segunda-feira, 20 de maio de 2019






Conferências Democráticas do Casino Lisbonense  -  2

Do portal






Conferências do Casino

As Conferências do Casino podem considerar-se um manifesto de geração.

Denominam-se assim por terem tido lugar numa sala alugada do Casino Lisbonense e foram uma série de cinco palestras realizadas em Lisboa no ano de 1871 pelo grupo do Cenáculo formado, por sua vez, pelas mesmas pessoas, mais ou menos, que constituem a Geração de 70. Foi, então, um grupo de jovens escritores e intelectuais, reunidos em Lisboa após acabarem os seus estudos em Coimbra. Antero aparece como grande impulsionador desde 1868, iniciando os outros membros do grupo em Proudhon.

A ideia destas palestras surgiu na casa da Rua dos Prazeres, onde na época reunia o Cenáculo. Antero e Batalha Reis alugaram a sala do Casino Lisbonense, situado no Largo da Abegoaria, presentemente de Rafael Bordalo Pinheiro. Foi no jornal "Revolução de Setembro" que foi feita a propaganda a estas Conferências. A 18 de Maio foi divulgado o manifesto, já anteriormente distribuído em prospectos, e que foi assinado pelos doze nomes que tinham intenções organizadoras destas Conferências Democráticas.

22 de Maio de 1871

1ª Conferência: "O Espírito das Conferências"

Conferência proferida por Antero de Quental, de certa forma introdutória daquelas que se seguiram. De acordo com os relatos dos jornais da época, único testemunho que resta, esta palestra consistiu num desenvolvimento do programa que tinha sido previamente apresentado.

Antero começou por se referir à ignorância e indiferença que caracterizava a sociedade portuguesa, falando da repulsa do povo português pelas ideias novas e na missão de que eram incumbidos os "grandes espíritos" e que consistia na preparação das consciências e inteligências para o progresso das sociedades e resultados da ciência. Referiu o exemplo que constitui a Europa e a excepção formada por Portugal em face deste exemplo.

Para Antero o ponto fulcral que iria ser focado nas futuras Conferências seria a Revolução, o seu conceito, que Antero define como um conceito nobre e elevado.

A conclusão da palestra termina com o apelo que Antero faz às "almas de boa vontade" para meditarem nos problemas que iriam ser apresentados e para as possíveis soluções, embora estas últimas se constituíssem como opostas aos princípios defendidos pelos conferencistas.

27 de Maio de 1871

2ª Conferência: "Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos últimos três séculos"

Esta Conferência foi também proferida por Antero de Quental. Na introdução Antero pressupõe três atitudes ou pontos de partida. Em primeiro lugar "O Peninsular", falar da Península como um todo; em seguida uma aceitação – os Povos obedecem a um estatuto anímico colectivo, estrutural – é a crença no génio de um Povo; e, por fim, uma atitude judicatória – Antero julga a História, como uma entidade, o juízo moral, social e político.

Em seguida enumera e discute as causas da decadência. A primeira causa apontada por Antero foi o catolicismo transformado pelo Concílio de Trento (1545-1563), com a Contra-Reforma e a Inquisição, que desvirtuara a essência do Cristianismo, conduzindo a uma atrofia da consciência individual; de seguida, aponta o Absolutismo, a Monarquia Absoluta que constituía a "ruína das liberdades sociais", o centralismo imperialista viera coarctar as liberdades nacionais, levando a "raça" ibérica a uma cega submissão; por fim, a última causa é o desenvolvimento das conquistas longínquas, as conquistas ultramarinas, que exauriram as energias do país, levando à criação de hábitos prejudiciais de grandeza e ociosidade e que conduziram ao esvaziamento de população de uma nação pequena, substituindo o trabalho agrícola pela procura incerta de riqueza, a disciplina pelo risco, o trabalho pela aventura.

