decisivo da educação e da cultura como fonte de progresso e regeneração social, o investimento político republicano, considerado inseparável do combate contra o analfabetismo, e o labor cultural de pendor iluminista da maçonaria são algumas das condições que favorecem a afirmação de um discurso que coloca o povo e a sua educação no centro do debate político e social. A educação e a cultura surgem, assim, como peças chave da formação de um cidadão consciente e participativo e da construção de uma sociedade nova, sem lugar para a ignorância e para os preconceitos, crença esta que se torna uma das grandes referências míticas desse momento histórico e cultural. Nesta conformidade, vai conhecer a luz do dia todo um conjunto de experiências nos terrenos da educação popular e da divulgação científica e cultural, de que são exemplos a Liga Nacional de Instrução, a Liga de Educação Nacional, a Associação de Escolas Móveis pelo Método de João de Deus e as Universidades Livres e Populares, entre muitas outras. Dessas instituições é parte integrante a Academia de Estudos Livres, objecto do nosso estudo, fundada em 1889 e que se define, a partir de 1904, como Universidade Popular. Esta associação assegura o funcionamento da Escola Marquês de Pombal
(que possui ensino diurno e nocturno, este último destinado a adultos), para além de dinamizar actividades diversificadas na área da chamada extensão cultural, de que é exemplo a realização de cursos (com carácter lectivo ou livre), conferências e visitas de estudo. Entre os promotores destas iniciativas encontramos algumas das figuras de referência do campo pedagógico português, como Bernardino Machado, Adolfo Coelho e Álvaro Viana de Lemos. A Academia dedicou-se também à edição de publicações, com destaque para os Anais da Academia de Estudos Livres - Universidade Popular (1912-1916), uma espécie de órgão da associação, que contém artigos sobre temáticas e práticas educativas então consideradas relevantes ou inovadoras, tais como o combate ao analfabetismo, a educação moral, a higiene escolar, a educação física, a educação pela arte, as festas escolares e a formação de professores. Os Anais contêm ainda informações sobre as actividades desenvolvidas pela Academia e informações bibliográficas. Outra publicação produzida no âmbito desta instituição foi o periódico estudantil
A Mocidade (1910-1911), formalmente propriedade de um Núcleo de Instrução da Academia de
Estudos Livres, expressando preocupações atinentes à educação moral e cívica dos seus jovens alunos e contribuindo, igualmente, para o conhecimento das actividades aí desenvolvidas. Além das referidas publicações periódicas, a Academia foi ainda responsável pela edição de separatas das mesmas e de outras obras. É este conjunto de objectos impressos – em particular os Anais da Academia de Estudos Livres – Universidade Popular e A Mocidade – que constitui o corpus documental que serve de fonte à presente pesquisa. O período de vida da instituição aqui em análise é o delimitado pelas datas extremas das publicações em questão – 1910 e 1916 -, ou seja, a fase inicial e mais dinâmica de recém instaurada República portuguesa. Através da presente comunicação pretendemos caracterizar o projecto de educação popular desenvolvido sob o impulso do republicanismo (de feições várias) e, simultâneamente, reflectir acerca da dimensão pedagógica desse projecto, na sua relação com o ideário renovador então em fase de afirmação, para além de avaliar o seu contributo para a formação do campo pedagógico português.
TRABALHO COMPLETO
1. Introdução
O ambiente cultural português do final do século XIX e primeiras décadas do século XX foi propício ao desenvolvimento das preocupações com a educação popular. A crença de raiz positivista no papel decisivo da educação e da cultura como fonte de progresso e regeneração social, o investimento político republicano, considerado inseparável do combate contra o analfabetismo, e o labor cultural de pendor iluminista da maçonaria são algumas das condições que favorecem a afirmação de um discurso que coloca o povo e a sua educação no centro do debate político e social. A educação e a cultura surgem, assim, como peças chave da formação de um cidadão consciente e participativo e da construção de uma sociedade nova, sem lugar para a ignorância e para os preconceitos, crença esta que se torna uma das grandes referências míticas desse momento histórico e cultural.
Nesta conformidade, vai conhecer a luz do dia todo um conjunto de experiências nos terrenos da educação popular e da divulgação científica e cultural, de que são exemplos as Universidades Livres e Populares (Sampaio, 1975; Fernandes, 1993; Bandeira, 1994; Neves, 1997; Marques, 1999), entre muitas outras. Dessas instituições é parte integrante a Academia de Estudos Livres, objecto do nosso estudo, fundada em 1889 e que se define, a partir de 1904, como Universidade Popular. Esta associação assegura o funcionamento da Escola Marquês de Pombal (que possui ensino diurno e nocturno, este último destinado a adultos), para além de dinamizar actividades diversificadas na área da chamada extensão cultural, de que é exemplo a realização de cursos (com carácter lectivo ou livre), conferências e visitas de estudo.
A Academia dedicou-se também à edição de publicações, com destaque para os Anais da Academia de Estudos Livres – Universidade Popular (1912-1916), uma espécie de órgão da associação, que contém artigos sobre temáticas e práticas educativas então consideradas relevantes ou inovadoras, tais como o combate ao analfabetismo, a educação moral, a higiene escolar, a educação física, a educação pela arte, as festas escolares e a formação de professores.
Os Anais contêm ainda informações sobre as actividades desenvolvidas pela Academia e informações bibliográficas. Outra publicação produzida no âmbito desta instituição foi o periódico estudantil A Mocidade (1910-1911), formalmente propriedade de um Núcleo de
Instrução da Academia de Estudos Livres, expressando preocupações atinentes à educação moral e cívica dos seus jovens alunos e contribuindo, igualmente, para o conhecimento das actividades aí desenvolvidas (Nóvoa, 1993). Além das referidas publicações periódicas, a Academia foi ainda responsável pela edição de separatas das mesmas e de outras obras.
É este conjunto de objectos impressos – em particular, no que diz respeito ao presente texto, os Anais da Academia de Estudos Livres – Universidade Popular – que constitui o corpus documental que serve de fonte à pesquisa. O período de vida da instituição aqui em análise é o delimitado pelas datas extremas da publicação em questão, ou seja, a fase inicial e mais dinâmica de recém instaurada República portuguesa. Pretendemos, com este trabalho, caracterizar o projecto de educação popular desenvolvido sob o impulso do republicanismo (de feições várias) e, simultaneamente, reflectir acerca da dimensão pedagógica desse projecto, na sua relação com o ideário renovador então em fase de afirmação, para além de avaliar o seu contributo para a formação do campo pedagógico português.
2. A “educação popular” como finalidade da Academia de Estudos Livres
No artigo de apresentação da revista – «Ao público» – os responsáveis da mesma afirmam taxativamente: “O alvo é – a educação do povo”1. No texto de divulgação duma conferência de Pedro José da Cunha sobre um tema científico – «A lua» – assume-se o “benemérito empenho de fazer progredir a educação popular”. No anúncio de um curso sobre «História universal», orientado por Agostinho Fortes, dá-se conta da intenção de publicar na revista “extractos das lições, a fim de que fiquem devidamente arquivados tão excelentes trabalhos de vulgarização científica”. E conclui-se: “Reputamos os conhecimentos históricos indispensáveis para a educação do povo”. Ao relatar – numa secção sobre a história da Academia – uma sessão literária dedicada a Gil Vicente, a qual teve como conferente Teófilo Braga e que incluiu, ainda, a leitura de textos da Farsa de Inês Pereira por alunos do então Liceu da Lapa, considera-se ter sido aquela “a primeira vez que em Portugal se tentou a leitura duma obra prima da nossa literatura como meio de propaganda educativa do gosto público”.
Em artigo da autoria de Joaquim Cardoso Gonçalves, que relata uma visita ao Museu das
Janelas Verdes (actual Museu de Arte Antiga), afirma-se: “um museu é sempre precioso elemento de educação popular”. Finalmente, os Estatutos da Academia, reformulados em 1904 – a partir de uma primeira versão de 1889 –, consideram que a mesma se destina “em geral, a desenvolver o gosto pelo estudo, pela ciência e pela arte” e “em especial, a proporcionar aos sócios o conhecimento das ciências e das artes”.
Como nota Rogério Fernandes (1993), vemos, deste modo, “desenhar-se uma concepção enriquecedora da educação popular” e “o contorno de uma «pedagogia» diferenciada para os adultos”, ao mesmo tempo que se regista “uma afirmação vigorosa do valor social da ciência e da sua difusão” (p.11). Tendo como referência o projecto de educação popular,
Marlène Neves (1997) pergunta: Trata-se de “educação do Povo, para o Povo, ou de qualquer modalidade de domesticação” (p.2). Esta interrogação remete-nos simultaneamente para a complexidade e para a ambiguidade quer da noção de povo quer da expressão educação popular.
