Tive acesso ao "ARQUIVO SALAZAR" da Torre do Tombo, onde se encontra a documentação referente a Bernardino Machado
Entre os primeiros documentos que me foram facultados estão duas cartas trocadas, em Janeiro de 1940, entre Bernardino Machado e Domingos Pereira, que reproduzimos:
DOMINGOS LEITE PEREIRA (1882 – 1956) *
Figura notável da I República e da Resistência contra a ditadura do Estado Novo. Cidadão de grande dignidade moral e humanamente muito rico, foi perseguido pelo regime de Salazar. Em 1935 foi afastado do cargo que exercia e, no mesmo ano, foi proibido de residir no território nacional durante dois anos. Quando regressou de Espanha prosseguiu o seu combate pela Democracia.
Concluiu o ensino secundário em Braga, em 1889.
Frequentou na Universidade de Coimbra a Faculdade de Teologia (1899/1904, ano em que alcançou o bacharelato). Em Lisboa, ingressou no Curso Superior de Letras. Professor liceal de Filosofia e Literatura Latina.
Como jornalista, colaborou em diversos jornais e revistas (“Pátria”, “O Primeiro de Janeiro”, “Norte”, “Diário de Notícia”, “Sol”, “A Verdade”, “Radical”).
Administrador do Concelho e Presidente da Câmara Municipal de Braga (1910/12).
Deputado à Assembleia Constituinte (1911) pelo círculo de Barcelos, foi reeleito Deputado em diversas legislaturas por Barcelos (1911/15) e por Braga (1915/17, 1919/21, 1921/22, 1922/25 e 1925/26), vindo a ser eleito, por unanimidade, Presidente da Câmara dos Deputados.
Delegado à Conferência Interparlamentar do Comércio.
Exerceu diversas funções governativas: Presidente do Ministério por três vezes (1919, 1920 e 1925), acumulando a pasta de Ministro do Interior; Ministro da Instrução Pública no governo de José Relvas (1919); Ministro dos Negócios Estrangeiros nos governos de Álvaro de Castro (1920 e 1923/24), Liberato Pinto (1920/21), Bernardino Machado (1921) e António Maria da Silva (1922/23); e ainda, por diversas vezes, Ministro das Colónias interino. Na pasta dos Negócios Estrangeiros, revelou grandes qualidades de diplomata, sendo notável a sua acção nas negociações tendentes a restabelecer a boa harmonia entre Portugal e o Vaticano. Como Ministro da Instrução, reorganizou as estruturas educativas, aumentando a escolaridade obrigatória de 3 para 5 anos. Os seus Governos tiveram fortes preocupações sociais, quer a nível do regime do arrendamento, quer das relações laborais (estabelecimento de horário de trabalho e descanso semanal, protecção nos acidentes de trabalho e doenças profissionais, seguros sociais). A sua actividade foi, porém, gravemente afectada pelo clima de instabilidade política e social, com constantes greves e alterações da ordem pública.
Após o golpe sidonista de Dezembro de 1917, foi preso em Braga, em Janeiro de 1918.
Em 1935 foi afastado do cargo, que exercia, de chefe da secretaria judicial da 5.ª vara de Lisboa.
Ainda em 1935 foi proibido, juntamente com o Eng. Francisco Cunha Leal e Prestes Salgueiro de residir no território nacional durante dois anos.
Colocado na fronteira com a Espanha, sem quaisquer meios e com a saúde muito abalada, Domingos Pereira recorre ao auxílio do seu amigo, Duque de Alba [Don Jacobo Fitz-James Stuart y Falcó, 17.º Duque de Alba de Tormes (Madrid, 1878 – Lausanne, 1953), que fora Ministro dos Negócios Estrangeiros de Espanha em 1930/31], que o convida a ir de imediato para Madrid. À chegada a Madrid tem, na estação de comboios, o próprio Duque de Alba que o leva e instala no seu palácio, convidando-o a ficar o tempo que necessitasse. No entanto, envergonhado por nem dinheiro ter para dar uma gratificação ao mordomo do Duque, resolve reunir-se com a família e muda-se para Vigo. Um ano mais tarde é-lhe autorizado o regresso a Portugal.
Foi apoiante das candidaturas à Presidência da República de Norton de Matos (1949) e de Rui Luís Gomes (1951).
Presidente do Conselho de Administração da Companhia de Seguros Douro (1950/56).
Foi agraciado pela Áustria, Chile, China, Dinamarca, Islândia, Itália, Noruega e Vaticano
Em Portugal, foi condecorado com a Grã-Cruz de Santiago da Espada (1924).
Uma semana após o seu falecimento, Aníbal Mendonça escreveu no jornal “O Primeiro de Janeiro”, a respeito de Domingos Leite Pereira: “Para ele, a Democracia significava austeridade, ordem hierarquizada, liberdade de credos e de opiniões, respeito pela lei e pelos direitos de cada um; mas significava também vasta compreensão dos problemas da comunidade e do homem, alguma coisa de simples, de afectivo, de caridoso, uma generosa tolerância e um límpido e quase platónico desejo de entreajuda, a ânsia de estender os braços, de comungar, de construir na unidade e na paz. E toda a sua vida política, esplendente de nobres intenções, se realizou sob o domínio desta preocupação: atrair, perdoar, estreitar desavindos, remediar com um sorriso situações perturbadas, distribuir favores não importava a quem, apenas por imperativo da sua consciência e da sua bondade, desprezando muitas vezes as próprias conveniências de ordem política. Quantos, amigos ou adversários lhe devem o seu futuro! Quantos amparou e por quantos pediu! Que imenso rasto de fraterna simpatia pelos infelizes ou pelos humildes deixou a sua passagem pelas cadeiras do Poder, sempre igual a si próprio, afável, acolhedor, sem se deslumbrar pelas alturas! …Um homem desta estirpe, de tão luminosa dignidade moral, que aceitava prontamente todos os critérios, desde que eles lhe parecessem mais justos e claros que o seu, cortês, perspicaz, temperador, embora nunca traindo o primado dos seus ideais, tinha de conquistar adeptos, partidários, admiradores e amigos sem conta. E, de facto, conquistou” [Extraído do texto da autoria de Carlos Rodrigues Jaca, “Domingos Pereira – In Memoriam. Trajectória Política” publicado no “Diário do Minho”, 22/2, 1/3 e 8/3/2006, e disponível na Internet.].
(*) Biografia partilhada por Mário Torres no Grupo Fascismo Nunca Mais.
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