Dos salões literários ao associativismo pacifista, feminista, maçónico, republicano e socialista
João Esteves
Este Colóquio constitui mais uma oportunidade para se ir “Em Busca da História das Mulheres”, tarefa árdua quando se sabe que estas foram, durante muito tempo, demasiado tempo, relegadas para um plano subalterno e, portanto, não só há um mundo a descobrir como, por vezes, é preciso reescrever a História. É que, como sublinham Bonnie Anderson e Judith Zinsser, “conhecer a história das mulheres muda irrevogavelmente a própria visão do passado” .
Ora, a participação cívica e política das mulheres começa a ser uma evidência nas primeiras duas décadas do século XX, sendo sobretudo intensa no período crucial da transição da Monarquia para a República. Aliás, é interessante constatar como elas se mostraram particularmente combativas, e com maior visibilidade, sempre que se esteve perante a radicalização das transformações políticas e sociais, como sucedeu aquando do regicídio (1908) e das revoluções republicanas de Outubro de 1910 e de Maio de 1915 ou, posteriormente, com o desfecho da 2.ª Guerra Mundial (1945) e a Revolução de Abril de 1974. Pelo contrário, quando os novos poderes emergentes se reequilibram ou consolidam, as mulheres tendem a perder espaço e protagonismo, como se constituíssem uma ameaça àqueles e não houvesse lugar para as suas lutas e reivindicações.
A par da intervenção desgarrada de nomes prestigiados do panorama literário e educativo – Carolina Michaëlis de Vasconcelos (1851-1925), Alice Pestana (1860-1929), Adelaide Cabete (1867-1935), Maria Clara Correia Alves (1869-1948), Beatriz Paes Pinheiro de Lemos (1872-1922), Ana de Castro Osório (1872-1935), Albertina Paraíso (1874-1954), Carolina Beatriz Ângelo (1877-1911), Maria Olga Morais Sarmento da Silveira (1881-1948), Virgínia Guerra Quaresma (1882-1973), Lucinda Tavares… -, começou a despontar o associativismo feminino. Já não era suficiente a atitude reflexiva em torno da situação das mulheres, mas tornava-se imperioso passar à acção, sucedendo-se os apelos a que se organizassem, para que as suas aspirações se pudessem concretizar.
Com esta comunicação pretende-se, ainda que de forma sintética e, por vezes, superficial, transmitir a riqueza, diversidade e pujança deste associativismo, ainda tão sujeito ao esquecimento, bem como apreender o seu encadeamento temporal e alguns dos intricados elos de ligação que se foram estabelecendo. Por outro lado, insere-se num projecto mais vasto de reconstituir o rasto daquelas organizações e das suas protagonistas, procurando dar nome e voz a todas aquelas que, em circunstâncias adversas, foram pioneiras na defesa dos direitos das mulheres e que os assumiram em toda a sua plenitude, recusando a condição de inferioridade e subalternidade que a sociedade lhes reservava.
Numa primeira fase, entre 1906 e 1908, constituíram-se associações pacifistas (1906: Secção Feminista da Liga Portuguesa da Paz; Comité Português de La Paix et le Désarmement par les Femmes), feministas (1907: Grupo Português de Estudos Feministas) e republicanas (1908: Liga Republicana das Mulheres Portuguesas), tendo como mentoras escritoras, médicas e algumas professoras que frequentavam os mesmos salões literários. Simultaneamente a esta progressiva consciencialização das mulheres, verificou-se a sua filiação na Maçonaria (1907: Loja Humanidade) e a participação nas actividades desenvolvidas no âmbito do Livre Pensamento (Associação do Registo Civil; Junta Federal do Livre Pensamento; Congressos) e da propaganda republicana, nomeadamente através dos seus Centros Escolares.
Quando a República triunfou, havia já alguns anos de intensa experiência associativa, que serviram para amadurecer concepções políticas e feministas nem sempre concordantes. Com a mudança de regime, continuaram a despontar agremiações feministas (1911: Associação de Propaganda Feminista; 1914: Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas), republicanas (1915: Associação Feminina de Propaganda Democrática ) e maçónicas (1915: Loja Carolina Ângelo). Mas o leque diversificou-se ainda mais, com a fundação da União das Mulheres Socialistas (1912), filiada no Partido Socialista, e a criação de estruturas de apoio à intervenção de Portugal na 1.ª Guerra (1914: Comissão Feminina Pela Pátria ; 1916: Cruzada das Mulheres Portuguesas), sem esquecer as de solidariedade (1912: Caixa de Auxílio a Estudantes Pobres do Sexo Feminino) ou as relacionadas com a instrução e educação (1912: Recreatórios Post-Escolares; 1917: Ligas de Bondade), todas elas reveladoras da capacidade de iniciativa de certos sectores femininos da sociedade.
Como se depreende, este associativismo foi diversificado, teve maior incidência entre 1906 e 1916 e envolveu centenas de activistas e cerca de 2 milhares de inscritas, estando em curso o seu recenseamento e a reconstituição do percurso militante, embora continuem a escassear os mais elementares dados biográficos. E entre as conclusões que se podem avançar é que muitas delas aderiram a mais de uma agremiação e participaram, simultaneamente, em iniciativas de solidariedade que visavam combater a mendicidade infantil, incentivar o ensino e a educação e promover o apoio aos estudantes desfavorecidos, prolongando-se a militância e o associativismo neste tipo de intervenção.