No caso em estudo fica claro que se trata de uma criação de intelectuais de raiz iluminista que, entre o final da monarquia e a república, investem na promoção cultural e cívica dessa entidade vaga e transversal a que chamam povo, elevando-o “ao nível dos povos cultos”. Essa promoção passava pelo acesso à cultura letrada, até aí privilégio das elites, mas que se procurava tornar acessível a todos. De acordo com Cardoso Gonçalves, pretende-se “chegar até o povo que já não pode frequentar as aulas, pela extensão universitária e pelas universidades populares, por outros muitos processos de cultura”8. Daí as conferências sobre temas literários e científicos, as visitas a monumentos e museus, os concertos, etc. A expressão “vulgarização científica” é, a esse respeito, esclarecedora. Acredita-se, genuinamente, que é possível ensinar tudo a todos, como se acredita na possibilidade de modelar o “gosto público”.
3. O carácter de Universidade Popular da Academia de Estudos Livres
No relatório da direcção relativo ao período 1912-1913 afiança-se que “a Academia de Estudos Livres tem tido sempre em mente realizar a sua missão de Universidade Popular”.
Como já vimos, pelos Estatutos de 1904 essa expressão é mesmo acrescentada à sua denominação. É o referido relatório, não obstante, que dá conta do carácter ambivalente da instituição, decorrente da incorporação da Escola Marquês de Pombal, considerada, a partir do mesmo ano, uma Secção da Academia de Estudos Livres. Aí se afirma ser a essa componente “que [a Academia] dedica, neste momento, quase exclusivamente, todas as suas atenções”. E acrescenta-se:
Esta parte do programa é a que mais colide com o papel de universidade popular que a Academia deseja ter. Se atendessemos aos princípios não deveríamos preocupar-nos com as aulas da índole das que estabelecemos. Isto é bem sabido de todos. Mas a verdade é que para tal caminho fomos impelidos pelas circunstâncias. E a verdade é que a Academia tem prestado relevantes serviços com a prática dessas aulas. Parece, pois, que, por enquanto, devemos continuar. Mais tarde, em melhor casa e melhor sítio, remodelaremos os serviços conforme indicámos no capítulo anterior, ficando a secção de aulas completamente separada da secção que constituiria propriamente a UNIVERSIDADE POPULAR.
O Parecer do Conselho Fiscal vai no mesmo sentido da assumida pela Direcção. Aí se considera que “a Escola Marquês de Pombal foi uma pesada herança para as condições financeiras da Academia”. No entanto, o Conselho considera que “dentro do espírito educativo da Academia estava a missão de fornecer conhecimentos regulares de escola aos alunos que dela carecessem e suas famílias”. Por isso, a solução terá de passar pela aquisição de “uma casa mais ampla” e pela “separação das funções da Academia entre aulas profissionais e cursos, e conferências de vulgarização, constituindo propriamente a Universidade Popular”. Numa e noutra das vertentes, a avaliação é muito positiva:
Realizou 12 conferências, 6 visitas de estudo, 2 sessões solenes, uma sessão de propaganda e outra de arte, 1 concerto musical, 2 festas da árvore, 1 festa escolar e 1 passeio fluvial...
A importância dessas matrículas para 12 disciplinas em aulas nocturnas, avalia-se pelo número de 522 com uma frequência de 341 alunos, dos quais 256 do sexo masculino e 85 do sexo feminino, exercendo diversas profissões em número de 29. Além disso, a aula diurna de instrução primária tem 114 matrículas”.
As reflexões e informações anteriormente apresentadas mostram que os dirigentes da
Academia estavam bem cientes de qual o papel a desempenhar pelas Universidades Populares e qual a sua especificidade. Estas tinham em vista a educação permanente dos adultos, não a sua alfabetização nem a educação escolar dos jovens. Os seus meios de acção eram, preferencialmente, as conferências, os cursos livres, as visitas de estudo e a biblioteca, ou seja, a vulgarização científica e cultural, não as aulas tradicionais. As condições do país – com uma população jovem maioritariamente não escolarizada - forçavam, no entanto, a Academia a “concorrer para o melhoramento dos costumes [também] por meio do ensino, ainda aplicado à primeira infância pelos processos modernos”. No caso português, como nota Marlène Neves (1997), nem sequer há uma clara distinção conceptual entre as Universidades Livres e as Universidades Populares.
4. A “escola moderna” nas páginas dos Anais da Academia de Estudos Livres
Nas palavras de um dos articulistas dos Anais – o médico Francisco Morais Manchengo
– “a escola moderna tem um papel social incomparavelmente mais largo que a escola do passado: hoje exige-se-lhe que, não só instrua os seus discípulos, como os prepare completamente para a vida moderna”14. O que aqui nos importa sublinhar é que este tipo de dicotomias – no caso, “escola moderna” versus “escola do passado” – marca alguma presença nos discursos presentes na revista, como presentes estão, igualmente, abundantes referências a lugares-comuns e slogans do movimento de renovação pedagógica então em fase de afirmação.
Exemplar, a esse respeito, é o relatório apresentado por Albertina dos Santos Cordeiro, responsável pela direcção da Escola Maternal anexa à Academia de Estudos Livres, e relativo ao ano lectivo de 1912-1913, relatório esse publicado na revista. Sobre a organização do horário escolar afirma a autora:
O horário que organizei não se afasta do que é geralmente adoptado nos estabelecimentos similares estrangeiros, o qual, obedecendo às mais rigorosas prescrições higiénicas, como é confirmado pela opinião de muitos médicos escolares, não deixa de satisfazer aos princípios duma educação integral.
A anterior citação não só dá conta da vontade de ter em conta as experiências estrangeiras consideradas exemplares, mas é igualmente expressão da presença, no discurso pedagógico, de uma fonte de legitimação médica, a par das preocupações de tipo higienista. Para além disso, destaque-se a referência ao paradigma da educação integral, uma presença constante no pensamento pedagógico renovador. Daí decorrem, segundo a autora, períodos curtos de trabalho, para as disciplinas que obrigam a um maior esforço intelectual, separados por intervalos regulares. Além disso, há uma concentração dos “exercícios que pedem mais atenção” na parte da manhã, sendo a parte da tarde dedicada a outras actividades, tais como os trabalhos manuais, que não representam realmente trabalho, mas antes divertimento, já que deve ser esta “a sua principal preocupação”; o canto coral – a “vida” e a “alegria da escola”; os jogos livres e dirigidos, no sentido de “aperfeiçoar os sentidos, desenvolver os músculos e fazer despertar o espírito de lealdade, gratidão e amor”. Do currículo fazem ainda parte uma iniciação à leitura, à escrita e à geografia, para além das chamadas “lições de coisas” – expressão ambivalente que recobre um dos procedimentos mais em voga no seio das correntes renovadoras –, a partir dos “diversos objectos que as rodeiam” e tomando assuntos das áreas da botânica, da zoologia e da agricultura. A autora considera-as “um dos mais interessantes ensinos das escolas maternais”.
Albertina Cordeiro mostra-se, ainda, em consonância com os esforços no sentido, por um lado, da profissionalização da actividade docente e, por outro, da valorização da educação de infância, tendências estas que caracterizam o período. Segundo diz, cada classe está entregue a uma professora, e não a uma “servente” – usando a terminologia de então -, pois isso seria, na sua opinião, “falsear o princípio fundamental da escola maternal, que é a educação”. Ainda que essas funcionárias possuam “belas qualidades pessoais, não podem, por falta da devida preparação, ser o que nós consideramos uma educadora”. Ou seja: só pode ser boa “educadora” quem teve uma formação especializada para desempenhar tal função, mesmo quando, no caso da “escola maternal”, as qualidades que a definem são, segundo a autora, “a mãe boa, terna e inteligente”, o que não deixa de nos remeter para a permanente inter-penetração entre as dimensões pessoal e profissional no que se refere à actividade docente, ainda mais visíveis neste nível de ensino17.
A co-educação, outra das marcas distintivas das experiências inovadoras do período, é praticada na “escola maternal” da Academia de Estudos Livres, o que contrasta com a timidez dos passos dados para a sua generalização, mesmo no contexto do Portugal republicano.
Segundo a directora, “a nossa escola é mista no mais amplo sentido da palavra”, uma vez que não há separação de géneros em nenhum dos lugares da escola nem se pretende impor às crianças qualquer concepção sobre esse tipo de diferenciação. De acordo com o que se afirma, “não há rapazes nem raparigas – há crianças”.
