Do blogue do Amadeu Gonçalves - com um fraternal e muito apertado abraço
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017
A Imprensa e a I República em V. N. de Famalicão
Para as comemorações do 105.º Aniversário da Implantação da República em Portugal, a Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão organizou em 2015, através do Museu Bernardino Machado, a exposição “A Imprensa e a I República em V. N. de Famalicão”, a qual se encontra agora reposta, na sala de exposições e de conferências "Júlio Machado Vaz", até ao dia 5 de Março de 2017, no mesmo Museu. Nas palavras do Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, Paulo Cunha, no catálogo publicado sobre a mesma exposição, se, por um lado, refere “a valorização da história local”, por outro lado, na mesma exposição “propõe-se divulgar e perpetuar na memória dos famalicenses, a extraordinária dinâmica da imprensa famalicense neste período conturbado da história política nacional…” Paralelamente, a exposição contém referência a três partidos, com as suas comissões municipais, a saber: Partido Republicano Português, Partido Republicano Evolucionista e Partido Republicano Radical, relacionando-se, um pouco, desta forma, com o Ciclo de Conferências deste ano, o qual diz respeito aos "Partidos e as Grandes Questões da I República".
Numa primeira abordagem, o que convém questionar é se, de facto, o republicanismo em V. N. de Famalicão através da imprensa, na divulgação do seu ideário, teve o seu efeito prático. Na realidade, num primeiro momento, quando Sousa Fernandes em 1909, na inauguração do Centro Republicano Dr. Bernardino Machado, salienta a importância dos centros republicanos como meio de propaganda e de instrução, foca, enquanto instrumentos para tal fim, o jornal, o livro e a conferência. Contudo, pretende-se aqui enunciar cinco áreas concretas à volta da imprensa famalicense, entre o período histórico da última década da monarquia e os anos da I República, a saber: os periódicos republicanos, os periódicos de transição, os periódicos informativos e noticiosos, os periódicos literários e humorísticos e os periódicos associativos. Se no caso dos periódicos republicanos a caminhada teve início de forma simplista com “A Egualdade” (1885), o ideário republicano justifica-se com a “Nova Alvorada” (1891-1903) perante as comemorações das figuras gradas da cultura nacional e internacional (e mesmo locais) e o jornal “O Porvir” (1895-1897, 1906-1907 e 1910-1914), num combate anti-jesuítico e catolicista. Desta forma, primeira conclusão que se pode retirar é da aposta, numa primeira fase, por parte dos republicanos famalicenses, no discurso cultural, face ao discurso político, este já acentuado, numa segunda fase, com “O Porvir”. Face à irregularidade deste jornal, os republicanos evolucionistas de V. N. de Famalicão publicariam o “Desafronta”, com Francisco Maria de Oliveira e Silva, um dissidente da Comissão Municipal do Partido Republicano Português, e, só muito mais tarde, nos anos 20, iria surgir “O Clarão” (1920-1921), o porta-voz do operariado do concelho famalicense, e o semanário republicano “O Democrata” (1922-1923), ambos tendo na frente a figura de António Gonçalves Branco (1891-1972). Como se vê, tal como a nível nacional, as cisões partidárias do Partido Republicano Português tiveram não só influência na constituição de novas comissões municipais, como igualmente na formação dos seus órgãos de imprensa, caso dos evolucionistas e dos radicais. Estes, em 1925, constituíam não só a Comissão Municipal do Partido Republicano Radical, como igualmente o seu órgão de propaganda com o título “O Minhoto”. Por seu turno, e nos periódicos de transição, e já na I República, há, indiscutivelmente um nome que convém reter, o de Joaquim José da Rocha (1874-1930), tipógrafo e o patrão da Tipografia Aliança. De facto, e face à imprensa republicana, desde 1899 que o Partido Regenerador contou com três títulos, tendo sido o de maior longevidade “O Regenerador” (1899-1910), já se realçando no jornal então fundado por Monsenhor Santos Viegas, Joaquim José da Rocha, director e proprietário. Já na parte final da monarquia, os regeneradores famalicenses publicavam mais dois títulos efémeros, nomeadamente o “Notícias de Famalicão” (1910), sendo director Guilherme da Costa e Sá e na administração encontrámos o nome de António Maria Pereira (1878-1953), franquista em 1907, então jovem professor, e o “Novidades de Famalicão” (1910-1912), tendo como director e redactor principal Manuel José Rodrigues, incorporando-se mais tarde, na I República, na comissão municipal do Partido Republicano Liberal. Por outro lado, por parte do Partido Progressista, a comunidade famalicense deparava-se com o jornal “O Famelicense” (1908-1914), destacando-se o nome de José Maria da Graça S. de Sousa Júnior.