Mas este impulso associativo não pode ser dissociado dos salões literários que persistiam desde finais do século XIX e onde as mulheres se reuniam para ler/recitar textos da sua autoria. Muitos dos nomes que constituíram os seus pilares estreitaram a amizade e a reflexão a partir da sua condição de escritoras e não de políticas ou feministas, tendo, a pouco e pouco, o debate sido alargado à condição feminina, aos direitos das mulheres e ao feminismo.
Maria Veleda, nas suas Memórias, refere-se um pouco a essa convivência e narra como conheceu Virgínia Quaresma num desses serões realizado em casa de Olga Morais Sarmento da Silveira, então muito nova, e onde se juntavam “algumas senhoras que se davam à cultura das letras” . Nessas mesmas recordações, também evoca o convívio com Ana de Castro Osório e o marido, Paulino de Oliveira, que residiam, tal como Olga Moraes Sarmento da Silveira, em Setúbal e “onde eu os visitava com a possível frequência, aproveitando os meus lazeres. E que esplêndidos serões gozávamos os três! Paulino de Oliveira recitava os seus versos; Ana Osório e eu declamávamos os nossos trechos mais modernos. Conversávamos sobre os assuntos literários mais em voga; e muita vez nos esquecíamos do tempo até de madrugada!” .
Assim, durante alguns anos, o que fortaleceu a camaradagem entre muitas das escritoras e poetisas, foram aspectos de índole intelectual, sobretudo literário, e que, só a pouco e pouco, se foi alargando à intervenção política. O peso específico das escritoras pode ser constatado quer através das orientações que imprimiram a três inovadoras revistas (1899-1900: Ave Azul; 1902-04: Sociedade Futura; 1907-1908: Alma Feminina), como pelos cargos directivos desempenhados nas agremiações fundadas em 1906 e 1907.
A Ave Azul, publicada em Viseu sob a responsabilidade dos escritores, e também professores, Carlos de Lemos e Beatriz Pinheiro, dedicou sucessivos artigos à situação das mulheres; a Sociedade Futura, dirigida por Ana de Castro Osório e, depois, Olga Moraes Sarmento da Silveira, incluiu a colaboração de Alice Moderno, Domitila de Carvalho e Maria Veleda; e a Alma Feminina, que tinha à sua frente Albertina Paraíso e Virgínia Quaresma, contou com os escritos de Ana de Castro Osório, Angelina Vidal, Beatriz Pinheiro, Branca de Gonta Colaço, Cláudia de Campos, Domitila de Carvalho, Lucinda Tavares, Madalena Frondoni Lacombe, Maria Veleda e Olga Moraes Sarmento da Silveira. Ora não são estes mesmos nomes a encimar as direcções das primeiras associações de mulheres? E mesmo Beatriz Pinheiro já pertencia à Liga Portuguesa da Paz desde 1899, ano da sua constituição; Alice Moderno, para além de poetisa, professora, mulher de negócios e jornalista, foi activista, nos Açores, das organizações de mulheres da 1.ª República, tendo militado na Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, na Associação de Propaganda Feminista e na Associação Feminina de Propaganda Democrática; e Branca de Gonta Colaço tornou-se sócia do CNMP a partir de meados da década de 20.
No entanto, essa convivência nem sempre foi pacífica, tendo-se verificado, em 1906, uma primeira polémica entre Maria Veleda e Virgínia Quaresma nas páginas do jornal Vanguarda. A radicalização política também abriu fracturas entre aquele núcleo tendo, por exemplo, as republicanas criticado asperamente Olga Sarmento da Silveira, por ter defendido, no Brasil, a Rainha D. Amélia (1911), e Domitila de Carvalho por se opor ao sufrágio feminino quando este foi reivindicado em 1912 . Aliás, Olga Sarmento da Silveira, que também foi uma das apoiantes da campanha a favor da Lei do Divórcio, em 1909, só reatou relações com Ana de Castro Osório quando soube, em Madrid, da morte de Paulino da Silveira, sugerindo que “não falemos do passado. O que lá vai, lá vai! […] porque a vida é tão dolorosa que não merece a pena ligar importância a erros da mocidade. Abraço-te, com estima e a ternura dos bons tempos de Setúbal […]” .
Significativamente, à medida que as agremiações se tornaram politizadas e assumiram um carácter reivindicativo, a participação feminina tornou-se mais abrangente e a influência do núcleo de escritoras e poetisas esbate-se. Com o Estado Novo, voltou a acentuar-se a sua importância, o que sucedeu no CNMP quando ele passou a ser dirigido, durante as décadas de 30 e 40, por Teresa Leitão de Barros , Sara Beirão e Maria Lamas.
Outro grande núcleo que partilhou com as escritoras esse entusiasmo associativo foi o das médicas, entre as quais pontificavam Adelaide Cabete, Carolina Beatriz Ângelo, Emília Patacho, Maria do Carmo Lopes e Sofia Quintino. Por exemplo, esta última participou no Congresso Nacional do Livre Pensamento que se realizou em Abril de 1908, promoveu conferências sobre puericultura, colaborou no jornal A República (1908) e apoiou a campanha a favor da aprovação da lei do divórcio (1909). Mais tarde, colaborou com Ana de Castro Osório no âmbito da formação de enfermeiras da Cruzada das Mulheres Portuguesas. Quanto a Maria do Carmo Lopes, integrou a Secção Feminista da Liga Portuguesa da Paz, pertenceu ao Comité ‘La Paix et le Désarmement par les Femmes’, foi subscritora da Obra Maternal e fundadora da Associação de Propaganda Feminista, tendo ladeado Beatriz Ângelo aquando do seu voto histórico na Assembleia Eleitoral de Arroios. Amiga de Ana de Castro Osório, de quem se foi despedir no momento da partida para o Brasil, Maria do Carmo Lopes foi igualmente uma das responsáveis pela fundação, em 1912, da Caixa de Auxílio a Estudantes Pobres do Sexo Feminino.