A consciência das finalidades integradoras e normalizadoras da educação infantil está bem presente no discurso de Albertina Cordeiro:
Conquanto pareça fastidioso dizer e redizer que a escola maternal é o conjunto de bons hábitos, é indispensável convencermo-nos de que a criança não vai para ali para ser um pequenino e ridículo sábio – vai para se tornar vigoroso, pela prática dos bons preceitos higiénicos, vai para adquirir hábitos de ordem, para se disciplinar com a prática repetida de bons hábitos materiais, para conquistar o amor ao trabalho, para saber viver com os seus colegas, respeitar e amar seus pais e professores, para se interessar pelas felicidades das pessoas com quem vive, tomar parte nos seus desgostos, para auxiliar os seus semelhantes em tudo quanto possa, para se acostumar a amar o bem e ter horror ao mal, enfim, para se tornar forte, inteligente, bom e belo. Eis os fins essenciais da escola maternal.
A enfatização daquilo a que a autora chama “bons hábitos” dá bem conta da dimensão moral dum projecto que aspira à “regeneração das crianças” pela via da educação infantil20. Os referidos “bons hábitos”, onde se incluem a ordem, a disciplina e o amor ao trabalho, confirmam a sua perfeita adequação aos valores liberais do republicanismo, mas também a sua funcionalidade no âmbito de um projecto global de governo dos indivíduos através da construção (logo a partir do jardim de infância) da sua subjectividade. Algumas das referências finais do texto não deixam de poder ser articuladas com a noção de solidariedade, valor central no quadro do projecto de construção de uma moral laica alternativa à do catolicismo. A crítica, de inspiração “rousseauniana”, à figura do “pequenino e ridículo sábio”, remete não só para o ideal de educação integral – tornar o jovem “forte, inteligente, bom e belo” –, mas também para o relativo anti-intelectualismo das correntes renovadoras.
Na conclusão do seu texto, Albertina Cordeiro sublinha o carácter inovador da experiência que dirige, ao considerar que ela evoluiu “a par das dos países que caminham na vanguarda do ensino” e, apesar de reconhecer a influência froebeliana, reafirma a sua originalidade e especificidade nacional, aqui em consonância com a retórica patriótica que é uma das imagens de marca do discurso pedagógico republicano.
A referência, nas páginas dos Anais, a outras instituições escolares prende-se com a crença na possibilidade de generalizar as inovações através da divulgação de exemplos modelares (tanto de escolas como de práticas), em contraponto à crítica das práticas consideradas negativas. Um exemplo é a sequência de dois artigos, assinados por António
Alfredo Alves, militar e professor do Instituto Feminino de Educação e Trabalho (Odivelas), dedicada ao tema dos asilos femininos em Portugal e escrita após visitas do autor a diversas dessas instituições. Num balanço geral, Alfredo Alves afirma o seguinte:
A impressão que me ficou das visitas que fiz a estas casas foi a de que as respectivas direcções pensam muito a sério em resolver o problema da educação da mulher do povo, preparando a criança desvalida para as lutas da vida, a fim de que no meio em que mais tarde tem de viver possa ser um elemento de valor social e não um elemento perturbador e inútil...
Era dever de todos fazermos um pouco mais de justiça às pessoas que dirigem estes estabelecimentos que, pelo seu carácter, pelo seu amor às crianças desvalidas e pelo seu saber procuram por todos os modos dar pão e abrigo à pobrezinhas bem como uma educação harmónica com o meio em que são destinadas a viver, além de amparo e protecção à saída da casa em que se tornaram mulheres. Um aspecto a sublinhar é o claro entendimento dos asilos como tendo por função a “educação da mulher do povo” Uma dessas instituições – o Asilo do Lumiar – é exactamente criticado por ser “antes um albergue de crianças pobres do que uma escola”. Em relação ao Recolhimento de S. Pedro de Alcântara sugere-se que a reformulação, “harmonizando-o com as indicações de uma boa e sólida educação” comece pelo próprio nome – “recolhimento”.
É visível, no entanto, que a promoção social para que essa educação deve apontar é muito relativa. Ela deve ser adequada ao meio social em que as asiladas “são destinadas a viver”. Numa das instituições – o Asilo de Nossa Senhora da Conceição para Crianças
Abandonadas – o plano de estudos e trabalhos – considerado “moderno” - é elogiado por ter por finalidade “preparar as pobres crianças para uma vida de trabalho e de honestidade” e por estar em “harmonia com o lugar que as alunas naturalmente virão a ocupar na sociedade: boas criadas e operárias instruídas”. Além disso, a finalidade de controlo social que, por essa via, se pretende atingir é uma das suas principais motivações. A educação proporcionada pretende evitar que essas jovens se transformem num “elemento perturbador e inútil”.
Um dos aspectos que é elogiado em algumas instituições é a qualidade dos edifícios e dos espaços envolventes e sua adequação à função que exercem. Do Asilo D. Pedro V diz o autor ter sido “construído expressamente para este fim, com amplas janelas por onde a luz e o ar entram livremente”, para além de estar localizado numa zona verde e de possuir horta e jardim. As preocupações, de natureza higiénica, com a iluminação e a circulação do ar estão bem presentes, bem como o pressuposto – típico da Educação Nova – da necessidade de com a natureza, encarada como fonte de regeneração. Encontramos ainda uma chamada de atenção para espaços – como a horta – encarados como imprescindíveis para a prática de trabalhos manuais e para uma aproximação maior ao ideal da educação integral. No já referido Asilo de Nossa Senhora da Conceição, refere-se que “as alunas aprendem no jardim a observar e a cultivar as flores, tratam de horticultura, arboricultura, criação e tratamento de animais domésticos”.
O papel educativo do trabalho é bastas vezes realçado. Relativamente ao Asilo do
Lumiar, Alfredo Alves afirma, em tom crítico, que “não há propriamente ensino doméstico” e que “não se pode dizer que haja ensino profissional”28. Em contraponto, no Asilo de Santo António, considerado “uma das mais belas obras educativas que nos tempos modernos Lisboa deve à iniciativa benfazeja dos amigos das crianças pobres”, “as alunas fazem todo o serviço da casa, tanto da cozinha como da limpeza do edifício, refeitório, camaratas, etc.”, nenhuma saindo do estabelecimento “sem que tenha, praticamente, conhecimento de todos os serviços domésticos”.
Mas, segundo o autor, o que torna este estabelecimento “modelar” e “notável” são as suas “alegres oficinas”, que incluem o trabalho da prata e da madeira, a cartonagem, o corte e confecção de vestidos, bordados, etc.. É que, para além dos trabalhos educativos, a maioria destes asilos estão vocacionados para uma formação profissional. No mesmo asilo existe, por exemplo, um curso de escrituração comercial. No Asilo de Nossa Senhora da Conceição existem cursos de contabilidade, culinária e, curiosamente, de professoras em várias áreas (educação infantil, rendas e bordados, dactilografia, ginástica sueca, etc.). Esta não é uma excepção, já que no Asilo da Ajuda as alunas mais distintas são enviadas a “frequentar a Escola Normal de Lisboa”. Na Casa-Mãe de Benfica, fundada por Francisco Grandela, as educandas aprendem a trabalhar, como modistas, na fábrica do próprio fundador. Mas é a chamada “educação doméstica” a principal área de formação da maioria destas casas. É o caso do Asilo da Ajuda, considerado “um verdadeiro modelo em tudo que se refere ao ensino das donas de casa”, onde tudo “está a cargo das pequenas donas de casa”. Alfredo Alves acrescenta a seguinte curiosidade à anterior constatação no sentido de reforçar o seu veredicto:
Um dos directores é o general Sr. Bandeira de Melo, uma alta competência no assunto; os seus livros de cozinha e de corte publicados com o pseudónimo de Carlos Bento da Maia dão-lhe um lugar de destaque entre as pessoas que se têm dedicado ao ensino doméstico. Não é porém o saber a única qualidade deste ilustre oficial, avulta nele a paixão pela vulgarização dos conhecimentos de utilização imediata, tornando-o assim um verdadeiro apóstolo da educação da mulher do povo. O papel assumido pela educação doméstica na agenda pedagógica renovadora não deixa de ser interessante. Por um lado, há um elemento de valorização da educação feminina, designadamente no que se refere à “mulher do povo”; por outro, é inquestionável a reprodução de uma divisão de trabalho que remete a mulher para as tarefas domésticas. Para além disso, encontramos aqui um general produtor de obras da especialidade, consideradas de “vulgarização dos conhecimentos de utilização imediata”. Esta é, seguramente, uma das mais importantes acepções atribuídas à “educação popular” pela elite esclarecida de então e com preocupações de natureza filantrópica e educativa.
