sábado, 9 de julho de 2016


CULTURA O TERROR DOS DITADORES






 



 

 

Ministro da Cultura presidiu à entrega do Prémio Terras Sem Sombra, que distinguiu arqueólogo sírio assassinado em Palmira

"Sines, Setúbal, 02 jul 2016 - O ministro da Cultura afirmou hoje na entrega do Prémio Internacional Terras Sem Sombra que a cultura “é o terror dos ditadores” e elogiou a organização “ímpar” do festival de música sacra do Baixo Alentejo... Khaled al-Asaad recebeu Prémio Internacional Terras Sem Sombra na categoria de ‘Património Cultural’, distinguindo a personalidade que aos 82 anos “assustou os terroristas” resistindo à “pressão de indicar, para destruição, onde estavam os tesouros da História da Humanidade”, referiu o ministro da Cultura..."

A propósito quero recordar  o artigo de António Valdemar sobre o encerramento da Sociedade de Escritores durante o Estado Novo



 

Opinião

Maio de 65, o encerramento da Sociedade de Escritores

Um levantamento da imprensa da época e a documentação policial e política na Torre do Tombo permitem avaliar clivagens muito profundas nos círculos intelectuais e que perduram até depois do 25 de Abril.
                                            
 

Na última década de salazarismo, maio de 65 ficou assinalado por um dos maiores atentados à cultura e à liberdade nas suas várias dimensões: o encerramento da Sociedade Portuguesa de Escritores. O pretexto legal foi a atribuição do Grande Prémio da Novela a Luandino Vieira, autor da obra Luuanda. O ministro Inocêncio Galvão Teles, no despacho que exarou, classificava Luandino Vieira “um indivíduo condenado criminalmente a 14 anos de prisão maior por actividades de terrorismo na província de Angola”.
Luandino Vieira encontrava-se, com efeito, no Tarrafal, a cumprir 14 anos de prisão. Era um dos implicados no “processo dos 50” julgado pelo Tribunal Territorial de Angola. Provou-se, contudo, que não fabricava bombas, nem colocava explosivos para concretizar ações armadas. Limitara-se a participar com outros intelectuais e políticos na elaboração e difusão de documentos para as bases futuras de uma “nova Angola”.
A sentença com base nos factos apurados não mencionava “actividades de terrorismo”. Mas em telegramas das agências ANI e Lusitânia e textos de opinião do Diário de Notícias, do Diário da Manhã, de A Voz e outros órgãos ligados ao regime passou Luandino Vieira a ser denominado terrorista e, como tal, votado ao ostracismo e à execração pública. Era-lhe interdito receber o grande Prémio da Novela da Sociedade Portuguesa de Escritores.
Uma das muitas notícias que o Diário de Noticias logo publicou intitulava-se Estranheza em Angola, pela atribuição de Prémio. Seria possível? Um dos principais jornais diários de Luanda — visados pela censura como, aliás, todos os outros —, o ABC, fizera elogiosas referências à obra. O mesmo livro, também em Luanda, tivera o Prémio Mota Veiga por se tratar de um contributo “excelente, (…) uma nova corrente literária, revelando notável poder de criação.” O júri em Luanda integrava personalidades idóneas que representavam outras tantas instituições conceituadas. A atribuição do Prémio, em Lisboa, pela Sociedade Portuguesa de Escritores, era suscetível de causar “estranheza” em Angola?
Contudo, a partir de 21 de maio de 1965, data da decisão do ministro Galvão Teles, o Diário de Notícias e outros jornais, com o reforço contínuo das rádios e da televisão, desencadearam, todos os dias, um "movimento de indignação" para que se fizesse sentir o repúdio ao Prémio, ao júri e à Sociedade Portuguesa de Escritores. Ficou expresso em textos individuais ou em documentos coletivos de protesto. A Gulbenkian, em comunicado subscrito por Azeredo Perdigão, retirou os patrocínios financeiros para os prémios anuais da Sociedade Portuguesa de Escritores. Mas também se verificou o contrário. Radicalizaram-se os extremos.
A sede da Sociedade Portuguesa de Autores, na Rua da Escola Politécnica, em Lisboa, foi assaltada e destruída. Recordo-me como se fosse hoje. Fui incumbido, no DN, de fazer a reportagem. Apesar das cautelas exigidas e em fecho da edição, o texto foi retalhado pela censura. Mas saiu nas “últimas notícias”. Restou apenas o retrato a óleo de Aquilino Ribeiro, da autoria do pintor Rui Filipe, realizado para a Sociedade Portuguesa de Escritores e para homenagear o fundador e primeiro presidente.
O assalto e a destruição resultaram da intervenção de elementos do Jovem Portugal e dos Centuriões com a cobertura da Legião Portuguesa e da PIDE. Houve a cumplicidade de escritores e jornalistas afetos ao regime. Consta de documentos que permanecem na Torre do Tombo, alguns transcritos no Livro Negro do Fascismo. Vem pormenorizada por Riccardo Marchi em Império, Nação, Revolução As direitas radicais no fim do Estado Novo, 1959-1974.
Entretanto, a PIDE prendia membros do júri que haviam atribuído o prémio, mesmo os que votaram contra ou não votaram: João Gaspar Simões, Augusto Abelaira, Fernanda Botelho, Manuel da Fonseca, Alexandre Pinheiro Torres. Tive oportunidade de recolher depoimentos, de alguns deles, para um inquérito no Diário de Notícias (19 de maio de 1985) e que revela parte do que se passou nos bastidores.
Falta, todavia, um rigoroso e exaustivo levantamento da imprensa da época, incluindo a de Angola e das posições assumidas pelas instituições culturais. Juntamente com a documentação policial e política na Torre do Tombo, permitirá avaliar clivagens muito profundas na sociedade portuguesa, em especial nos círculos intelectuais e que perduram até depois do 25 de Abril.
Entre todos os acontecimentos, o que teve mais graves consequências ocorreu com o Jornal do Fundão. O texto assinado por Alexandre Pinheiro Torres, membro do júri, provocou (apesar de visado pela censura) a suspensão do jornal por seis meses, uma multa pesada e um regime especial de censura: o envio dos textos, das páginas de composição, títulos e ilustrações para a direção da censura, em Lisboa, em vez de serem mandados, como era costume, para a delegação de Castelo Branco. Será um dos temas das comemorações do centenário do nascimento de António Paulouro, fundador e diretor do Jornal do Fundão. Também será, porventura, um dos capítulos da obra de investigação de Fernando Paulouro Neves acerca da História da Censura (1926-1974).
A reconstituição de alguns aspetos deste processo, de maio de 65, do encerramento da Sociedade Portuguesa de Escritores (objeto de notável contestação jurídica de Eduardo Figueiredo, grande advogado e resistente à ditadura), não pode deixar de ser assinalado, 50 anos depois, quando, noutra conjuntura, se deparam múltiplos fatores de crise que, em qualquer momento, pode atingir o direito de reunião e de associação, mediante as conveniências, os interesses e o arbítrio do poder político.
Jornalista, membro da classe de Letras da Academia das Ciências