Já as professoras, iniciaram o seu percurso de intervenção social e política através dos Centros Escolares Republicanos, onde leccionavam, e depressa transitaram para as associações femininas. E à medida que estas perdem um certo cariz elitista – embora se esteja sempre perante uma elite -, como que se democratizando, as professoras, e mesmo as domésticas, passaram a ser o principal suporte e veículo difusor dos seus objectivos.
1. Pacifistas
As primeiras organizações datam de 1906 e estavam directamente relacionadas com os ideais pacifistas. Por explicar, está o facto de se terem criado, com um intervalo de seis meses, duas agremiações com características idênticas e com algumas responsáveis comuns, não sendo de excluir que na origem dessa dispersão de esforços tenham estado questões pessoais e de natureza política ainda por desvendar. As dirigentes eram escritoras e médicas e tinham a particularidade de misturar monárquicas com republicanas e maçónicas, estando, lado a lado, Olga Moraes Sarmento e Domitila de Carvalho com Adelaide Cabete e Carolina Ângelo.
1.1 Secção Feminista da Liga Portuguesa da Paz
Constituída em 18/5/1899, por iniciativa de Alice Pestana, a Liga Portuguesa da Paz contou, desde o início, com a adesão de mulheres cujos percursos se confundirão com a militância feminista: Augusta Rocha era a Tesoureira e pertenceu à Liga Republicana das Mulheres; Beatriz Pinheiro foi a sua delegada em Viseu; e Jeanne de Almeida Nogueira exerceu as funções de Secretária da Correspondência tendo, posteriormente, sido sócia benemérita do Comité La Paix et le Désarmement par les Femmes, militante da Liga e fundadora da APF.
Exactamente sete anos depois, com o engrossar das adesões, formalizou-se, em 18/5/1906, a constituição da Secção Feminista da Liga Portuguesa da Paz, através da realização de uma sessão presidida por Olga Moraes Sarmento da Silveira e secretariada por Emília Patacho e Domitila de Carvalho. Para além da presidente daquele núcleo, Olga Moraes Sarmento, discursaram a médica Maria do Carmo Lopes e Teófilo Braga. Segundo Virgínia Quaresma , secretária da direcção, tratou-se do primeiro episódio público declaradamente feminista, passando-se finalmente das palavras aos actos e da intervenção dispersa e individual à força colectiva. Claudia de Campos era outra das escritoras que integrava a respectiva direcção, mas nenhuma das futuras dirigentes feministas mais conhecidas, como Ana de Castro Osório, Adelaide Cabete, Carolina Beatriz Ângelo ou Maria Veleda, integraram o núcleo de activistas, tendo esta última chegado a ser acusada, por Virgínia Quaresma, de não nutrir simpatia pela agremiação.
1.2 La Paix et le Désarmement par les Femmes
Fundada em 1899, em França, por Sylvie Flammarion, a associação La Paix et le Désarmement par les Femmes visava resolver os conflitos internacionais mediante o recurso à arbitragem, implantando comités nos diversos países, constituídos somente por mulheres e tendo, cada um, a sua responsável nacional, subordinada à dirigente francesa.
Na sequência de uma reunião realizada em Paris, em Novembro de 1906, convidou-se M. Frondoni Lacombe para organizar, em Portugal, um núcleo pacifista, continuando a predominar nos corpos gerentes as escritoras e médicas: Sylvie Flammarion, Presidente fundadora com residência em Paris; Madeleine Frondoni Lacombe, Vice-Presidente; Virgínia Quaresma, Secretária-Geral; Maria do Carmo Lopes, Tesoureira; Adelaide Cabete, Albertina Paraíso, Aureliana Teixeira Bastos, Carolina Beatriz Ângelo, Claudia de Campos, Domitila de Carvalho e Emília Patacho, Vogais.
Com sede provisória em Lisboa, na Rua de Santo Antão, 193, 3.º, a primeira reunião decorreu a 6 de Dezembro e, para além de se terem discutido os Estatutos franceses, de forma a adaptá-los à realidade nacional, deliberou-se, por aclamação, que Magalhães Lima seria sócio honorário e Alice Pestana, Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Jeanne Paula Nogueira e Olga Moraes Sarmento da Silveira, “senhoras que, a par do espírito culto e brilhante com que se têm destacado no nosso meio intelectual, têm prestado ao ideal pacifista relevantes serviços” , sócias beneméritas. Em 1909, coincidindo com a efervescência política que se vivia em Portugal e a intensificação da propaganda republicana, Adelaide Cabete e Carolina Beatriz Ângelo demitiram-se da organização .
Assim, quando em 1935-36, surgiu a Associação Feminina Portuguesa para a Paz já havia uma tradição feminina pacifista no nosso país, embora esta continue por estudar, quer quanto às iniciativas, quer nos sócios que mobilizou, de ambos os sexos.
2. Feministas
Em Portugal, e no período das duas primeiras décadas do século XX, existiram várias organizações de cariz feminista e que ainda estão longe da análise minuciosa que mereceriam. Desde, pelo menos, 1904, que Ana de Castro Osório tinha a intenção de organizar uma liga feminista destinada à protecção da mulher e da criança, como confidenciou em carta a Bernardino Machado, datada de 21 de Dezembro do mesmo ano .