Num artigo inserido na secção «bibliografia» e dedicado à análise da revista Educação da Sociedade Promotora de Escolas – fundadora da emblemática Escola-Oficina nº1 – critica-se, exactamente, o “fazer bem” entendido como “virtude religiosa”, considerado prevalecente no panorama nacional, em contraponto com o “sentimento da solidariedade humana” interpretado como um “dever cívico”. É esta última, segundo o articulista, a atitude subjacente às actividades daquela sociedade e daquela escola. Na recensão realça-se o facto da revista ter como uma das suas virtudes o “revelar as aptidões singulares dos professores da Escola-Oficina nº1”. É ao trabalho dos referidos professores – e ao “espírito novo” e “moderno” de que dão mostras – que é atribuído o “triunfo incontestável” dessa escola, apresentada aqui como um exemplo a seguir no campo renovador.
Aí está o nó da questão: a escola será o que for o mestre. Exercer o ensino, educar, é a tarefa mais delicada e mais bela. Se o mestre observa e se corrige, actua e se aperfeiçoa constantemente nos seus processos de trabalho, a escola prospera, a escola exerce verdadeiramente uma acção progressiva – a escola é um valor social. Não bastam os majestosos edifícios e o riquíssimo material: se o mestre não for como um sacerdote, aperfeiçoando almas, fazendo desabrochar aptidões, inibindo tendências ruins, a escola, rica no seu aspecto, grandiosa nos seus museus, laboratórios e oficinas, falhará miseravelmente. Ora a Escola-Oficina nº1 é alguém e o que é deve-o principalmente ao seu professorado. É a revista Educação que nos revela esta verdade.
O texto anterior é de uma enorme riqueza e articula-se com diversas questões relativas à profissão docente. Em primeiro lugar o reiterado tratamento de “mestre”, que nos remete tanto para as raízes simultaneamente religiosas e artesanais da figura do professor como para a influência moral que a sua pessoa devia inspirar. Em segundo lugar a sobrevalorização – “a escola será o que for o mestre” - e, mesmo, sacralização do seu papel, por via do uso da metáfora do “sacerdote”, bem típicas duma época que acredita na escola como lugar de salvação e no contributo do professor no sentido da transformação social. Por fim, a ideia de que o processo de profissionalização da actividade docente, para o favorecimento do qual o discurso da Educação Nova se reveste de uma inquestionável funcionalidade, não é incompatível com a continuação do uso de algumas das tradicionais categorias associadas à docência, como “mestre” e “sacerdote”.
5. O debate sobre a educação moral nos Anais da Academia de Estudos Livres
As páginas dos Anais são bem a expressão de alguns dos lugares-comuns, de raiz positivista e organicista, típicos da época. Na habitual rubrica «Cartas insubmissas», o publicista Afonso Vargas critica a “depressão moral” e o “abandalhamento cívico” que atingiriam a sociedade portuguesa de então, tornando imperioso o “levantamento do espírito público”34. A esse respeito, “o que principalmente urge – na opinião do articulista - é atacar com denodo a mancha enorme do analfabetismo nacional”, abraçar “a causa sagrada do renascimento nacional pela educação e pelo ensino”35 e “inaugurar uma vida nova e progressiva”. O autor verbera a monarquia, por nos ter deixado “nesse estado” e considera não haver justificação para a República nos conservar nele. E antecipa em tom pessimista: “daqui a anos ou Portugal será grande, culto e progressivo – ou não será”37.
No já citado artigo dedicado à «inspecção médica escolar», Morais Manchengo constata “uma degenerescência cada vez maior das raças” e considera necessário “prevenir as decadências físicas e morais que ameaçam a vitalidade das raças”. É nas gerações novas que “está o futuro das nacionalidades”, mas o seu estado actual inspira “sérios cuidados”.
Recorrendo à legitimidade científica corporizada no discurso médico, o autor faz um diagnóstico arrazador: “as investigações feitas em países diversos em centos de milhares de crianças deram unanimemente o mesmo resultado; por toda a parte se verifica uma tendência maior ou menor para as taras mais variadas”38. Em artigo não assinado e tendo «A luta contra o ruído» como tema, este é considerado como “uma das mais importantes causas de neurastenia – esse mal devastador que tanto aflige a pobre humanidade e contribui para a sua degenerescência”. Torna-se necessário, por isso, regressando a Morais Manchengo, lutar pelo “bem estar e perfectibilidade humanas”40 e a Educação Física, cujas finalidades são por ele analisadas noutro artigo, será, a esse propósito, um “extraordinário factor de aperfeiçoamento das raças”.
É, em parte, esta constatação de uma decadência em aparência inexorável e, simultaneamente, a crença numa possível regeneração por via da escola, que contribuem para a centralidade que o tema da educação moral adquire nos Anais. J. Cardoso Gonçalves, secretário da direcção da Academia e um dos mais visíveis impulsionadores da mesma e da sua escola, trata do tema em diversas ocasiões. No artigo «A moral na escola», retomado de uma comunicação apresentada em 1913 ao Congresso do Livre Pensamento, o autor manifesta-se em prol de uma “moral laica”, tendo por “indestrutível fundamento” o “sentimento da solidariedade”, resultado da comunhão do homem com a “natureza” e com a “humanidade” e factor de “progresso indefinido”42. Numa sequência de dois artigos tendo por título «A questão moral», o autor retoma os mesmos tópicos, considerando que o referido “progresso” transportará a “humanidade” rumo a uma “sociedade perfeita”, à sua “idade de ouro”43. Segundo afirma, só o “desenvolvimento da ciência” – conduzindo à elaboração da “teoria científica da solidariedade” – tornou possível estes desenvolvimentos44. É nítida a consonância destas afirmações com a luta pela afirmação, em contexto republicano, de uma moral alternativa à moral do catolicismo mas desempenhando idêntica função integradora.
Saídos duma revolução, os nossos antigos princípios morais sofreram um choque rude. Ao trabalho de demolição tem de seguir-se portanto o trabalho construtivo. E este, devendo fazer-se fora de preocupações sectárias, políticas ou religiosas, deve procurar nortear-se pelas necessidades da pátria. A questão moral é, entre nós, uma questão nacional em aberto.
Cardoso Gonçalves desenvolve, ainda, todo um conjunto de considerações tendo em vista o ensino da moral nas escolas, o qual deve concretizar-se apenas “por processos indirectos”, uma vez que o autor não acredita “na eficácia da doutrinação directa dos
princípios da solidariedade”. Segundo ele afiança – “a moral não se prega, pratica-se”47.
Estratégia privilegiada é a que decorre da exemplaridade moral do professor: “O exemplo do mestre tem de primar acima de tudo. O mestre deve ser um homem de carácter, de conduta irrepreensível, justiceiro, sabendo aproveitar os instantes mais propícios ao ensino moral”.
Esta referência é coerente com o perfil já aqui traçado. O entendimento do professor como educador moral torna visível a permanência de algumas das tradicionais referências de cunho religioso, conjugadas com dimensões de natureza profissional.
São ainda propostas outras metodologias, tais como os passeios pelos campos, as reuniões em comum, a leitura comentada de biografias de homens exemplares, o selfgovernment escolar (tal como é defendido, nota o autor, por António Sérgio em obra recenseada anteriormente nos Anais), o escutismo e as festas escolares.
Cardoso Gonçalves defende “a adopção do Escutismo nas escolas laicas”, considerando-o “uma das mais geniais invenções pedagógicas dos últimos tempos”, “uma escola, enfim, de civismo e de honra”, para além de “uma escola de bondade”, através da qual se chega simultaneamente ao “cérebro” e ao “coração da criança”, iniciando-a nos “princípios da solidariedade”, fazendo-a abominar a mentira e conduzindo-a à prática do “bem social”.
Cardoso Gonçalves foi, de resto, um dos impulsionadores do movimento em Portugal, ultrapassadas as polémicas dos primeiros tempos acerca do seu eventual carácter militarista e da sua proximidade em relação aos batalhões escolares.
As festas escolares, por seu lado, são consideradas um “precioso recurso” – festas da árvore, da primavera, de recepção aos novos alunos -, mas delas não devem fazer parte “os discursos políticos, as leituras de relatórios enfadonhos, a exibição grotesca de fardas e medalhas”, geralmente pretextos de “ostentação vaidosa” ou de “propaganda sectária”52, o que nos remete para uma das polémicas desencadeadas no campo pedagógico de então entre os partidários das festas cívicas republicanas e os defensores de festas especificamente escolares.
