quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019







Luís Neves Real

Recordar Luís Neves Real













Nuno Grande  (o segundo a contar da esquerda),  
Ruy Luís Gomes (terceiro),
 Corino de Andrade (quinto), Luís Neves Real (oitavo)












Notas Biográficas dos Investigadores e Docentes alvo de Depuração Política das Universidades Portuguesas pelo Estado Novo

Da Brochura que faz parte da homenagem aos professores universitários demitidos pelo Estado Novo

E que tem o título:
A DEPURAÇÃO POLÍTICA DO CORPO DOCENTE DAS
UNIVERSIDADES PORTUGUESAS
DURANTE O ESTADO NOVO
(1933-1974)

Capitulo III

Notas Biográficas dos Investigadores e Docentes alvo de Depuração Política das Universidades Portuguesas pelo Estado Novo


1934



António Barros Machado (1912-2002)

Licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade do Porto foi nomeado, em 1934, assistente extraordinário de Zoologia. Nesse ano é-lhe rescindido o contrato, juntamente com outros assistentes da Faculdade de Ciências (ver Cap. II), por terem subscrito um documento de critica às condições do ensino. Vai trabalhar, então, para o Museo Nacional de Ciencias Naturalles, em Madrid. A Guerra Civil interrompe-lhe o curso de doutoramento na Universidad de Madrid, regressando ao Porto em 1936. Estagia depois no Museum d’ Histoire Naturelle de Paris. Antigo assistente e admirador de Ruy Luís Gomes, neto de Bernardino Machado, apoiante da resistência democrática ao regime, nunca voltará a ser admitido nas Universidades portuguesas devido à informação negativa da policia política, não obstante o seu curriculum e altas classificações. Opta pelo ensino secundário particular e depois parte para Angola, onde dirige o Laboratório de Investigação Biológica do Dundo até 1973. Em 1978, já com a Democracia, torna-se presidente da Sociedade Portuguesa de Etnologia e, em 1990, recebe o doutoramento Honoris Causa pelo Instituto Biomédico Abel Salazar da Universidade do Porto, à qual ficou ligado como professor catedrático Jubilado.

Henrique Vítor Ziller Pérez

É nomeado assistente extraordinário de Zoologia e Antropologia da Secção de Ciências Histórico-Naturais da Faculdade de Ciências do Porto em 1932. Vê ser-lhe rescindido o contrato em 1934 pelas mesmas razões de ordem política que levaram ao afastamento de dois outros assistentes da FCUP nesse ano ( ver cap. II). Terá falecido pouco depois.

Luís Neves Real (1910-1935)

Activista do movimento estudantil contra a Ditadura no inicio dos anos 30 na Universidade do Porto, é desse período que vem o conhecimento com o jovem 1º assistente da Faculdade de Ciências, Ruy Luís Gomes, de quem será amigo, colaborador cientifico e companheiro de lutas políticas durante décadas. Licenciado pela FCUP em Ciências Matemáticas com elevadas classificações em 1932 (e em engenharia electrotécnica em 1937), é-lhe rescindido o contrato por razões políticas dois anos depois, o que não o impede de, com Ruy Luís Gomes, ser um dos grandes impulsionadores do Movimento Matemático desde meados dos anos 30 até 1948 (ver nota 13 do Cap. I do presente trabalho), animando o Centro de Estudos Matemáticos do Porto, a Sociedade Portuguesa de Matemática e o Seminário de Matemática ( que chegou a funcionar em sua casa, quando o cerco do regime se começou a apertar). Volta a ser contratado como assistente da FCUP em 1942, mas a degradação das condições de trabalho e da liberdade académica levam-no a rescindir o contrato em 1945, dedicando-se então de corpo e alma ao Centro de Estudos Matemáticos do Porto que só abandona quando o seu mentor, Ruy Luís Gomes, é demitido.








Bernardino Machado regressou do 2º exílio, vindo de França com outros emigrados políticos- Jaime Cortesão, sua mulher e filha Maria Judite, César de Almeida e sua mulher, família Pope. Acompanhava-o também a filha Elzira, que o secretariava desde que substituiu a irmã Jerónima, quando do casamento com Aquilino Ribeiro.

Desembarcaram na estação do Rossio na noite de 28 de Junho de 1940, tendo meu Avô ido ficar a casa de seu filho Bernardino, que morava na Lapa..

Pouco depois da sua chegada a Lisboa presenciei a cena da intimação pela polícia política de Salazar, para que Bernardino Machado abandonasse a cidade. Que grande lição de civismo a que assisti ! Todas as qualidades e virtudes que sabia pertencerem à sua personalidade – dignidade, bondade, cordialidade, inteligência e nobreza de carácter – marcaram a forma como recebeu o agente da PIDE, que levava uma declaração para meu Avô assinar, comprometendo-se a abandonar Lisboa no prazo de 24 horas e ficar com residência fixa em Paredes de Coura. O “pide” ficou surpreendido, sem perceber a forma como era tratado; meu Avô pediu-lhe que se sentasse, perguntou-lhe se tinha filhos, donde era natural, explicando-lhe depois porque não podia assinar tal documento, pois tinha enviado na véspera, dia 28 de Junho, ao entrar na fronteira, um telegrama ao Presidente do Conselho, cujo texto lhe foi lido:

- “Os meus compatriotas, quase todos militares, que acabam de chegar a Portugal, entenderam que, na eventualidade de prestarem os seus serviços em defesa da nação, não deviam conservar-se em França donde mais tarde poderiam ser impedidos de partir. E, devendo este grave momento ser de união para todos os portugueses, vim também para, por minha parte, dar o exemplo.”