2.1 Grupo Português de Estudos Feministas
No entanto, só em 1907 surgiu o Grupo Português de Estudos Feministas, fundado e dirigido por Ana de Castro Osório e que marcou o início da liderança desta escritora no movimento feminista. E embora tenha sido uma experiência limitada a um núcleo restrito de intervenientes, com objectivos modestos, constituiu um marco ao ser a primeira agremiação que assumiu a palavra feminista na sua designação e ao evidenciar a preponderância das activistas republicanas e maçónicas.
Presidida por Ana de Castro Osório, teve a adesão de várias professoras e das médicas Adelaide Cabete, Carolina Beatriz Ângelo e Sofia Quintino , e procurou difundir os ideais feministas e doutrinar as portuguesas através da constituição de uma biblioteca especificamente virada para os seus interesses, propondo-se publicar estudos que tivessem por assunto a propaganda feminista no seu aspecto geral, de forma a contrariar o predomínio asfixiante das colecções românticas dirigidas às mulheres. Nesse sentido, foi publicada a conferência A Educação Cívica da Mulher, de Ana de Castro Osório, chegando também a estar prevista a edição do livro A Conquista, de Maria Veleda, que se encontrava já no prelo , e uma recolha de textos de Beatriz Pinheiro. Em Julho de 1908 ainda existia, tendo deliberado enviar um telegrama de adesão ao Congresso Feminista de Paris .
2.2 Associação de Propaganda Feminista
Em Maio de 1911, em resultado de divergências insanáveis na Liga Republicana das Mulheres Portuguesas quanto à tolerância religiosa e ao voto feminino, confrontando-se sistematicamente as perspectivas de Ana de Castro Osório e Maria Veleda, nasceu a Associação de Propaganda Feminista. Dirigida pela escritora, Carolina Beatriz Ângelo e outras dissidentes, ela marcou uma clara ruptura com a sua progenitora, ao pôr termo a todas as possíveis ligações partidárias ao Partido Republicano, ainda que defensora do mesmo ideal, assumiu-se como feminista e concentrou os esforços na reivindicação do sufrágio feminino e na análise dos problemas específicos da mulher.
Tendo por insígnia três cravos brancos, a APF visava:
“1º O levantamento moral e social da mulher e a sua independência económica, sem a qual não pode existir em bases seguras esse levantamento;
2º Promover por todos os meios ao seu alcance a educação e instrução feminina;
3º Vigiar e estudar as leis sob o ponto de vista feminino;
4º Fazer a propaganda sufragista que é a base do feminismo ou humanismo, porque desde que a mulher esteja afastada da questão social e política os seus direitos serão sempre esquecidos;
5º Proteger moral e materialmente as mulheres e as crianças;
6º Auxiliar as escolas, promover festas infantis, dar, enfim, todo o seu concurso moral e material quando o possa à instrução infantil;
7º Pôr-se em contacto com todas as associações feministas do mundo;
8º Publicar, logo que os recursos da Associação o permitam, um jornal semanal de propaganda feminista, tratando de questões sociais, históricas e educativas” .
No entanto, a Associação deparou-se com enormes dificuldades de implantação, nunca conseguiu ultrapassar a centena de militantes e o seu discurso apenas cativou uma minoria de mulheres conscientes e cultas. Entre as sócias, encontram-se nomes históricos da militância feminista e republicana, as professoras ganham importância e verifica-se, mais uma vez, estreita ligação à Maçonaria, já que várias integravam, ou viriam a integrar, as suas lojas. Em resultado do facto de Carolina Beatriz Ângelo ter sido a primeira mulher a votar em Portugal, e na Europa do Sul, a APF ganhou projecção nacional e internacional, tendo sido nesse mesmo ano admitida na International Women Suffrage Alliance.
2.3 Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas
Em 1914, e por iniciativa de Adelaide Cabete, constituiu-se o CNMP, a organização que mais tempo subsistiu e onde estavam federadas diversas agremiações femininas que se ocupavam da mulher e da criança: Associação das Alunas do Instituto Educação e Trabalho; Associação de Assistência Infantil da Paróquia Civil Camões; Associação dos Professores de Ensino Livre; Associação dos Professores do Instituto de Odivelas; Caixa de Auxílio aos Estudantes Pobres do Sexo Feminino; Grémio dos Professores Primários Oficiais; Grupo Balbina Brazão; Grupo Feminista Português; Liga Portuguesa da Moralidade Pública; Liga Portuguesa dos Educadores; Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (Núcleo do Porto); Recreatórios Post-Escolares; Sociedade Amigável Mariana Gasul; Tuna das Costureiras de Lisboa; e União Amigável Maria Scintia.
O CNMP era uma ramificação do Conselho Internacional das Mulheres e, segundo Adelaide Cabete, “todas as senhoras e colectividades femininas de Portugal dele podem fazer parte qualquer que seja a classe social a que pertençam, qualquer que seja a sua fé política ou credo religioso, por isso que o fim desta associação é, muito simplesmente, trabalhar pelo melhoramento civil, económico e moral da mulher em particular e da humanidade em geral, absolutamente afastada da luta das paixões” . Tal “como outros movimentos congéneres, o CNMP evitou a utilização da palavra feminismo, proclamava o apoliticismo e pretendia englobar vários movimentos filantrópicos” .