Nestas últimas festas tinham regularmente lugar a música, o canto coral, a recitação e a representação dramática, já que todas essas actividades deveriam ser atravessadas por “um acentuado cunho artístico”53. A dimensão estética da educação moral é algo a que o autor é constantemente sensível. A arte constitui, para ele, “o processo prático para se chegar ao fim moral”, o que o conduz à seguinte exortação: “Simplicidade e arte!... Alegria e Arte! Flores e risos! Festas de crianças e para crianças”.
No caso da Academia de Estudos Livres, são muitas as festas noticiadas nos respectivos
Anais, de que é exemplo a festa realizada no dia 24 de Novembro de 1913 para recepção de um estandarte oferecido à Academia por uma comissão de alunos. É visível a consciência da importância simbólica deste tipo de rituais para a instituição. Nessa festa discursou uma aluna do curso de admissão à Escola Normal – Sara Correia Alves – que apela à “regeneração da Pátria” através da “educação integral dos seus filhos” e fala da “missão de educadores do povo” para a qual se preparavam, mas também das dificuldades do “sacerdócio” a que aspiravam.
Agostinho Fortes – professor da Universidade de Lisboa e conferencista habitual da
Academia – discursou em seguida para lembrar que “é do professor que sai o progresso” e que “a escola é verdadeiramente a oficina do futuro, onde vamos remodelar, afeiçoar as gerações novas”, fórmulas que dão bem conta das ambição republicana de formar o homem novo no cadinho escolar. Os jovens alunos são comparados – numa metáfora vegetal bem típica dos “slogans” renovadores – a “tenras vergônteas reclamando todos os nossos carinhos”. Para o conferencista, a finalidade última da escola é “formar caracteres”. Em relação aos professores, a exortação de Agostinho Fortes é a seguinte: “É preciso que formemos professores, orientados nos novos processos pedagógicos, mas é preciso que lhes demos meios suficientes para a sua sustentação e decoro”. O conferencista conclui afirmando que “a Academia de Estudos Livres é um exemplo... Há muito que se sacrifica pela causa da educação”.
Os tópicos da intervenção de Agostinho Fortes acabam por constituir uma boa súmula dos propósitos e do carácter duma Academia que se apresentava, simultaneamente, como uma “escola moderna” e como uma Universidade Popular, em qualquer dos casos pugnando pela “educação popular” e pela “vulgarização científica e cultural”.
Referências:
Bandeira, Filomena (1994). A Universidade Popular Portuguesa nos anos 20. Os intelectuais e
a educação do povo: entre a salvação da República e a revolução social. Dissertação de
Mestrado. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa.
Fernandes, Rogério (1993). Uma experiência de formação de adultos na 1ª República. A
Universidade Livre para Educação Popular. 1911-1917. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa.
Marques, Maria Gracinda (1999). As Universidades Livres e Populares portuguesas em
Coimbra e Porto: dos finais do século XIX à década de 30. Dissertação de Mestrado. Braga:
Universidade do Minho.
Neves, Marlène (1997). As Universidades Populares Portuguesas no seu período áureo – 1ª República. Dissertação de Mestrado. Braga: Instituto de Educação e Psicologia – Universidade do Minho.
Nóvoa, António (Dir.) (1993). A imprensa de educação e ensino. Repertório analítico (séculos
XIX-XX). Lisboa: Instituto de Inovação Educacional.
Sampaio, José Salvado (1975). O ensino primário. 1911-1969. Contribuição monográfica. Vol.I
– 1º Período. 1911-1926. Lisboa: Instituto Gulbenkian de Ciência – Centro de Investigação
Pedagógica.
sábado, 25 de dezembro de 2010
Bernardino Machado e o Escotimo em Portugal
Com a devida vénia do blogue:
Sexta-feira, 24 de Dezembro de 2010
Da nossa história… (5)
Consolidação do prestígio dos ESCOTEIROS DE PORTUGAL (apoiado na História dos Escoteiros de Portugal - de Eduardo Ribeiro)
Decorria o ano de 1916 e, apesar da enorme aceitação dos escoteiros pela população, graças ao seu comportamento cívico exemplar e graças às suas meritórias intervenções, a Associação dos Escoteiros de Portugal, fundada em 6 de Setembro de 1913, não tinha ainda reconhecimento oficial do Governo. Todavia, desde que iniciaram a sua actividade que os grupos de escoteiros assumiram como suas as tarefas de auxílio ao semelhante, colaborando com os bombeiros e com a Cruz Vermelha em incêndios e catástrofes, arriscando em actos de abnegação e coragem, os quais mereciam por parte da imprensa da época os mais rasgados elogios. Foi depois da participação dos escoteiros no ataque aos pavorosos incêndio que aconteceram, em 13 de Janeiro de 1916, no Depósito de Fardamentos do Exército, onde trabalhavam cerca de 4.000 pessoas e, em18 de Abril de 1916, na Escola Naval e Arsenal da Marinha, em Lisboa, onde ficaram destruídas algumas das mais belas instalações, perdendo-se a Sala do Risco, mas tendo-se salvo a Biblioteca, pela acção corajosa e decidida dos escoteiros, que o Presidente da República, Dr. Bernardino Machado se dispôs a aceitar a presidência honorária da A.E.P., situação que se manteria nas magistraturas republicanas seguintes, passando os anteriores presidentes a vice-presidentes honorários.
Então, em Maio de 1917, o Decreto n. 3120-B, que a seguir se transcreve, aprova o regulamento da Associação dos Escoteiros de Portugal, considerando-a benemérita e de beneficência. Não deixa de ser curioso observar, a esta distância, o vigor e a intencionalidade de algumas das expressões usadas, tão ao gosto daquela época.
O texto do Decreto n. 3120 – B é o seguinte:
“Considerando que o Escotismo é uma escola de formação de carácter e um meio valioso de preparar a mocidade para o desempenho dos seus deveres para com a Pátria e para com a Humanidade, como tem sido provado nos países em que essa instituição se tem desenvolvido;Considerando que o estabelecimento e a generalização desse sistema em Portugal seria um dos melhores processos de avigorar as qualidades da raça portuguesa e de conduzir o País, pelo aperfeiçoamento dos seus homens do futuro, ao grau de prosperidade e grandeza que constitui a suprema aspiração da República e de todos os verdadeiros patriotas;
Considerando que a experiência feita nestes últimos anos tem dado os melhores resultados, provando à evidência quanto é possível conseguir, pelo Escotismo, dos rapazes portugueses, despertando neles as mais belas qualidades e conduzindo-os à prática de actos que têm causado a admiração geral;Mas, convindo conjugar todos os esforços para a realização desta obra eminentemente patriótica e cortar de começo quanto possa prejudicá-la sobretudo impedindo a má compreensão dos processos adoptados pelo Escotismo e a formação de organismos mal preparados para a realização do objectivo a que ela visa;
Atendendo aos resultados que a Associação dos Escoteiros de Portugal tem conseguido alcançar e as provas concludentes que esta instituição tem dado sobre a sua capacidade para estabelecer e difundir o Escotismo pelo País, como bem o demonstram os actos de abnegação, coragem e patriotismo praticados pelos seus escoteiros, principalmente por ocasião da revolução de 14 de Maio e nos incêndios do Depósito de Fardamentos e da Escola Naval, actos que têm merecido por parte do Governo e outras entidades oficiais as mais elogiosas referências;
Considerando ainda que, embora não sendo uma instituição de carácter militar, o Escotismo é um dos melhores processos de preparar a mocidade para o desempenho dos seus deveres militares, contribuindo assim de um modo muito proveitoso para a realização do programa militar que a República estabeleceu: hei por bem, sob proposta do Ministro da Guerra, decretar o seguinte:
1º - É aprovado o regulamento da Associação dos Escoteiros de Portugal, que seguidamente é publicado.
2º - Em virtude do determinado no nº 3 do artigo 15º do seu regulamento é esta associação considerada benemérita e de beneficência para os efeitos de contribuições, impostos e franquia postal.
3º - Para todos os efeitos, legais e oficiais, serão apenas considerados escoteiros aqueles que pertencem à Associação dos Escoteiros de Portugal.
4º - A ninguém estranho à Associação dos Escoteiros de Portugal será permitido o uso ou emprego dos seus distintivos, sob qualquer forma ou imitação, bem como do nome da Associação incorrendo os infractores nas penas aplicáveis por usurpação de marcas comerciais, nos termos da carta de lei de 21 de Maio de 1896.
5º - É considerado exclusivo da Associação dos Escoteiros de Portugal o uniforme composto de blusa e calção curto de caqui escuro, lenço da mesma cor e chapéu desabado castanho, sendo punidos aqueles que indevidamente usarem este uniforme ou outro que com ele se assemelhe, com as penas estabelecidas no artigo 235º do Código Penal.
