terça-feira, 13 de agosto de 2019



Do blogue "TERAPIA" do Dr. Roma Torres, com a devida vénia

Monday, 12 August 2019
Histórias


Perguntei um dia ao neurologista Oliver Sacks o que é a seu ver um homem normal. (...) Hesitou e depois respondeu-me que um homem normal será talvez aquele que é capaz de contar a sua própria história. Sabe de onde vem (tem uma origem, um passado, uma memória em ordem), sabe onde está (a sua identidade) e crê saber para onde vai (tem projectos e a morte no fim). Situa-se, portanto, no movimento de uma narrativa, é uma história, pode dizer-se.
Se esta relação indivíduo-história se rompe por qualquer razão fisiológica ou mental, o relato quebra-se, a história perde-se, a pessoa é projectada para fora do curso do tempo. Já não sabe nada, nem quem é nem o que deve fazer. Agarra-se a simulacros da existência. Ao olhar do médico, o indivíduo surge então à deriva. Se bem que os seus mecanismos corporais funcionem, perdeu-se no caminho, já não existe.
Jean-Claude Carrière (2000). Tertúlia de Mentirosos: Contos filosóficos do mundo inteiro. (Telma Costa, Trad.). Lisboa: Caminho. pp. 5-9.
Estas palavras do excelente argumentista de cinema francês talvez sejam úteis pata terapeutas que não se entendem, e aos seus pacientes, como contadores de histórias.
Há anos estive no Porto com Jean-Claude Carrière (convidado pelo Fantasporto) num encontro com Saguenail e Regina Guimarães cuja conversa foi publicada no nº 13-14 da revista A Grande Ilusão em Maio de 1992. Tive a sensação que para ele a relação do argumentista com o realizador era próxima da do terapeuta com o paciente. Ele dizia que era dialogar não só com o realizador, mas também com os actores e os outros técnicos. "Pelo menos no meu caso, é obrigar o realizador a fazer o filme que ele próprio quer fazer". "Ultrapassar o (seu próprio) nível (...), ser mais ambicioso". "Acontece que a maior parte dos grandes realizadores precisam do argumentista porque o exercício solitário da profissão não basta, não lhes basta."







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