Apesar do nome mais associado ao Conselho ser o de Adelaide Cabete, que foi a Presidente reeleita entre 1914 e 1935, não se pode ignorar o papel desempenhado nos primeiros anos por Maria Clara Correia Alves, sendo mesmo, entre 1914 e 1919, a sua principal dirigente, competindo-lhe também a coordenação do órgão oficial da agremiação, onde era a autora dos editoriais feministas. Já a década de 20 foi marcada pela participação de Adelaide Cabete em Congressos internacionais (1923: Congresso Internacional Feminista de Roma; 1925: Congresso de Washington; 1926: Congresso em Paris) e pela organização dos dois únicos Congressos Feministas (1924; 1928) realizados no nosso país, decorrendo, no mesmo período, os dois Congressos Abolicionistas (1926; 1929), onde também intervieram dirigentes daquela agremiação feminina. Se é notória a ausência de Ana de Castro Osório e de Maria Veleda, ganharam visibilidade jovens licenciadas em Direito, como Aurora Teixeira de Castro e Elina Guimarães, que se debruçaram minuciosamente sobre as injustiças legais de que a mulher era vítima.
Durante a década de 30 o CNMP enfrentou enormes dificuldades, em resultado das profundas alterações políticas surgidas com a Ditadura Militar e o Estado Novo. A partir do fim da 2.ª Guerra, o Conselho entrou no último, e bastante dinâmico, ciclo da sua vida verificando-se, com a escolha de Maria Lamas para Presidente, em Julho de 1945, não só o acentuar das preocupações com o analfabetismo feminino e a situação profissional, económica e cultural das mulheres de todas as condições sociais, como uma enorme mobilização destas em seu torno, sobretudo jovens diplomadas e universitárias e a criação de delegações na província.
Em Janeiro de 1947 organizou-se, na Sociedade Nacional de Belas Artes, a “Exposição de Livros Escritos por Mulheres” de todo o Mundo e, em 28 de Junho, na sequência do sucesso deste evento, da crescente influência do CNMP junto das mulheres e do dinamismo da sua intervenção cívica, o Estado Novo decidiu encerrá-lo.
Em 1914-1915, também terá existido um Grupo Feminista Português, que estava filiado no CNMP e era representado por Maria Amália Baptista Ferreira (efectiva) e Albertina Olinda Paiva Rua de Gambôa e Maria Sofia Cruz (suplentes).
3. Maçónicas
Umas dezenas de activistas também aderiram à Maçonaria, tendo integrado a Loja Humanidade, ainda durante a Monarquia, a Loja Carolina Ângelo, constituída em 1915, e a Loja Humanidade do Direito Humano.
Em 1907, dá-se a iniciação na Maçonaria de Adelaide Cabete, Ana de Castro Osório, Carolina Beatriz Ângelo e Maria Veleda e, a partir de então, intensificou-se a conivência entre aquela e as associações femininas. Essa adesão estendeu-se a outras mulheres e, por exemplo, Maria Clara Correia Alves foi uma das faces visíveis da Loja Humanidade, representando-a em eventos, antes e depois da implantação da República.
Sem pretender entrar nesta área, para além de estabelecer algumas conexões, até porque os arquivos do Museu Maçónico continuam a não ser acessíveis, verificou-se uma cooperação privilegiada das republicanas com as estruturas e agremiações identificadas com a Maçonaria, ou dirigidas por maçons. Por exemplo, em 1915, as presidentes da Associação de Propaganda Feminista (Elzira Dantas Machado) e do Grémio Carolina Ângelo (Ana de Castro Osório), então criado, assinaram uma representação dirigida ao Governo e que continha as reivindicações consideradas essenciais para o sexo feminino.
Posteriormente, com a Loja Humanidade do Direito Humano, que era mista, constata-se que praticamente todas as mulheres foram também activistas do CNMP, verificando-se, em muitos casos, que primeiro se deu a sua iniciação na Maçonaria e depois surgiram a desempenhar cargos directivos no Conselho.
Aliás, e até 1926-28, a Loja Humanidade do Direito Humano parece ser o local privilegiado de recrutamento das suas dirigentes.
4. Republicanas
Se entre as associações femininas republicanas a mais conhecida, até pela importância e dimensão que teve, é a Liga, também surgiram outras com o mesmo objectivo de engrossar a propaganda e defender o regime nascido em 1910.
4.1 Liga Republicana das Mulheres Portuguesas
Embora a LRMP tenha resultado da iniciativa de dirigentes republicanos, cedo se revelou uma agremiação dotada de objectivos próprios e que funcionou, durante quase uma década, como o mais forte e estruturado grupo de pressão feminino, procurando proteger a criança e defender a mulher, sem descurar a acção cívica e política de defesa de uma sociedade democrática. Defendeu a revisão da legislação, com destaque para a aprovação da Lei do Divórcio e a alteração do Código Civil; apostou na difusão da instrução e educação sob novos moldes, que não apenas os religiosos; batalhou pela independência económica da mulher e pela obtenção de direitos civis e políticos, centrando a luta, depois da implantação da República, na reivindicação do sufrágio, ainda que restrito, para o sexo feminino.
Com alguma implantação nacional junto ao litoral, a força da sua actuação fez-se sentir predominantemente em Lisboa; manteve núcleos activos em Alhandra, Âncora, Benavente, Cantanhede, Lagos, Porto, Praia da Luz, Santo Estêvão, Setúbal, Tábua, Tomar, Viseu; e, no apogeu, chegou a contabilizar mais de mil sócias, provenientes de um pequeno núcleo burguês e urbano, relacionado com os sectores republicanos mais aguerridos e consciencializados. As dirigentes e dinamizadoras pertenciam a uma elite com estudos, sendo, na maioria, professoras do ensino livre, escritoras e domésticas, havendo também médicas, farmacêuticas, modistas e proprietárias.