6º - Todas as entidades e autoridades oficiais prestarão sempre aos escoteiros da Associação dos Escoteiros de Portugal o apoio e protecção compatíveis com as circunstâncias, quando eles disso carecem para a execução de actos beneméritos ou nos seus exercícios e acampamentos, e bem assim utilizarão os serviços que eles ofereçam prestar, proporcionando-lhes ensejo de demonstrarem as suas qualidades e aptidões
.7º - A qualidade de escoteiros ou de sócios da Associação dos Escoteiros de Portugal só poderá ser considerada como válida mediante a apresentação do bilhete de identidade, em harmonia com o disposto no regulamento da Associação, não sendo dispensada essa prova mesmo aos escoteiros uniformizados.
8º - A Direcção Central da Associação dos Escoteiros de Portugal enviará a todas as unidades administrativas exemplares dos seus cartões de identidade e um desenho do uniforme dos escoteiros, para efeitos de fiscalização e polícia.
9º - Os escoteiros não são isentos do dever prescrito pelas leis que regulam a instrução militar preparatória, podendo organizar sociedades de instrução militar preparatória nos seus próprios grupos, ou inscrever-se para aquele fim em qualquer sociedade ou núcleo de instrução militar preparatória.Os escoteiros, dos 17 anos em diante, quando deixarem de fazer parte da Associação dos Escoteiros de Portugal, serão inscritos em núcleos de instrução militar preparatória, em face de participação da mesma associação para a inspecção de infantaria da respectiva área.
A Direcção Central da Associação dos Escoteiros de Portugal enviará à inspecção de infantaria da 1ª divisão de exército os mapas estatísticos e relatórios prescritos pelas leis da instrução militar preparatória.
Os Ministros de todas as Repartições assim o tenham entendido e façam executar. Paços do Governo da República, 10 de Maio de 1917 – Bernardino Machado
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
Do blogue do Dr Amadeu Gonçalves - literatura&filosofia - http://litfil.blogspot.com/
Um texto de Urbano Tavares Rodrigues, publicado no Diário de Lisboa de 7 de Abril de 1971
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
Conferência efectuada na Academia de Estudos Livres por Xavier da Cunha, Director da Biblioteca Nacional de Lisboa (25 de Maio de 1905) e visita à Biblioteca (28 de Maio de 1905)
Texto retirado da publicação - "A Exposição Cervantina - Biblioteca Nacional de Lisboa - pelo Director da Biblioteca Xavier da Cunha - Lisboa - Imprensa Nacional 1908"
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
O PROJECTO PEDAGÓGICO DAS UNIVERSIDADES POPULARES NO PORTUGAL DAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX. O EXEMPLO DA ACADEMIA DE ESTUDOS LIVRES
(Texto retirado da internet, com a devida vénia)
Joaquim Antônio de Sousa Pintassilgo
Centro de Investigação em Educação
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Eixo Temático 2: História da profissão docente e das instituições escolares
A presente comunicação decorre de uma pesquisa mais vasta, sobre o tema das Universidades Populares, realizada no âmbito de um projecto de cooperação luso-brasileiro, e insere-se numa mesa coordenada que pretende articular a história de instituições escolares, com os projectos de educação popular e as concepções relativas à profissão docente por elas difundidas. Usa-se, além disso, a imprensa de educação e ensino como fonte principal de pesquisa.
Nas décadas finais do século XIX e nas primeiras décadas do século XX o tema da educação popular entra na ordem do dia, associado à “descoberta” dos elevados índices de analfabetismo da população portuguesa e à assunção, por parte do republicanismo e da maçonaria, de um projecto alternativo de formação do cidadão, na sua luta pelo derrube da monarquia e pela construção da ambicionada sociedade “nova”.
Para o combate ao analfabetismo assistimos então à proliferação de iniciativas várias, ao mesmo tempo que surgem diversas instituições vocacionadas para a educação permanente de adultos, as quais assumem as designações de Universidades Livres ou Universidades Populares e que conhecem também alguma difusão no período. A presente comunicação pretende reflectir sobre a actividade de uma destas últimas instituições – a Academia de Estudos Livres. Pretendemos, fundamentalmente, delimitar o conteúdo do projecto de educação popular desenvolvido pela Academia.
Utilizaremos como fonte principal da pesquisa, no que se refere ao presente texto, uma das publicações da Academia - o periódico estudantil A Mocidade (1910-1911), depois de em trabalho anterior termos analisado a revista Anais da Academia de Estudos Livres – Universidade Popular (1912-1916) (Cf. PINTASSILGO, 2006). Ambas as publicações divulgam informações sobre a vida da instituição e as actividades aí desenvolvidas. As balizas cronológicas são as decorrentes do período abrangido pela publicação aqui analisada, ou seja, os anos de 1910-1911.
1. A Academia de Estudos Livres e a Escola Marquês de Pombal
A Academia de Estudos Livres foi fundada em 1889. A iniciativa pertenceu à Maçonaria, através da loja «Simpatia e União» de Lisboa. Os seus Estatutos originais foram aprovados por Alvará de 10 de Setembro de 1889. São aí assumidos como objectivos “desenvolver o gosto pelo estudo e pela ciência” e “proporcionar aos sócios o conhecimento das ciências”. Tendo em vista a sua consecução, são previstas as seguintes actividades:
A Academia promoverá conferências públicas sobre assuntos científicos e de interesse público; fará publicações, nomeadamente dessas conferências; manterá aulas, gabinete de leitura, biblioteca, gabinete de física, observatório, laboratório, museus; organizará uma oficina-escola que facilite aos investigadores os meios de trabalho mecânico e sirva também para a reparação dos instrumentos de estudo da Academia; facultará a quaisquer professores a abertura de cursos-livres e celebrará exposições. Em 1904, por via do Alvará de 24 de Junho, são aprovados novos Estatutos, os quais consignam a alteração da designação (através do acréscimo de um subtítulo) para Academia de Estudos Livres – Universidade Popular. Os objectivos e as actividades previstas mantêm-se, relativamente ao documento anterior. Uma alteração importante, datada desse mesmo ano de 1904, é a integração na Academia da preexistente Escola Marquês de Pombal, que passa a ser considerada, pelo Regulamento Geral da mesma escola, uma “Secção da Academia de Estudos Livres”, situada então no Alto do Pina (um bairro lisboeta). Alguns anos após, em artigo de uma das publicações da instituição, clarifica-se a história da escola:
Foi fundada em 1882 por um grupo de dedicados amigos da instrução, sócios da loja maçónica Razão Triunfante, que por essa forma quiseram concorrer para o derramamento da instrução popular e, ao mesmo tempo, prestar homenagem ao grande vulto da nossa história – o Marquês de Pombal... Inaugurou-se em 21 de Maio daquele ano na Portela de Sacavém, com o título de Escola Marquês de Pombal – Sebastião José de Carvalho e Melo.
Não deixa de ser curioso o facto de ambas as entidades serem de iniciativa maçónica. Os propósitos enunciados – e, em particular, “o derramamento da instrução popular” - são, de resto, coerentes com o contexto doutrinário em que a escola se insere, sendo igualmente significativo o nome da loja maçónica de onde ela emana – “razão triunfante”. A assunção do Marquês de Pombal como seu patrono é bem sintomática da incorporação desse vulto do absolutismo reformista – por via da sua política anti-jesuítica - na memória da nação, tal como é reconstruída pelo republicanismo, que se vai tornando a ideologia dominante nas lojas.
A escola começa a funcionar na Portela de Sacavém (arredores de Lisboa) com 40 crianças pobres de ambos os sexos e uma professora, sendo transferida em 1899 para o já referido Alto do Pina. Em 1904, “quando se dissolveu o Grande Oriente de Portugal, em que estava filiada a loja maçónica Razão Triunfante, que ainda tinha a escola sob a sua protecção”, desenvolveram-se, então, negociações entre os dirigentes de ambas as instituições que concluíram com a integração da escola na Academia, aprovada nas respectivas assembleias gerais (8 e 9 de Setembro). O Regulamento Geral, então aprovado, anexa igualmente ao título a expressão «Aulas gratuitas para crianças pobres», especificando que se pretende “ministrar nesta Secção o ensino primário (1º e 2º grau), gratuito para crianças pobres de ambos os sexos, dos 6 aos 12 anos de idade”, para além de promover “conferências e outros trabalhos educativos”. A instituição compromete-se, ainda, a distribuir “livros e outros auxílios a alunos órfãos e de pobreza manifestamente reconhecida”. As preocupações com a educação popular e o filantropismo típico da maçonaria são uma presença visível.