Transcrevemos, com a devida vénia, do

quarta-feira, 20 de maio de 2015




MAIO DE 65, O ENCERRAMENTO DA SOCIEDADE DE ESCRITORES


 
 
Na última década de salazarismo, Maio de 65 ficou assinalado por um dos maiores atentados à cultura e à liberdade nas suas várias dimensões: o encerramento da Sociedade Portuguesa de Escritores. O pretexto legal foi a atribuição do Grande Prémio da Novela a Luandino Vieira, autor da obra Luuanda. O ministro Inocêncio Galvão Teles, no despacho que exarou, classificava Luandino Vieiraum individuo condenado criminalmente a 14 anos de prisão maior por actividades de terrorismo na província de Angola”.
 
Luandino Vieira encontrava-se, com efeito, no Tarrafal, a cumprir 14 anos de prisão. Era um dos implicados no “processo dos 50” julgado pelo Tribunal Territorial de Angola. Provou-se, contudo, que não fabricava bombas, nem colocava explosivos para concretizar ações armadas. Limitara-se a participar com outros intelectuais e políticos na elaboração e difusão de documentos para as bases futuras de uma “nova Angola”.
 
A sentença com base nos fatos apurados não mencionava “actividades de terrorismo”. Mas em telegramas das agências ANI e Lusitânia e textos de opinião do Diário de Noticias, do Diário da Manha, de A Voz e outros órgãos ligados ao regime passou Luandino Vieira a ser denominado terrorista e, como tal, votado ao ostracismo e à execração pública. Era – lhe interdito receber o grande Premio da Novela da Sociedade Portuguesa de Escritores.
 