No entanto, a sua actuação foi constantemente limitada pelo periclitante equilíbrio entre as vertentes republicana e feminista, sobretudo após o derrube da Monarquia. Não se tratando de uma organização feminista típica, o que sobressai da LRMP é que percorre uma via própria, adequada à realidade portuguesa, e que só extemporaneamente foi permeável às influências externas, o que não obstou a que os seus ideais feministas fossem comuns aos das outras mulheres e que acompanhasse com fervor a actuação destas em todo o mundo.
4.3 Grupo das Treze
O Grupo das Treze era constituído por um número restrito de sócias da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas e foi fundado em Maio de 1911, com o objectivo de combater a ignorância e as superstições que afectavam a mulher portuguesa. Significativamente, surgiu no mesmo mês do nascimento da Associação de Propaganda Feminista, talvez para demonstrar quão importante era a luta contra o obscurantismo feminino e que haveria razões para a Liga se assumir como anticlerical e livre-pensadora.
Procurando quebrar uma primeira superstição, era formado, simbolicamente, por treze membros, tinha como distintivo uma medalha com o respectivo número e a sessão solene da inauguração decorreu sob a forma de banquete, tendo sido convidados Agostinho Fortes, Borges Grainha, Carneiro de Moura, Eugénio Vieira, João Maria Lopes, Magalhães Lima e Tomás da Fonseca, que discursaram.
Algumas das máximas do grupo, compostas por treze palavras, são bem elucidativas dos seus propósitos: “A sociedade ideal será aquela em que a mulher levante templos à ciência”; “Todas as aspirações da alma moderna deveriam caber em duas palavras: ser Bom”; “A ciência fortalece as almas, a superstição amortalha-as na treva da Morte”; “Demos a nossos filhos uma educação integral, como base indestrutível da Sociedade Futura”; “O fanatismo é uma espécie de lepra que corrompe e devora o pensamento”; “Iluminar as almas, libertar as consciências, eis a verdadeira missão da mulher moderna”.
A sua existência prolongou-se, pelo menos, até Outubro de 1913 e, entre as aderentes, contavam-se essencialmente professoras, proprietárias e domésticas, destacando-se os nomes de Maria Veleda e Mariana da Assunção da Silva. Esta última foi mesmo das raras mulheres que manteve actividade militante contínua durante quase 40 anos, até ao encerramento do CNMP. A revista A Mulher e a Criança publicou no seu último número, datado de Maio de 1911, uma sugestiva fotografia do grupo no momento da sua inauguração solene.
4.2 Associação Feminina de Propaganda Democrática
Em resultado de nova cisão na Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, Maria Veleda fundou, no último trimestre de 1915, a Associação Feminina de Propaganda Democrática, procurando apoiar a acção política de Afonso Costa, já que as activistas desde sempre tinham demonstrado grande devoção pela sua actuação governativa, devido às decisões tomadas enquanto ministro da Justiça no período subsequente à implantação da República (Leis do Divórcio, da Família, da Separação do Estado das Igrejas, do Registo Civil).
Maria Veleda que, desde o princípio do século, quando fixou residência em Lisboa e ocupou o lugar de professora-regente do Centro Escolar Republicano Afonso Costa, se tinha tornado numa paladina do novo regime, encabeçava o grupo dissidente. Muitas das que a acompanharam já se tinham evidenciado na militância activa da Liga, constituindo a filiação na AFPD mais uma etapa em defesa do ideal e regime republicanos. Quando todas as organizações femininas proclamavam a independência política, transformando-a em questão central do discurso, na tentativa explícita de alargar o espaço de intervenção, esta agremiação assumiu o objectivo de contrariar a proclamada neutralidade, reivindicando para a mulher portuguesa o empenhamento político, porque dele dependia o futuro da pátria. De duração efémera, apesar das reuniões realizadas num curto espaço de tempo e da receptividade inicial quanto à inscrição de militantes, a sua dissolução resultou do imperativo nacional de unir os portugueses em torno do esforço de guerra.
A sede provisória funcionou na Rua S. João da Mata, 34, 3º, em Lisboa , mas parte das reuniões, algumas delas bimensais, acabaram por decorrer no Centro Republicano Democrático, instalado na Rua Ivens.
4.4 Comissão Feminina Republicana
No início de 1919, na sequência dos acontecimentos posteriores ao assassinato de Sidónio Pais e da tentativa de implantação da Monarquia, constituiu-se a Comissão Feminina Republicana, com o objectivo de promover subscrições a favor dos soldados e marinheiros defensores da República.
Entre os seus membros, constavam nomes conhecidos do associativismo como Antónia Bermudes, Júlia Santos, Maria da Conceição Pereira de Eça, Maria Isabel Correia Manso. Antónia Bermudes foi das raras feministas a militar, simultaneamente, na LRMP e na APF e contribuiu para a fundação da Comissão Feminina pela Pátria; Júlia Santos já tinha militado na Liga e na AFPD; Maria da Conceição Pereira de Eça pertenceu ao núcleo fundador da Cruzada das Mulheres Portuguesas e secretariou a sessão comemorativa do 5.º aniversário da Liga; Maria Isabel Correia Manso integrou a APF e colaborou, durante a década de 20, com o CNMP.