O Regulamento Geral em apreciação define as aulas como “diurnas” e manifesta, ainda, a preocupação com a necessidade de uma definição clara do tempo escolar, tanto no que se refere ao calendário – fixado entre Outubro e Agosto – como ao horário quotidiano,
entre as 9h e as 16h, entrecortado por intervalos de 10m ao fim de cada hora, “para descanso dos alunos”, e de uma paragem de 30m para uma refeição. As aulas funcionariam “em todos os dias não declarados feriados”, sendo “as disciplinas a ministrar... as dos programas primários oficiais”. Fica claro que a educação popular a fomentar pelo movimento associativo de inspiração maçónica tem como referência o modelo escolar de educação então em fase de implementação, designadamente no que se refere às coordenadas espaciais e temporais do mesmo, já impregnadas de pressupostos de natureza pedagógica. Não é, por isso, de estranhar que se pretenda submeter os alunos a mecanismos de vigilância e de controlo disciplinar típicos do modelo escolar:
Os alunos só podem ser admitidos nas aulas, apresentando-se decentes e limpos; devem respeitar os professores, conservar as suas carteiras e artigos de estudo em estado de irrepreensível asseio, não danificar estes nem os móveis da Secção, não se ausentar sem licença dos professores, não cometer faltas, as quais em todo o caso deverão sempre justificar com bilhete ou carta dos pais ou tutores, frequentar com assiduidade as aulas nos dias e horas que lhes forem marcados, apresentar-se nas aulas munidos dos livros e de todos os artigos indicados pelos professores.
É bem visível, neste articulado, a presença de um projecto de integração social e de moralização dos costumes das crianças pobres a que a escola se destina. A limpeza pessoal, o cuidado com os materiais escolares, o respeito pelos professores, a assiduidade, são comportamentos incentivados e o não cumprimento das regras – sob a forma de “mau comportamento, falta de assiduidade ou de aplicação” - penalizado.
O regulamento define, também, os principais rituais que deveriam pontuar a vida da instituição, em particular a sessão solene comemorativa do aniversário da fundação da escola (21 de Maio) e a “sessão solene de distribuição de prémios por ocasião da abertura das aulas”. Dos prémios farão ainda parte o “quadro de honra” e os “diplomas de mérito”, algo que será posteriormente alvo de contestação. Abre-se, finalmente, a possibilidade, em articulação com a Academia, da criação de “aulas nocturnas para adultos”, uma opção que marcará decisivamente a actividade de ambas as instituições, dentro do espírito de universidade popular que passa a caracterizar a Academia9.
Em 1908 a escola é transferida para a nova sede da Academia na Rua da Paz (bairro de São Bento), passando a dispor de melhores condições de funcionamento e de um acompanhamento mais próximo por parte da direcção da mesma. De 40 crianças e uma professora naquele ano10, passou-se, no ano lectivo de 1910/1911, a que nos iremos principalmente reportar, para 137 alunos matriculados (distribuídos por 4 classes) e 4 professoras, apoiadas ainda por um professor de ginástica e por um professor de música e canto, isto só na Escola Marquês de Pombal, porque a Academia de Estudos Livres possuia ainda 326 alunos nas aulas nocturnas, tanto ao nível da instrução primária, como nas disciplinas então oferecidas: português, francês, inglês, desenho, matemática elementar, matemática financeira, economia política, contabilidade, taquigrafia, rudimentos de música, piano, violino, harmonia e curso livre de música, para além de um curso de admissão à Escola Normal.
Como vimos, o ano de 1904 ficou assinalado pela incorporação de uma escola do ensino primário particular – que passará a ter grande visibilidade no conjunto das suas actividades - e pela assunção do seu carácter de universidade popular – de que os cursos nocturnos são uma das suas marcas -, uma das primeiras, de resto, a aparecer em Portugal, à semelhança do que acontecia desde os últimos anos do século XIX também em França. Esta dicotomia enriquece-a, mas transporta também consigo alguma ambiguidade, como ulteriores discussões em assembleia geral se encarregarão de demonstrar.
No cumprimento da sua vocação a Academia de Estudos Livres vai, então, desenvolver diversas actividades na área da vulgarização científica e cultural, as mais características das universidades populares, delas sendo exemplos a realização de cursos livres, conferências, visitas de estudo, etc. Em relação aos primeiros, surgem noticiados em 1910-1911, entre outros, os seguintes temas: «História Universal» (Agostinho Fortes), «História Social e Política da Península Ibérica» (José Augusto Coelho) e «Os Lusíadas» (Barbosa de Bettencourt). As conferências foram em grande número, destacando-se as seguintes: «Literatura portuguesa no século XIX» (Fidelino de Figueiredo), «A educação na futura democracia» (Fidelino de Figueiredo), «Porque precisamos saber Física» (Almeida Lima), «O que deve ser uma educação moderna» (Reis Santos), «O céu
português – lições de astronomia» (Pedro José da Cunha) e «Unificação de Itália» (Agostinho Fortes). Para além da relevância dos temas ligados à História e à Literatura portuguesas, por razões que se prendem com formação cultural de cariz patriótico pretendida pelos sectores republicanos, sublinhe-se a presença dos temas científicos, em conformidade com a ideia, muito presente nos meios ligados à educação popular, de que é possível levar esses conhecimentos até ao povo.
As visitas de estudo e excursões constituíam uma das actividades mais acarinhadas pela Academia. Nesse ano foram visitados, entre outros, os locais a seguir indicados: a cidade de Tomar, o Mosteiro dos Jerónimos, o Museu Nacional de Belas Artes, o Museu Nacional dos Coches, o Aqueduto das Águas Livres, uma Fábrica de Chocolate, a Vila de Sintra (numa visita guiada por um arquitecto muito ligado às construções escolares - Adães Bermudes), a Torre de Belém, A Figueira da Foz e o Buçaco (neste caso uma excursão no Verão) e a Estação Elevatória de Água dos Barbadinhos. A Academia – como, de resto, todos as escolas da época que afirmam fazer “educação moderna” – é fortemente marcada pelo seu carácter excursionista. As saídas são muito frequentes e tanto têm como objectivo a visita a monumentos e museus – tendo em vista o aproveitamento das potencialidades educativos que lhe estão subjacentes -, a fábricas, para um contacto in loco com a realidade social, ao campo ou à praia, na procura dos benefícios decorrentes de uma relação mais próxima com a natureza e dos exercícios físicos a ela inerentes.
Foram, igualmente, realizados vários concertos de música clássica, para além de concertos com o Quarteto Silveira Pais, o professor de música na Academia. Encontramos aqui espelhada, de novo, a crença na possibilidade de popularizar uma arte e uma cultura consideradas, à partida, como de carácter erudito e dirigidas a um público mais elitista. O quotidiano da Academia e da sua escola era, ainda, pontuado pela realização de festividades diversas, de que são exemplo a festa de aniversário da escola, a festa evocativa do aniversário da morte de Camões (10 de Junho) ou a Festa da Árvore, para além de outros eventos comemorativos, como o relativo à unificação italiana ou o cortejo aos Jerónimos em homenagem a Alexandre Herculano.
2. A Mocidade e a Educação do Povo
A Mocidade inicia a sua publicação no dia 15 de Julho de 1910, apresentando-se como folha quinzenal, periodicidade que, em geral, vai conseguir manter, se exceptuarmos o período de férias lectivas. Originalmente surge como sendo propriedade de um Núcleo de Instrução da Academia de Estudos Livres. O primeiro Director é Abel Ôteda, então estudante da Academia. O derradeiro número – o n.º 20 - está datado de 8 de Julho de 1911 e com ele se afirma completar “a 2.ª série e o 1º ano de A Mocidade”12. Na verdade, não voltou a conhecer a luz do dia. A publicação cobre praticamente um ano, coincidindo, em boa medida, com as actividades relativas ao ano lectivo de 1910/1911. Esse é, inquestionavelmente, um ano de enorme riqueza do ponto de vista do contexto político. A fase inicial de publicação de A Mocidade acompanha os três últimos meses de vida da monarquia constitucional portuguesa. O n.º 4 do jornal – que se segue à uma paragem de quase dois meses, parcialmente coincidente com as férias escolares – tem a data de 10 de Outubro de 1910, ou seja, cinco dias após a revolução republicana do 5 de Outubro. Esse e, particularmente, o número seguinte contêm, de resto, amplas referências à República, efusivamente saudada, o que dá conta do ambiente político que se vivia no interior da Academia. Todo o restante período de publicação acompanha a fase inicial – uma fase de grande vitalidade – do novo regime.