Uma das muitas notícias que o Diário de Noticias logo publicou intitulava-se “Estranheza em Angola”, pela atribuição de Prémio. Seria possível? Um dos principais jornais diários de Luanda- Visados pela Censura como, aliás, todos os outros - o ABC fizera elogiosas referências à obra. O mesmo livro, também em Luanda, tivera o Prémio Mota Veiga, por se tratar de um contributo “excelente, (…) «uma nova corrente literária, revelando notável poder de criação.” O júri em Luanda integrava personalidades idóneas que representavam outras tantas instituições conceituadas. A atribuição do Prémio, em Lisboa, pela Sociedade Portuguesa de Escritores era susceptível de causar “estranheza” em Angola?
 
Contudo, a partir de 21 de Maio de 1965, data da decisão do ministro Galvão Teles, o Diário de Noticias e outros jornais, com o reforço contínuo das rádios e da Televisão, desencadearam, todos os dias, um «movimento de indignação» para que se fizesse sentir o repúdio ao Prémio, ao júri e à Sociedade Portuguesa de Escritores. Ficou expresso em textos individuais ou em documentos colectivos de protesto. A Gulbenkian, em comunicado subscrito por Azevedo Perdigão, retirou os patrocínios financeiros para os Prémios anuais da Sociedade Portuguesa de Escritores. Mas, também se verificou o contrário. Radicalizaram – se os extremos.´
 
 
FOTO da 1ª DIRECÇÃO DA SPE [tomada de posse na Casa do Alentejo, Julho de 1956]:  Na 1ª fila, da esquerda para a direita: Aquilino Ribeiro, Manuela de Azevedo, João de Barros, General Luís Augusto Ferreira Martins, Adelaide Felix, Assis Esperança e Leão Penedo. Na 2ª  fila: Jaime Lopes Dias, Alexandre Cabral, Cruz Filipe*, Alves Redol, Adão e Silva e Mário Dionísio* (encoberto por Assis Esperança) * não fazendo parte dos Corpos Gerentes, assistiram ao acto de PosseviaBreve Memorial da SPE e da APE …”, 1983, p. 2

A sede da Sociedade Portuguesa de Autores, na rua Escola Politécnico, foi assaltada e destruída. Recordo-me, como se fosse hoje. Fui incumbido, no DN, de fazer a reportagem. Apesar das cautelas exigidas e em fecho da edição, o texto foi retalhado pela censura. Mas saiu nas “últimas notícias”. Restou apenas o retrato a óleo de Aquilino Ribeiro, da autoria do pintor Rui Filipe, realizado para a Sociedade Portuguesa de Escritores e para homenagear o fundador e primeiro presidente.
 
 
O assalto e a destruição resultaram da intervenção de elementos do Jovem Portugal e dos Centuriões com a cobertura da Legião Portuguesa e da PIDE. Houve a cumplicidade de escritores e jornalistas afectos ao regime. Consta de documentos que permanecem na Torre do Tombo, alguns transcritos no Livro Negro do Fascismo. Vem pormenorizada por Riccardo Marchi em Império, Nação, Revolução–as direitas radicais no fim do Estado Novo, 1959- 1974.
 
Entretanto, a PIDE prendia membros do júri que haviam atribuído o Prémio, mesmo os que votaram contra ou não votaram: João Gaspar Simões, Augusto Abelaira, Fernanda Botelho, Manuel da Fonseca, Alexandra Pinheiro Torres. Tive oportunidade de recolher depoimentos, de alguns deles, para um inquérito Diário de Notícias (19 de Maio de 1985) e que revela parte do que se passou nos bastidores.
 
Falta, todavia, um rigoroso e exaustivo levantamento da imprensa da época, incluindo a de Angola e das posições assumidas pelas instituições culturais. Juntamente com a documentação policial e política na Torre do Tombo, permitirá avaliar clivagens muito profundas na sociedade portuguesa, em especial nos círculos intelectuais e que perduram até depois do 25 de Abril.
 
Entre todos os acontecimentos, o que teve mais graves consequências, ocorreu com o Jornal da Fundão. O texto assinado por Alexandre Pinheiro Torres, membro do júri, (apesar de Visado pela Censura) provocou a suspensão do jornal por seis meses, a uma multa pesada e um regime especial de censura: o envio dos textos, das páginas de composição, títulos e ilustrações para a direcção da censura, em Lisboa, em vez de mandar, como era costume, para a delegação Castelo Branco. Será um dos temas das comemorações do centenário do nascimento de António Paulouro fundador e director do Jornal do Fundão. Também será, porventura, um dos capítulos da obra de investigação de Fernando Paulouro Neves acerca da História da Censura (1926-1974).
 