Para Antero a solução destes problemas é a seguinte:

"Oponhamos ao catolicismo (...) a ardente afirmação da alma nova, a consciência livre, a contemplação directa do divino pelo humano (...), a filosofia, a ciência, e a crença no progresso, na renovação incessante da humanidade pelos recursos inesgotáveis do seu pensamento, sempre inspirado. Oponhamos à monarquia centralizada (...) a federação republicana de todos os grupos autonómicos, de todas as vontades soberanas, alargando e renovando a vida municipal (...). Finalmente, à inércia industrial oponhamos a iniciativa do trabalho livre, a indústria do povo, pelo povo, e para o povo, não dirigida e protegida pelo Estado, mas espontânea (...), organizada de uma maneira solidária e equitativa..."*

A conclusão insere uma dimensão progressista, a instauração de uma revolução, a acção pacífica, a crença no progresso inspirado numa moralização social (Proudhon), sendo proferida num tom idealista e retórico.

5 de Junho de 1871

3ª Conferência: "A Literatura Portuguesa"

Conferência proferida por Augusto Soromenho, professor do Curso Superior de Letras.

Nesta palestra faz uma crítica aos valores da literatura nacional, concluindo que ela não tem revelado originalidade. Há uma negação sistemática dos valores literários nacionais, exceptuando escritores como Luís de Camões, Gil Vicente e poucos mais, atacando os poetas, dramaturgos, romancistas e jornalistas seus contemporâneos. Transmite uma visão decadentista, ao negar originalidade e peculariedade à literatura nacional.

Tem a sua vertente revolucionária ao inculcar a ideia de que a literatura portuguesa deverá sofrer um processo de reconstrução que deverá partir de uma sociedade revitalizada.

Uma literatura com carácter nacional mas que se paute por valores universais.

O modelo e guia desta renovação salvadora da literatura nacional seria Chateaubriand, com o conceito de Belo absoluto como ideal da literatura, constituindo esta um retrato da Humanidade na sua totalidade.

12 de Junho de 1871

4ª Conferência: "A Literatura Nova ou o Realismo como Nova Expressão de Arte"

Conferência dada por Eça de Queirós e que encontra a sua inspiração em Proudhon e, no aspecto programático, no espírito revolucionário destas Conferências referido por Antero nas palestras que proferiu.

Eça salientou a necessidade de operar uma revolução na literatura, semelhante àquela que estava a ter lugar na política, na ciência e na vida social. A revolução é um facto permanente, porque manifestação concreta da lei natural de transformação constante, e uma teoria jurídica, pois obedece a um ideal, a uma ideia. É uma influência proudhoniana. O espírito revolucionário tem tendência a invadir todas as sociedades modernas, afirmando-se nas áreas científica, política e social. A revolução constitui uma forma, um mecanismo, um sistema, que também se preocupa com o princípio estético. O espírito da revolução procura o verdadeiro na ciência, o justo na consciência e o belo na arte.

A arte, nas sociedades, encontra-se ligada à seu progresso e decadência, sendo condicionada por causas permanentes, como o solo, o clima e a raça e causas acidentais – ideias que formam os períodos históricos e determinam os costumes, também denominadas históricas.

O artista encontra-se sob a influência do meio, dos costumes do tempo, do estado dos espíritos, do movimento geral, em conclusão às causas acidentais ou históricas. A arte obedece, então, às ideias directrizes da sociedade, ao seu ideal, à sua ideia-mãe, conduzindo esta situação à harmonização entre a arte e o ideal social. Esta teoria indicia a conciliação da teoria determinista de Taine, com a influência do meio e do momento histórica na criação artística, e o principio moral de Proudhon, que refere o papel social do artista e a utilidade da arte.

A revolução, que inspirara tantos escritores, como Rabelais e Beaumarchais, é renegada e esquecida pela arte contra-revolucionária. Faz uma crítica cerrada ao Romantismo, a Chateaubriand, refere a separação entre o artista e a sociedade que conduz à arte pela arte e, por fim, anuncia o principio da reacção salutar que começava a acontecer contra a "impostura oficializada" – o Realismo, que coincide com o despertar do espírito público.