O “pide” retirou-se desnorteado. Mas passado algum tempo regressou, insistindo na assinatura do documento que voltou a entregar a Bernardino Machado. Meu Avô pediu a uma das netas presente para escrever à máquina a seguinte declaração:

- “O Governo pode convidar-me a sair de Lisboa, o que me prontifico a fazer no prazo de 24 horas, pelo receio que porventura tenha de que a minha presença, contra minha vontade, seja causa de qualquer agitação. Mas o que não pode é condenar-me à detenção, seja onde for, porquanto não faltei nem sou capaz de faltar à declaração que ao Chefe do Governo fiz de que vim para, por minha parte, dar o exemplo da união entre todos os portugueses.”

Foi esta a declaração que o “pide” levou. Nunca meu Avô tomou o compromisso de aceitar o regime de residência fixa, como é referido em muitas publicações históricas. Aliás decidiu em 1942 ir viver para os arredores do Porto, para a Senhora da Hora, tendo falecido no Porto em 1944. Em carta para meu Pai, datada de 19 de Março de 1944, refere: - “Eu tinha preparado tudo para ir do Porto para o Estoril. Mas à última hora coincidiram dois factos: o adiamento da vinda do Covões que se tinha oferecido para me levar no seu automóvel, e conjuntamente com o mau tempo o receio que sobreveio ao meu médico que eu não tivesse todas as forças para fazer a viagem. Para aqui voltamos todos e continuaremos até o nosso médico autorizar a partida.”


Na manhã seguinte à sua chegada Bernardino Machado foi visitar a filha Joaquina que se encontrava internada no Hospital da Estrela, onde tinha sido operada pelo Dr. Sacadura Bote. Fez a viagem a pé, acompanhado por seu neto António Barros Machado e o  Doutor Neves Real, sendo reconhecido por todos os transeuntes, que lhe prestavam, com grande alegria, provas de muito afecto e respeito.

Numa carta para um neto, Bernardino Machado recorda a sua vinda do exílio: - “...tu, António, companheiro querido dessa noite histórica em que 14 anos de policia inquisitorial e tribunais de excepção se assustaram, julgando-se arriscados ao seu transe final, se me não retirasse depressa de Lisboa...”

O professor de matemática, Doutor Luís Neves Real, assistente do saudoso Professor Doutor Rui Luís Gomes, escreveu em Setembro de 1952 um texto que intitulou - Uma lição dos homens da “Propaganda” - para as páginas do jornal “República”, quando da homenagem a António Luís Gomes, do qual transcrevemos uma parte referente a Bernardino Machado.

“Só, em relação ao que evolucionou o mundo de então para cá, é que se pode compreender tudo o que para mim significou ver, em 1940, caminhar pelas ruas de Lisboa a figura nonagenária de Bernardino Machado. Eu tivera já a honra de conhecer pessoalmente Bernardino Machado durante o seu exílio de La Guardia. Fora para essa simples visita de saudação, levando, lado a lado com recordação de elegância, brilho e combatividade do seu espírito, que admirava nos seus escritos, a memória da sua figura e do seu rosto, colhida em múltiplas revistas e jornais dos tempos democráticos da minha infância. Mas a primeira impressão diante de Bernardino Machado foi a perplexidade: ele era totalmente diferente. Vinha a diferença dum olhar extraordinário, de aguda inteligência e admirável suavidade, que se sobrepunha a todas as linhas fisionómicas e desmentia, como descoloridas e superficiais, todas as falsas imagens que dele conhecera. Enquanto o ouvia discorrer sobre acontecimentos do passado, que a sua espantosa memória pormenorizadamente retinha, eu reencontrava, com indefinível encanto, aquela afectividade, que molhara de lágrimas, as saudosas e pungentes páginas que dedicou num livro à recordação da sua filha Maria.

Hoje, irresistivelmente, me surgem as palavras “luz calor”, do título do velho livro setecentista, para exprimir a impressão, com que, nesse fim de tarde dum Maio desabrido, deixei Bernardino Machado rodeado do carinho dos seus.
Foi esta mesma emoção que ampliada voltei a sentir quando em 1940 em Lisboa pude seguir Bernardino Machado, dirigindo-se a pé, desde o Hospital da Estrela até à Rua do Maestro António  Taborda.

Era esta a primeira oportunidade que se lhe oferecia, após catorze anos de exílio, de caminhar livremente pelo meio do Povo dessa cidade, que diversas vezes o elegera como seu representante e de onde, em momentos decisivos para a vida do País e do Regime, ele fora o interprete da vontade da maioria da Nação e do pensamento democrático português. Cada rua, cada lugar, era motivo para a evocação de gente e acontecimentos, sempre cerzidos pela linha firme dum pensamento coerente. Como era lento o seu caminhar começaram a surgir pessoas, que, ao cruzarem com ele o reconheciam, surpreendidas, e voltavam depois, sobre os seus passos, para o saudarem com impressionante respeito. A todos respondia com o tão celebrado cumprimento, que conheci e compreendi, então, no seu exacto significado: um gesto simples, mas caloroso, em que se fundiam um profundo sentimento de fraternidade e o reconhecimento da dignidade inerente a cada ser humano. Dessas singelas e sentidas homenagens de desconhecidos, nenhuma porém foi mais tocante do que a duma mulher – modestíssima mulher – que depois de o reconhecer a ele se dirigiu, visivelmente emocionada, para lhe dizer que possuía, como preciosidade que seu marido sempre venerara e ela religiosamente conservava, um antigo retracto de Bernardino Machado”.







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