Se, em parte, os republicanos famalicenses contavam com o “Estrela do Minho” (1895-1969) de Manuel Pinto de Sousa, o fundador da Tipografia Minerva, como seu editor, proprietário e director, dando uma marca pessoal de político republicano laico e de independência e estando presente do princípio ao fim nas comissões republicanas-democráticas famalicenses, os monárquicos e os conservadores, assim como alguns dissidentes republicanos, particularmente oriundos dos evolucionistas, tiveram em V. N. de Famalicão o seu porta-voz incontestável, Joaquim José da Rocha. Para além de ter sido proprietário do semanário independente “Aptas” (1910), ao lado de Elpídio Brandão Peixoto (director e editor), o mesmo sucedendo com “A Paz” (1910-1911), surge em 1912 com a “Tribuna”, aqui já como editor e proprietário, secundado agora por Abílio Pereira de Araújo como director. Perante a efemeridade destes três títulos, será com a “Gazeta de Famalicão” (1914-1919), denominando-se “semanario monárquico”, e com “A Paz” (1919-1930), designando-se como “semanario conservador independente”, estes dois últimos títulos de maior longevidade, que Joaquim José da Rocha, de uma forma ou de outra, elabora não só o seu percurso ideológico, como igualmente o dos monárquicos e dos conservadores famalicenses, alcançando o seu apogeu com o pimentismo, na vitória das eleições municipais de 1917, no sidonismo e na monarquia do norte, numa constante reivindicação aos valores de uma “pátria” já ida e em constante remodelação.
Ao lado destes periódicos informativos e noticiosos, dos republicanos e de transição, a imprensa em V. N. de Famalicão toma um outro rumo, nomeadamente o literário e o humorístico, sem esquecer, como é óbvio, a cultura sempre presente nas páginas do “Estrela do Minho”, pontificando Camilo Castelo Branco e a Casa de Seide. No primeiro caso, conta-se nos seus corpos directivos e redactoriais personalidades conservadoras, oriundas do monarquismo franquista e de regeneradores, ao lado de uma nova geração que então começava a dar os seus primeiros passos nas lides jornalísticas. Neste último caso, temos o quinzenário humorístico, literário e noticioso “O Sonho” (1915-1916), estando aqui como editor Alexandrino Costa e na direcção o então ainda jovem republicano Alberto Veloso de Araújo, “O Pandilha” (1913-1914) e as três séries de “O Sorriso” (1909, 1912 e 1915), pontificando nomes como Daniel Correia Guimarães, António Maria Pereira, Joaquim Fortunato de Almeida, Alfredo Saraiva Sampaio e o de Francisco Mesquita de Araújo; e se já o “Novidades de Famalicão” em 1911 publica “O Sorriso” em seis números, uma página literária dedicada às damas famalicenses, sendo responsável A. Fontes, tais jornais, diga-se, sem excepção, radicalizam-se numa estética naturalista.
Surgem-nos, finalmente, os periódicos associativos, destacando-se indiscutivelmente “A Lavoura do Minho” (1912-1925), órgão de imprensa da Associação de Agricultura Famalicense, esta criada em 1912 e transformada em Sindicato Agrícola em 1913. No âmbito da ideologia republicana para a defesa e a divulgação da agricultura, destacaram-se nomes como os de Duarte Maria Menezes, Joaquim Moreira Pinto e Guilherme da Costa e Sá (integrou a equipa do jornal regenerador “Novidades de Famalicão”) e, no fim deste jornal, surgiria em Landim “O Guia do Agricultor” (1925-1935), com nomes como os de Abílio Gomes da Costa, Augusto Padrão e António Cândido de Sousa, conservadores.
Com a criação do Orfeão Famalicense (1916), surgiria o título “O Orfeonista” (1916-1917), com nomes como Alexandrino Costa e Mário Lima na administração, redactor-chefe Alberto Veloso de Araújo e tinha uma direcção de propaganda: ao lado dos já nomeados, acrescenta-se os de António Maria Pereira e Carlos Alberto Oliveira.
Paralelamente, o Grupo Desportivo Famalicense, que nascia no ano de 1922, fundava no mesmo ano “Vida e Sport”, sendo seu proprietário e editor Uriel Dias Marques.
Concluindo, se num primeiro momento o ideário republicano se impôs na comunidade famalicense através da imprensa, particularmente pela cultura, num segundo momento é clarividente a projecção conservadora e monárquica, que suplantará a imprensa republicana. Indiscutivelmente, que as consequências serão desastrosas.
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