Com a devida vénia, transcrevemos do blogue
sexta-feira, 31 de março de 2017
BERNARDINO MACHADO, AMÉRICO D’OLIVEIRA E ALCOBAÇA
Alcobaça era, em geral, uma terra conservadora.
O Semana Alcobacense estava, porém, a radicalizar posições, com textos sobre o momento político, onde se fazia o apelo à revolução, não excluindo o regicídio. O jornal utilizava como armas um jornalismo militante que se encarregava, sistematicamente, de zurzir pela escrita mordaz, os adversários com afinco, especialmente não republicanos. (…) A situação portuguesa não é solúvel dentro das fórmulas legaes e normaes; ela tem que ser inevitavelmente resolvida por ato violento que córte radicalmente o nó górdio da situação, isto é, que destrua até os fundamentos da ordem político-jurídica subsistente e a substitua por outra que corresponda inteiramente às exigências da moral social e das aspirações e do sentimento cívico e patriótico dos portugueses. Assente isto, e estabelecido que a ordem política a instituir é a República, visto como causa originária do conflicto nacional reside na existência da Monarchia; reconhecida a urgência desta substituição - que já tarda -, ocorre perguntar:- Conta a democracia, isto é, o partido republicano, com os elementos necessários para proceder a este ato urgente?(…).
Também não repudiava alinhar numa campanha (primariamente) anticlerical, pois na Alemanha vae uma inferneira dos diabos, porque o Papa fez publicar uma encyclica aggravando os povos e princípios protestantes, estando até iminente um conflicto diplomático, por causa das palavras insultuosas de Pio X. Nenhuma razão achamos para tão grande celeuma. Motivo achamos sim, mas é para estranhar os despeitos e a attitude hostil dos allemães para com o Vaticano. O Papa falou contra aquelles que andam fora da obediência ao seu cajado de pastor da cristandade? Deixae-o lá! Está no seu papel – que é preciso ir reduzindo às legítimas proporções de uma simples religião… prehistórica.
Durante cerca de 30 anos este semanário foi quase o único jornal da Vila. Passou ao longo desses anos por inúmeras dificuldades, a que não foram estranhas a falta de assinantes e receitas de publicidade, bem como dissensões internas quanto à orientação editorial. Após vários anúncios de eventual encerramento, o jornal suspendeu a publicação em 3 de julho de 1921, reaparecendo com outros responsáveis em 7 de maio de 1922 até 29 de abril de 1923, em que encerrou definitivamente. Tinha poucos assinantes e publicidade, além de que os que compunham o corpo redatorial estavam zangados, de costas viradas uns com os outros.
O ardor republicano em Alcobaça que estava a desvanecer, ficara registado, por exemplo, numa fotografia de Carlos Gomes de 1908, a propósito da visita de Bernardino Machado (a vontade era mesmo convidar António José de Almeida), para a inauguração do Centro Republicano Democrático e ali usar da palavra, bem como realizar uma conferência no teatro.
Nessa altura os correligionários do ilustre e simpático democrata preparam-lhe umafraternal receção, indo alguns esperá-lo à estação de caminho de ferro de Valado de Frades, enquanto outros, o aguardaram em Alcobaça, pelo que formado um cortejo, acompanharam-no até a casa de José Eduardo Raposo de Magalhães, onde ficou hospedado, na falta de instalações condignas e por razões de companheirismo político.
Depois de ter assistido à inauguração do Centro (onde foi servido um porto que a Casa Ferreira da Silva, tinha recebido de S. João da Pesqueira), Bernardino Machado dirigiu-se para o teatro no Mosteiro, a fim de realizar a sua conferência com sala lotada, tendo ficado pessoas à porta. Nos camarotes, viam-se senhoras, havendo na assistência indivíduos pertencentes a outros credos políticos como monárquicos, o que foi motivo de admiração e pretexto para se dizer que não faltavam pessoas que se preparavam para passar para o outro lado da barricada.
