sábado, 27 de agosto de 2016

 

 
Recordar os resistentes à Ditadura Militar e ao "Estado Novo"


JOSÉ BARÃO, memória e exemplo

Para se conhecer, com mais profundidade a figura cívica e a amplitude profissional de José Barão, atrevo-me a sugerir, que se realize, em 2016, no cinquentenário da sua morte uma seleção dos textos publicados no Jornal do Algarve, de crónicas, reportagens e artigos de opinião que evidenciam a dimensão do homem e do jornalista agarrado à terra de origem e, ao mesmo tempo, recetivo às transformações do mundo.

O tempo apaga, implacavelmente, figuras que pela intervenção profissional e cívica, se evidenciaram na sua geração que viveu o fim da Iª Republica os combates da resistência, as atrocidades do salazarismo e a amargura de não assistir á recuperação das liberdades e ao estabelecimento da democracia.

Recordo, entre alguns colegas falecidos, José Barão. Quando o conheci, há mais de 50 anos, precisamente a partir de 1959, era um grande repórter de O Seculo e uma referência ética entre os jornalistas. Em luta contra as imposições e restrições do regime procurava dignificar o Sindicato dos Jornalistas e garantir a função social e cultural da Casa da Imprensa.

Fundara, pouco antes, o Jornal do Algarve, um dos raros semanários de província de prestígio. Abordava as questões da região, chamando a atenção para os problemas de educação e do ensino, as questões da saúde, da justiça e da cultura. A posição editorial de José Barão transpunha a retórica bairrista, a especulação mórbida, o sensacionalismo demagógico. Embora o Turismo fosse um tema dominante, o Jornal do Algarve, logo de início, empenhou-se na defesa do património monumental, artístico e natural, a «cultura popular» e o que viria a ser classificado património imaterial.

Além da competência profissional José Barão distinguia-se pela irreverência. Algarvio até à medula tinha «o quente sarcasmo peninsular», para referir a síntese de Eça de Queiroz, numa autópsia camiliana. Onde quer que estivesse, perante situações insólitas, José Barão disparava com frases arrasadoras, em face de atitudes de lisonja pessoal e profissional, subserviência politica e fanatismo religioso. Vi ministros, bispos e generais, aterrados com as expressões irreprimíveis de José Barão. Disparadas em cima do acontecimento. Poderei, noutra ocasião, citar muitas. Assis Esperança dizia: «temos que inventariar o vocabulário do José Barão. Isto não se pode perder…» Era dos poucos que, n ‘O Seculo, enfrentava os berros do chefe de redação Acúrcio Pereira e o chefe de secretaria António Maria Lopes, cujos gritos chegavam, com frequência, à Calçada do Combro.

Como jornalista e cidadão insurgiu-se José Barão contra a repressão implacável que manteve o salazarismo, através da polícia politica, da prepotência da Censura, do arbítrio dos Tribunais Plenários. As denúncias feitas à Pide, no processo de José Barão, que se encontra no arquivo da Torre do Tombo, deveriam ser investigadas por Maria João Raminhos Duarte que se ocupou de resistentes algarvios, muitos dos quais suportaram o vexame e a tortura, nas prisões do Aljube, de Caxias, de Peniche, de Angra do Heroísmo e do Tarrafal.

Recentemente e a propósito de outro colega, o Padre Diniz da Luz, cujo centenário do nascimento decorrerá em Setembro, salientei que eramos controlados pela PIDE, na própria redação. Ele n’ A Voz e eu, no Diário de Noticias e n’ A Capital. Fui notificado, com outros colegas – Norberto Lopes, Mário Neves, Rogério Fernandes, Carlos Gil e António Borges Coelho – pela Comissão de Extinção da PIDE e interrogado pelo capitão António Pardal, por causa das denúncias de informadores que eram jornalistas, seguiam os nossos passos e escutavam as nossas conversas. Um dos denunciantes espiou Diniz da Luz desde o primeiro até ao último dia em que trabalhou n’ A Voz (1940 - 1970) e desempenhou altos cargos no Sindicato dos Jornalistas. Sobreviveu ao 25 de Abril e foi desmascarado no Diário Popular.

José Barão percorreu o País do Minho ao Algarve, de Trás os Montes ao Alentejo. Era o que se chamava, na altura, «redator regionalista». Durante décadas – apesar dos condicionalismos existentes – alertou para as restrições na educação e na saúde, a ausência de acessos e transportes, o quotidiano das populações privadas de elementares direitos sociais e culturais. O ostracismo e o infortúnio, de um Portugal de costas voltadas para o mundo, resignadamente arcaico, orgulhosamente só.
Ao serviço do Diário de Noticias, tive o privilégio de trabalhar, nos sítios mais diversos, ao lado de José Barão. E pude verificar que era conhecido e respeitado em toda a parte e por todos os setores políticos. Recebeu, com afetuosa camaradagem, uma nova vaga que renovou a redação d’ O Seculo. Correndo o risco de omissões involuntárias cito, entre outros, Luís Rosa Duarte, Roby Amorim, Adriano de Carvalho, Carreira Bom, Avelino Rodrigues, ao reportar-me à primeira metade dos anos 60.

José Barão integrou várias tertúlias de Lisboa, uma das quais na Veneza, na Avenida da Liberdade. Reunia em torno de Ferreira de Castro escritores, poetas, jornalistas, críticos de várias tendências, desde que fossem antifascistas. Lembro-me, por exemplo, dos algarvios Assis Esperança, Julião Quintinha, Roberto Nobre, Vitoriano Rosa e Manuel Cabanas; de Álvaro Salema e Alexandre Cabral; dos jornalistas Rocha Júnior, (Julião Quintinha), Jaime Brasil e José Barão. Julgo ser com o Carlos Albino dos últimos sobreviventes.

Se neste dia 17 de agosto passa mais um aniversário do nascimento, será em 30 de agosto de 2016, por ocasião dos 50 anos da morte, que se deverão organizar homenagens devidas ao jornalista e ao cidadão: em Vila Real de Santo António, onde nasceu e fundou o Jornal do Algarve, e noutros locais da região; em Lisboa, no Sindicato dos Jornalistas, na Casa da Imprensa, na Casa do Algarve e outras instituições a que deu o melhor do seu entusiasmo.

Para se conhecer, com mais profundidade e amplitude a figura e a obra de José Barão, atrevo-me a sugerir uma investigação na coleção do Jornal do Algarve, um levantamento das iniciativas que promoveu, das propostas que lançou; uma seleção dos textos publicados, de crónicas, reportagens e artigos de opinião que evidenciam a dimensão do jornalista agarrado à terra de origem e, ao mesmo tempo, recetivo às transformações do mundo.

António Valdemar*
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* Jornalista, carteira profissional número 24

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