5. Socialistas
Criada em 1912, a União das Mulheres Socialistas correspondia à organização feminina do Partido Socialista, contava, no ano da fundação, 91 filiadas e teve como principais dirigentes as militantes Alexandrina Homem, Amália Pereira, Eugénia Maia, Margarida Marques, Mariana Fernandes Alves e Matilde Simas. Embora ainda se desconheça o percurso destas dirigentes, sabe-se que Margarida Marques participou, antes de 1910, em iniciativas do Livre-Pensamento e Matilde Simas, secretariou, em 5 de Abril de 1914, a sessão comemorativa do 5.º aniversário da Liga Republicana.
A UMS visava a libertação civil, política e económica das mulheres e a sua constituição foi saudada pela Liga Republicana, por preencher uma lacuna e engrossar a força do feminismo em Portugal . No entanto, quando, nesse mesmo ano, a Liga fez um convite a todas as organizações para a acompanharem na entrega de uma representação ao Parlamento, de forma a reclamar o voto mais amplo do que aquele que o Senado tinha concedido, as socialistas mostraram-se indisponíveis, porque reivindicavam o sufrágio com menos restrições, mostrando-se “dispostas a fazer greve nas fábricas e oficinas e a impedir os actos eleitorais, por meios violentos, se não lhes for concedido o voto, nas condições em que elas o pediram” .
Também não se pode ignorar o nome de Angelina Vidal, professora, escritora, jornalista e publicista muito ligada aos meios socialistas e operários e que, sobretudo depois da implantação da República, nunca deixou de se desmarcar das orientações e iniciativas feministas . A escritora Maria O’Neill, e antes de se tornar activista do CNMP, terá sido militante socialista, tendo, em Maio de 1919, durante o 4.º Congresso da Região do Sul do Partido Socialista, apresentado a tese “A acção da mulher no socialismo”.
6. A Guerra de 1914-18
Com o eclodir da 1.ª Grande Guerra, em 1914, criaram-se duas organizações, ainda que bem diferenciadas, que visavam apoiar a intervenção do nosso país no conflito mundial, destacando-se em ambas Ana de Castro Osório.
6.1 Comissão Feminina Pela Pátria
Fundada em 1914 por Ana Augusta de Castilho, Antónia Bermudes, Ana de Castro Osório e Maria Benedita Mouzinho de Albuquerque Pinho, a Comissão Feminina Pela Pátria correspondeu à primeira tentativa de mobilizar as portuguesas para o esforço de guerra. Tinha-se formado com a finalidade de fabricar uma bandeira para os soldados e, como tal não foi possível, passou a dedicar-se à recolha de lã e ao fabrico de agasalhos para eles, sempre com sucesso, tendo actuado junto de Câmaras Municipais, do professorado primário feminino e das associações de mulheres. Recebeu todo o apoio da LRMP e da APF e funcionava no mesmo prédio onde vivia a família de Ana de Castro Osório, na Rua do Arco do Limoeiro.
6.2 Cruzada das Mulheres Portuguesas
Criada no mesmo mês da declaração de guerra por parte da Alemanha a Portugal, a Cruzada das Mulheres Portuguesas teve uma efectiva implantação nacional, propunha-se “organizar festas e angariar donativos a fim de socorrer os soldados e famílias portuguesas vítimas da actual guerra” , e mobilizou grande parte das mulheres dos ministros e ex-ministros republicanos, para além de muitas anónimas em todo o país. E embora se tratasse de uma iniciativa da esposa do Presidente da República e Presidente da APF, Elzira Dantas Machado, a Cruzada não foi instituída em função da defesa dos direitos das mulheres, mas sim do interesse nacional.
7. Outras associações femininas
Não é possível ignorar outras instituições femininas que também resultaram do empenhamento político e social de mulheres já referenciadas.
7.1 Escolas Maternais
A ideia da constituição de uma Escola Maternal, com o objectivo de recolher durante o dia as crianças desprotegidas entre os 3 e os 6 anos, surgiu em Janeiro de 1907, por iniciativa de uma comissão liderada por Ilda Jorge, Angélica Lopes Viana e Maria Veleda, a que se associou também Ana de Castro Osório. Guilhermina Battaglia Ramos foi escolhida para Presidente-Honorária.
Era destinada apenas às crianças cujos pais trabalhavam o dia inteiro e aí seriam vestidas e alimentadas até à idade de transitarem para as escolas de ensino laico.
7.2 Obra Maternal
Criada ainda durante a Monarquia, em 1909, a Obra Maternal foi das iniciativas mais duradouras da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas e correspondeu à aspiração antiga de Maria Veleda de erigir uma instituição destinada a proteger e educar as crianças sem família, ou vítimas de maus tratos e de exploração familiar. O principal objectivo era combater a mendicidade infantil e, como se considerava que a esmola não remediava o problema, a Obra propunha-se não só recolher e alimentar as crianças das ruas, mas também educá-las, até poderem ser reintegradas na sociedade, dotadas de capacidade para exercer uma profissão.
A divulgação e propaganda do projecto iniciou-se em Outubro de 1909 e, até ser integrada na Cruzada das Mulheres Portuguesas, em 1916, recolheu nove crianças. Dispunha de estruturas autónomas da Liga, embora ambas ocupassem o mesmo edifício, e elegia anualmente as dirigentes, destacando-se os nomes de Ana Augusta de Castilho, Ana Maria Gonçalves Dias, Filipa de Oliveira, Maria Veleda e Mariana da Assunção da Silva, que acompanharam a colectividade desde o início até ao declínio. A manutenção era assegurada pelas contribuições pecuniárias dos seus subscritores, quer femininos, que não tinham de pertencer obrigatoriamente à Liga, quer masculinos, encontrando-se dispersos por todo o país e pelo mundo.