"Que é, pois, o realismo? É uma base filosófica para todas as concepções do espírito – uma lei, uma carta de guia, um roteiro do pensamento humano, na eterna região do belo, do bom e do justo. Assim considerado, o realismo deixa de ser, como alguns podiam falsamente supor, um simples modo de expor – minudente, trivial, fotográfico. Isso não é realismo: é o seu falseamento. É o dar-nos a forma pela essência, o processo pela doutrina. O realismo é bem outra coisa: é a negação da arte pela arte; é a proscrição do convencional, do enfático e do piegas. É a abolição da retórica considerada como arte de promover a comoção usando da inchação do período, da epilepsia da palavra, da congestão dos tropos. É a análise com o fito na verdade absoluta. Por outro lado, o realismo é uma reacção contra o romantismo: o romantismo era a apoteose do sentimento; o realismo é a anatomia do carácter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios olhos – para nos conhecermos, para que saibamos se somos verdadeiros ou falsos, para condenar o que houver de mau na nossa sociedade." **

Dando uma noção mais concreta, Eça sistematiza:

"1º - O Realismo deve ser perfeitamente do seu tempo, tomar a sua matéria na vida contemporânea.(...);

2º - O Realismo deve proceder pela experiência, pela fisiologia, ciência dos temperamentos e dos caracteres;

3º - O Realismo deve ter o ideal moderno que rege a sociedade – isto é: a justiça e a verdade"***

Foca aqui as relações da literatura, da moral e da sociedade. A arte deve visar um fim moral, auxiliando o desenvolvimento da ideia de justiça nas sociedades. Fazendo a crítica dos temperamentos e dos costumes, a arte auxilia a ciência e a consciência. O Realismo conduzirá à regeneração dos costumes. Concluindo:

"A arte presente atraiçoa a revolução, corrompe os costumes. De tal forma, ou se há-de tornar realista ou irá até à extinção completa pela reacção das consciências. – O modo de a salvar é fundar o realismo, que expõe o verdadeiro elevado às condições do belo e aspirando ao bem, - pela condenação do vício e pelo engrandecimento do trabalho e o da virtude."****

19 de Junho de 1871

5ª Conferência: "A Questão do Ensino"

Palestra proferida por Adolfo Coelho que se inicia com uma posição de ataque às coisas portuguesas. Traça o quadro desolador do ensino em Portugal, mesmo o superior, através da História.

A solução proposta passa pela separação completa da Igreja e do Estado e por uma mais ampla liberdade de consciência, solução que, no entanto, era restrita a uma zona da vida nacional.

Para Adolfo Coelho a Igreja deprime o povo e do Estado nada havia a esperar. Tomando isto em consideração, o remédio seria apelar para a iniciativa privada, para que esta difundisse o verdadeiro espírito científico, o único que beneficiaria o ensino.

26 de Junho de 1871

Quando Salomão Saragga se preparava para realizar a sua Conferência "História Crítica de Jesus", o Governo, por portaria, mandou encerrar a sala do Casino Lisbonense e proibir as Conferências.

No mesmo dia Antero redige um protesto no café Central, hoje Livraria Sá da Costa.



Protesto de Antero de Quental

Este protesto foi da autoria de Antero de Quental, tendo sido redigido no Café Central, hoje Livraria Sá da Costa, no mesmo dia da proibição:

"Em nome da liberdade do pensamento, da liberdade da palavra, da liberdade de reunião, bases de todo o direito público, únicas garantias de justiça social, protestam, ainda mais contristados do que indignados, contra a portaria que manda arbitrariamente fechar a sala das Conferências democráticas. Apelam para a opinião pública, para a consciência liberal do País, reservando a plena liberdade de respondermos a este acto de brutal violência como nos mandar a nossa consciência de homens e de cidadãos"*

Este protesto é assinado por Antero de Quental, Adolfo Coelho, Jaime Batalha Reis, Salomão Saragga, Eça de Queirós.


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