Ponto Final
António Sampaio da Nóvoa: “Quem pensa Portugal no mundo, não pode deixar de pensar na língua portuguesa”
O antigo reitor da Universidade de Lisboa e actual embaixador de Portugal na UNESCO recebeu ontem o título académico de Professor Coordenador Honorário do Instituto Politécnico de Macau (IPM). Aos jornalistas, o ex-candidato à Presidência da República Portuguesa sublinhou que a liberdade na academia “é essencial” e defendeu que “não é possível conceber a sociedade do século XXI sem uma forte interação com as universidades”.
Cláudia Aranda
Para António Sampaio da Nóvoa, ex-candidato à Presidência Portuguesa, nas eleições de 2016, e actual embaixador de Portugal na UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), “do ponto de vista da universidade, as questões da liberdade são sempre essenciais”. O antigo reitor da Universidade de Lisboa, que recebeu ontem o título académico de Professor Coordenador Honorário” do Instituto Politécnico de Macau (IPM), respondia aos jornalistas sobre o relatório de direitos humanos do Departamento de Estado norte-americano de 2017, publicado na semana passada, que indica haver restrições às liberdades académica e de imprensa em Macau.
“A ideia da liberdade é absolutamente central em todos os momentos, não há universidade sem uma dimensão de liberdade”, afirmou o académico. “Eu, como reitor da Universidade de Lisboa, fui buscar um ‘slogan’ a uma velha lição de sapiência de Bernardino Machado (terceiro e oitavo presidente da República Portuguesa), que ele, na Universidade de Coimbra, no princípio do século XX, terminava dizendo que ‘uma universidade deve ser escola de tudo, mas sobretudo da liberdade’”, explicou. Com a ressalva de que não se pronuncia sobre questões concretas de um país ou de outro, o académico afirmou que, “em termos gerais, é evidente que a liberdade é essencial, não há capacidade para fazer ciência, de trabalhar em educação, não há capacidade de servir a sociedade se não houver essa liberdade que, a meu ver, é absolutamente central”, frisou.
Língua é o maior valor de Portugal
Para Sampaio da Nóvoa, “a língua portuguesa é talvez o maior valor que nós (Portugal) temos, obviamente por causa do Brasil, que é o grande país de falantes da língua portuguesa. Mas, também, pela projecção da língua portuguesa em África e pela projecção da língua portuguesa na Ásia, pela importância de Macau e também pela importância que a China vem dando à língua portuguesa”.
Ainda como reitor da Universidade de Lisboa, Sampaio da Nóvoa, estabeleceu acordos com as universidades de Pequim e Tianjin e apadrinhou a abertura dos dois primeiros doutoramentos em português no IPM.
“Quem pensa Portugal no mundo, não pode deixar de pensar na língua portuguesa, e por isso todo o trabalho que se possa fazer, seja a partir de Macau, seja a partir da plataforma que se tem construído com outras universidades da China, (…) é um trabalho absolutamente decisivo para o futuro de Portugal, pensar Portugal sem pensar na projecção da língua portuguesa no mundo é absolutamente impossível. Por isso é que cerimónias como estas têm simbolicamente uma importância muito grande, não só do ponto de vista pessoal, mas também do ponto de vista do que representam de compromisso, neste caso do Instituto Politécnico de Macau, com a língua portuguesa e com a sua projecção futura”, afirmou.
A ciência tem que sair dos laboratórios
No entender de Sampaio da Nóvoa, “a UNESCO é uma instituição muito importante que tem estado nos últimos anos numa situação de crise, financeira e política também, nomeadamente, com a anunciada saída dos Estados Unidos e de Israel, que deixam marcas numa organização multilateral onde queremos ter toda a gente, e a UNESCO tem vindo nos últimos anos a ter algumas dificuldades em clarificar a sua missão”.
Assim sendo, o embaixador de Portugal na organização deseja contribuir para duas áreas em que acredita que a UNESCO pode ter um papel importante. Uma delas consiste em que a organização volte a ser protagonista nas políticas públicas de educação, “protagonismo que perdeu nos últimos 20 anos”. Por outro lado, defende Sampaio da Nóvoa, “a UNESCO poderia ter um papel muito importante na produção de convenções, no sentido de aprofundar o conceito de ciência aberta e a ideia de que os cidadãos e os contribuintes não podem andar a pagar fortunas na ciência que depois serve para interesses privados”.
“A ciência não deve estar fechada nos laboratórios é preciso que ela faça parte da nossa maneira de pensarmos a sociedade, da nossa maneira de agirmos no nosso dia-a-dia, e se não houver cultura científica nas sociedades é impossível uma evolução das sociedades. Nomeadamente, face a esses absurdos, em que talvez o maior de todos esses absurdos é a negação da existência das alterações climáticas, que é hoje o grande problema das sociedades contemporâneas, porque as alterações climáticas têm a ver com os recursos hídricos, com a água, a energia, as desigualdades sociais, a pobreza, a miséria no mundo. Por isso, falar de alterações climáticas é falar de tudo o que é uma realidade da nossa vida no século XXI. Não podemos pensar hoje sem ser a partir de uma matriz científica. Mas essa ciência não pode ficar fechada em meia dúzia de instituições e universidades, ela tem que ser cultura científica das sociedades. Por isso, este meu apelo à cultura científica e à ‘open science’, à ciência aberta”.
À questão se as academias já são suficientemente democráticas e se já há suficiente interacção entre universidades e a sociedade o académico respondeu que “não”. “Já há consciência dessa necessidade, mas ainda não há uma prática coerente com essa consciência e, por isso, temos que evoluir muito no conceito”, disse. “Não é possível, hoje, conceber a sociedade do século XXI sem uma forte interação com as universidades, em todos os planos. Como é que se vive nas cidades, os transportes, a mobilidade, a energia, a cultura, a habitação, o envelhecimento, por tudo isto é central que tenhamos universidades comprometidas com as cidades”, acrescentou.
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