7.3. Caixa de Auxílio a Estudantes Pobres do Sexo Feminino
A Caixa de Auxílio aos Estudantes Pobres do Sexo Feminino foi fundada em Lisboa, em 1912, por iniciativa de Dilára da Visitação Moura, Emília Sousa Costa, Leopoldina Penella e Maria do Carmo Lopes, então militantes da APF, e procurava estimular a instrução feminina, apoiando as raparigas carenciadas. Emprestava anualmente livros e materiais de estudo a mais de 300 alunas pobres dos Liceus, Escolas Normais, Conservatório e Escolas Industriais e Profissionais; distribuía a algumas, com auxílio da Provedoria Central da Assistência, um subsídio pecuniário trimestral; e pagava-lhes as matrículas. Também mantinha na sede, na Rua Marechal Saldanha, n.º 38, um curso nocturno para mulheres e uma escola primária .
Em 1914, federou-se no CNMP, sendo as suas representantes Emília de Sousa Costa (delegada efectiva) e Ilda Craveiro Simões Ribeiro (delegada suplente). Guilhermina Battaglia Ramos, viúva do poeta João de Deus, também foi sua presidente.
7.4 Recreatórios Post-Escolares
Instituição de beneficência fundada em Lisboa, em 1912, por iniciativa da professora Aurélia de Miranda, os Recreatórios Post-Escolares procuravam completar a formação das raparigas que só tinham frequentado a Escola Primária , de forma a prepará-las para terem um emprego e uma profissão. As aulas eram gratuitas, funcionavam aos domingos e ministrava-se “o ensino de costura, bordados, rendas, (…) às meninas de 11 a 20 anos e que tenham feito exame do 1º ou 2º grau, bem como aulas de desenho, português, canto coral e arte de dizer” .
Em 1914, federou-se no CNMP, sendo as suas representantes Otília Simões (delegada efectiva) e Adelaide Perestrelo (delegada suplente). Também estiveram associadas a este projecto as professoras Adelaide Ferreira de Carvalho e Persina Vasconcelos, ambas conhecidas pela militância republicana e feminista.
7.5 Ligas de Bondade
Iniciativa do Grémio Carolina Ângelo em 1917 , as Ligas de Bondade eram uma estratégia pedagógica para afastar as crianças da delinquência através da criação, no âmbito das escolas primárias, de pequenas colectividades infantis entre os 5 e os 12 anos e tendo por finalidade “praticar o Bem em todas as suas formas, ser bom cidadão e bom patriota” .
Por isso não admira que a sua primeira comissão organizadora fosse composta por Ana de Castro Osório, Aurora de Castro e Gouveia, Ermelinda Rodrigues da Silveira, Júlia Antunes Franco e José Fontana da Silveira, pessoas simultaneamente ligadas à Associação de Propaganda Feminista e aos problemas educativos. Aliás, Júlia Franco era professora do ensino primário oficial, leccionou em Portel e Montemor-o-Novo e foi a primeira mulher nomeada inspectora escolar interina.
A secretaria funcionava em Lisboa, na Rua da Bela Vista, e o jornal A Semeadora, órgão da APF, publicou o Regulamento das Ligas e o manifesto da Comissão organizadora, anunciando-se a pronta adesão das professoras Vitória Pais Freire de Andrade Madeira (Ponte de Sor), Amélia Romão de Freitas (Casa Branca) e Amélia Augusta Graça Soares e Sousa Zuzarte . Mais uma vez, está-se perante professoras com um passado de militância em organizações feministas, republicanas e maçónicas, sendo particularmente relevante o de Vitória Pais.
Posteriormente, em 1923, o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas voltou a lançar a ideia das Ligas de Bondade, até porque continuavam a ter sucesso em vários países, sendo o objectivo o mesmo: ensinar as crianças a respeitar os outros e a praticar diariamente actos de Altruísmo e Bondade.
A sede funcionava nas instalações do Conselho, na Praça dos Restauradores, n.º 13 , constituindo-se uma comissão directora, composta por Maria O’Neill (Presidente), Berta Garção (Secretária-Geral), Arnaldo Brazão (Secretário do Interior), Sara Serzedelo Schultz Correia (Secretária do Exterior); Dinah Santos Lima (Tesoureira); Regina Santos, Angélica Porto, Coronel Oscar Cybmas e Tenente-Coronel David Branquinho (Vogais) . Para além de quase todos os nomes integrarem a Loja Humanidade do Direito Humano e ser notório a ausência de professoras nesta iniciativa, é de destacar, até pelo que já foi referido anteriormente, o percurso de Angélica Lopes Viana Porto, Dinah dos Santos Lima e Maria O’Neill. Quanto a Sara Schultz Correia, terá principiado aqui a sua vida de activista, tendo-se iniciado na Maçonaria no ano seguinte (1924) e, a partir de então, e durante duas décadas, desempenhou cargos directivos no CNMP.
Como é fácil de concluir, está-se ainda longe de apreender toda a dimensão e pujança do associativismo feminino nas primeiras décadas do século XX, assim como das suas intérpretes, e só estudos parcelares e exaustivos podem clarificar os seus meandros e permitir uma melhor compreensão desse passado por descobrir.
Voltando a invocar Anderson e Zinsser, “não pode haver igualdade quando mais de metade do género humano carece de história”.
1 comentário:
Muito Estimado Dr. Manuel Sá-Marques
Um apertado abraço de grande estima e admiração.
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