Quando Bernardino Machado, apareceu no palco, bem como no decurso da conferência, ouviram-se prolongadas e calorosas salvas de palmas e vivas.
Francisco Batista Zagallo em rápidas e breves palavras fez a apresentação do conferencista Terminada a conferência, o prestigioso democrata subiu para a caleche rumo ao palacete de José Raposo de Magalhães, onde ocorreu uma receção a republicanos e se trocaram brindes. Bernardino Machado retirou no dia seguinte para a Foz do Arelho, para cumprimentar Afonso Costa que ali se encontrava a passar uns dias, seguindo só depois para Lisboa.
Antes da partida de Alcobaça, Bernardino Machado ainda visitou o Hospital da Misericórdia, o Mosteiro, o museu de Vieira Natividade e diversos pontos da vila, tirando na Fotografia Rebelo, de Carlos Gomes, o supra referido retrato com a comissão municipal republicana e outros correligionários.
Apesar de ter sido um homem ligado ao sistema político monárquico, dele se foi afastando aos poucos, assumindo convicções republicanas. A sua intransigência, tal como Afonso Costa ou Alexandre Braga, relativamente à questão dos Adiantamentos à Casa Real, não colhia, a simpatia do Paço Real. É de referir que, não obstante o entusiasmo e empenhamento no sucesso da República, não criticava muito severamente D. Carlos, que reputava como vítima da irremediável decadência que tinha atingido a Monarquia, já que os seus principais responsáveis não tinham energia para enfrentar a situação e a defender. Em 1903, pronunciou no Ateneu Comercial de Lisboa, o discurso Da Monarquia para a República que lhe valeu o trampolim para ser eleito Presidente do Diretório do PRP/Partido Republicano Português. Bernardino Machado veio a lamentar o regicídio, por o entender desnecessário para o surgimento de uma República que conduzisse Portugal pelos novos tempos e rumos.
Em abril de 1906, em companhia de Américo d’Oliveira e de seu primo Rodrigo Lopes d’Oliveira Júnior, tinha estado em Alcobaça Artur Leitão, conhecida figura do Partido Republicano, e Miguel Machado, filho de Bernardino Machado. Aproveitando a sua estada em Alcobaça, fizeram duas conferências no Centro Republicano, apesar de funcionar em instalações pequenas e precárias, o que impedia afluência de público e muito especialmente dos não militantes, ao contrário do teatro.
O republicanismo local, imputável mais a um grupo restrito que à generalidade da população genericamente conservadora, não era fácil de manter, pelo que ia esmorecendo, perante os repetidos conflitos pessoais com cortes de relações e picardias, bem como as dificuldades de vida que o município de parcos recursos não conseguia minorar. A implantação da República acarretou alguma emoção nos primeiros tempos, apesar dos exageros relativamente a personalidades respeitáveis, à Igreja corporizada no clero, mas a guerra na Europa acarretou um pequeno (mas nada generalizado) refrear de ímpeto militante.
A alvorada do dia 5 de Outubro de 1914, foi anunciada em Alcobaça, do morro do castelo, com uma salva de 21 morteiros, para a qual foi realizada uma subscrição. Durante o dia a bandeira verde e rubra, conservou-se hasteada nos edifícios públicos, depois iluminados à noite, e em algumas casas particulares de indefetíveis republicanos. Como não tivesse havido possibilidades materiais para contratar uma filarmónica para atuar naquele dia, a Comissão Executiva da Câmara Municipal conseguiu, graças ao empenhamento de Eurico Araújo, com a autorização de Pereira Caldas, Comandante dos Grupos de Artilharia aquartelados no Mosteiro, que a respetiva charanga, desse uma audição na parte de tarde, no coreto da Praça. Aí apareceram algumas famílias que aproveitaram o momento de descanso para farnelar, tanto mais que esteve um belo dia de início de outono.
Sem comentários:
Enviar um comentário