A Mocidade é, na realidade, “um jornal de estudantes” (como se apresenta no número inicial) e é isso mesmo que então apregoa - “A Mocidade vai falar: têm a palavra os alunos da Academia de Estudos Livres”. Conta, no entanto, com a visível cumplicidade da direcção da mesma, dentro do espírito do self-government (ou «autonomia dos escolares», como preferia Adolfo Lima) que então começa a difundir-se nos sectores pedagógicos ligados à Educação Nova. Isso é reconhecido pelos seus responsáveis: “A Mocidade tem condições de longa vida, porque a protege a direcção desta casa”. Passa a ser distribuído a todos os sócios e subscritores da Academia e compromete-se a publicar “por acordo com a direcção, todos os avisos oficiais das excursões, visitas, conferências e outros trabalhos da Academia, assim como dará nota do movimento das aulas, biblioteca, etc.”. Essas informações relativas ao quotidiano da instituição vão preencher, de facto, uma parte substancial do conteúdo do jornal, o que o torna (a par de uma periodicidade que se mantém regular) uma fonte inestimável para o conhecimento da sua actividade. O facto de ser produzido pelos estudantes da Academia acrescenta-lhe um tom de irreverência juvenil, sem nunca assumir a forma de crítica às opções da direcção. Muito pelo contrário, aquela “casa” (como é referida a certa altura) e os seus directores são sempre tratados com algum carinho, que dá conta da assunção dos valores subjacentes à identidade institucional.
No n.º 12 de A Mocidade insere-se uma Circular da Direcção da Academia, subscrita pelos seus membros de então – entre eles, Sá Oliveira e Cardoso Gonçalves – apelando à sua assinatura e dando conta de uma ligeira alteração do estatuto da publicação, ao afirmar-se que a “sua propriedade pertence a esta associação”. A Mocidade acaba por assumir, em termos práticos, o papel de órgão da Academia e da sua escola, papel esse que, mais tarde, passará a ser desempenhado pelos Anais da Academia de Estudos Livres (1912-1916). A finalidade pretendida por via da cumplicidade que directores e professores mantêm face à publicação é claramente assumida: “O fim que visamos é proporcionar aos alunos da Academia, que são os redactores do pequeno jornal, um meio prático de se educarem e de estudarem... Consideramo-lo, repetimos, do mais alto alcance educativo”. O discurso dos estudantes afina pelo mesmo diapasão: “nós, os que fazemos este pequeno jornal, levamos em mira, trabalhando nele, a nossa própria educação... Todos temos, entrando nesta casa, um desejo único: instruirmo-nos, educarmo-nos”16.
Para além desse propósito de auto-formação, diríamos hoje, a grande finalidade que está subjacente à publicação – e à actividade da Academia em geral – é a da “educação do povo”. Esse desiderato é proclamado de forma veemente:
A cidade já está capaz de compreender os seus deveres cívicos? Pois bem! Abalemos para essas aldeias e para essas serras a espalhar a boa nova. Demos aos camponeses a instrução de que tanto precisam. Vamos, aos domingos, até os mais ínfimos lugarejos e assentemos arraiais nos adros das suas igrejas... Ali, perante o numeroso auditório atraído pela curiosidade, ensinemos as mais singelas verdades da ciência e as suas aplicações vulgares. No Inverno, pelas noites tempestuosas, reunamos essa rude gente em qualquer celeiro e, com uma simples lanterna de projecções, recreemos-lhes o espírito, educando-lhe o cérebro... Estas missões científicas e patrióticas... trariam sempre palavras de paz e falariam de coisas úteis, de verdades conquistadas pelos verdadeiros amigos do povo, os sábios... Trabalhemos pela educação do povo!
A anterior citação é particularmente interessante em vários sentidos, a começar pelo proselitismo que a caracteriza. Aquilo a que os jovens redactores de A Mocidade se propõem é uma verdadeira ida ao povo. Este surge como “rude gente”, carente de formação cívica. A difusão da instrução e da educação, na terminologia da época, é “a boa nova” que importa espalhar por todo o lado. Assumindo-se como detentores do saber – qual vanguarda esclarecida -, aos estudantes competia “dar” ao povo a instrução que eles estariam necessitados. As “verdades da ciência” são claramente sacralizadas, acreditando-se na possibilidade da sua vulgarização, bem como os seus cultores, os “sábios”, considerados os “verdadeiros amigos do povo”. Esta é, sem dúvida, uma concepção que atribui aos intelectuais o protagonismo maior no processo de educação popular – concepção esta que está, em geral, subjacente ao projecto das universidades populares – e que acredita nas virtualidades formativas da ciência e da cultura letrada e na possibilidade da sua popularização. É nessa linha que se pode compreender a importância de estratégias como a organização de conferências eruditas sobre história e literatura ou a realização de concertos de música clássica. O apelo final a essa elite esclarecida é mobilizador: “Trabalhemos pela educação do povo”!
A concepção atrás referenciada surge também de forma clara num contexto em que um grupo de alunos da Academia – a partir da iniciativa dos responsáveis pelo jornal – decidem convidar os professores ligados à Sociedade de Estudos Pedagógicos -que se reúnem habitualmente nas próprias instalações da Academia – para realizarem um conjunto de conferências e cursos livres sobre assuntos de ciência e de arte, “imitando nisso o que fazem os professores franceses nas Universidades Populares de Paris”. Esta referência é sintomática do facto de serem as Universidades Populares francesas que servem de referência à tentativa de aproximação da Academia de Estudos Livres em relação a esse paradigma. A justificação dessa proposta – tendo por base “a indispensável aproximação de intelectuais e trabalhadores” - é, ainda, mais esclarecedora sobre os pressupostos que lhe estão subjacentes: “É preciso arrancar ao seu isolamento os cultores da Ciência e da Arte. Venham até ao povo e iniciem-no nos estudos, que há séculos eram feudo das classes privilegiadas. Pela Ciência e pela Arte! É a divisa da Academia de Estudos Livres”.
No entanto, curiosamente, as referências a essa entidade mítica que é o povo caracterizam-se por alguma ambivalência. Por um lado, o povo é valorizado, idealizado mesmo, como quando se elogia a “inquebrantável ordem” manifestada nos “grandes cortejos apoteóticos”, que seria uma clara “manifestação de qualidades, de tendências fundamentais, que distinguem o povo português como uma verdadeira raça”. O novo contexto republicano terá, até, despoletado, segundo o autor do artigo «O Povo»:
[uma] fase interessante da vida da nossa gente, dando ao mundo civilizado tantas admiráveis lições de civismo, aceitando todas as indicações dos dirigentes, praticando até sem resistência e sem má vontade – caso raro em gente ignorante! – as regras de higiene aconselhadas pelos médicos – como se deu há poucos dias nesse infecto bairro de Alfama, aquando da epidemia pestífera. Qualidades positivas são estas, que caracterizam um grande povo, uma inconfundível raça.
Esta citação é particularmente curiosa por conter em si, simultaneamente, os elementos de valorização e desvalorização do povo, que dá “admiráveis lições de civismo” ao “mundo civilizado” – ainda que a partir das indicações dos dirigentes, acolhidas sem “resistência” nem “má vontade” -, mas, por outro lado, é retratado como “gente ignorante” (ou “rude gente”) que habita um “infecto bairro”. O paradoxo relativamente ao “grande povo” e à “inconfundível raça” da retórica final – bem típica duma época que sacraliza, no âmbito do discurso patriótico, a entidade raça - é por demais evidente. Mas outros “vícios” – a par das reclamadas virtudes - são apontados ao povo português. “Uma das suas péssimas tendências é - o pedir... Pedir? Mendigar? Degradante situação para um Homem”. A interpretação desse defeito vem bem na linha do discurso produzido sobre as chamadas causas da decadência dos povos peninsulares a partir da Geração de 70 (e, em particular, de Antero): “Junte-se o bom freire, o torvo inquisidor e o jesuíta manhoso – e ter-se-á encontrado a razão porque Portugal se abandalhou – perdida a integridade do carácter”. A solução é, igualmente, coerente com o optimismo pedagógico que caracteriza o período: “A tamanho mal encontramos só um remédio – educar o povo até à compreensão da dignidade do trabalho”.
É bem um projecto global de moralização dos costumes e de mudança de mentalidades que está subjacente aos discursos impressos em A Mocidade e que tem em vista a construção do “homem novo”, preparado para a vida na recém instaurada República. Para isso é necessário vencer, primeiro que tudo, “o monstro – a ignorância popular”.
Referências:
PINTASSILGO, J. (2006). Imprensa de educação e ensino, universidades populares e renovação pedagógica. Comunicação apresentada ao 6º Congresso Luso-brasileiro de História da Educação – Percursos e desafios da pesquisa e do ensino de História da Educação. Uberlândia – Minas Gerais – Brasil. 17 a 20 de Abril de 2006.