A reconstituição de alguns aspectos deste processo, de Maio de 65, do encerramento da Sociedade Portuguesa de Escritores, (objecto de notável contestação jurídica de Eduardo Figueiredo, grande advogado e resistente à ditadura), não pode deixar de ser assinalado, 50 anos depois, quando, noutra conjuntura, se deparam múltiplos factores de crise que, em qualquer momento, pode atingir o direito de reunião e de associação, mediante as conveniências, os interesses e o arbítrio do poder politico”.
 
 

Transcrevemos, com a devida vénia, do


 
Especiais JF (JF Diário)

20 Mai 2015

A notícia que “calou” o Jornal do Fundão durante seis meses

23 DE MAIO de 1965. Foi há 50 anos. Naquela manhã muda e frágil, como tantas outras no regaço do regime. A página cinco do Jornal do Fundão fez estremecer as muralhas onde as palavras se mantinham sequestradas.
A Censura e o regime não tinham perdido tempo em tentar ocultar – e a distorcer a realidade quando já não foram a tempo de evitar algumas publicações em periódicos nacionais – atrás das malhas do silêncio a atribuição do Grande Prémio da Novela, instituído pela Sociedade Portuguesa de Escritores (SPE), à obra “Luuanda”, de Luandino Vieira. A decisão foi tomada no dia 17 de maio na SPE, fundada por Aquilino Ribeiro e Ferreira de Castro, numa reunião presidida, nesse dia, por Jacinto Prado Coelho.
Luandino Vieira era um preso político detido no Tarrafal acusado de conspiração contra o Estado. O escritor, ligado aos círculos culturais de Angola, sofreu intensa perseguição do regime pela participação no movimento de libertação de Angola. Foi preso pela primeira vez em 1959. Voltou a ser detido em 1961 e condenado a 14 anos de prisão. Em 1964 foi enviado para o campo do Tarrafal, onde passou oito anos, tendo sido apenas libertado em 1972, em regime de residência vigiada em Lisboa.
A atribuição do prémio a Luandino Vieira levou a um sobressalto nos corredores do regime, de onde saíram as vagas de retaliação, sendo a primeira o assalto da PIDE à sede da SPE, o seu encerramento e ao interrogatório de quatro dos cinco elementos do júri dos prémios na sede da polícia política. Mas haveria mais. O tumulto estava em curso e na manhã de 23 de maio de 1965, o Jornal do Fundão iniciava a publicação do suplemento literário “Argumentos”, coordenado pelo escritor e crítico literário Alexandre Pinheiro Torres, que integrou o júri que atribuiu o prémio a Luandino Vieira. Naquela página cinco, a notícia que provocou a ira dos acólitos do regime: “Isabel da Nóbrega, Luandino Vieira e Armando Castro obtiveram respetivamente o Prémio Camilo Castelo Branco (Romance), Grande Prémio de Novela e Grande Prémio do Ensaio”.
No texto do Jornal do Fundão podiam, ainda, ler-se elogios à obra de Luandino Vieira. Era o início de dias conturbados que levariam à suspensão do Jornal do Fundão por seis meses, uma das medidas mais duras adotadas pelo regime contra um órgão de informação. A Censura ainda tentou conter os danos da publicação da notícia da atribuição do prémio a um opositor do regime, com a tentativa de apreensão da edição do Jornal do Fundão. Mas os resultados saldaram-se na retenção de uma pequena fração da circulação total do jornal. Na vaga de retaliações cegas, o JF foi suspenso pela Direção dos Serviços de Censura no dia 26 de maio, acusado de ter publicado páginas não visadas pelos serviços. Alexandre Pinheiro Torres foi detido e enviado para Caxias. O JF haveria de voltar às bancas no final de 1965, mas com a obrigatoriedade de ser visado pelos Serviços de Censura de Lisboa e não em Castelo Branco, como o era eté então.
Apesar do contraditório do fundador e então diretor, António Paulouro, o regime não recuou um milímetro na decisão de penalizar fortemente um jornal. António Paulouro foi avisado, de resto, que a sua detenção pela PIDE estaria iminente. Na edição da revista do do semanário Expresso de 20 de maio de 1995, o fundador do JF referia-se a essa questão: “Às vezes viver na província também tem vantagens”, lembrando que se refugiou “no Hospital da Cruz Vermelha, porque me avisaram que a prisão seria depois justificação para sanções mais severas contra o jornal”.
Da Censura veio a justificação que este era uma semanário autorizado como “regionalista” e, como tal, nele não cabiam quaisquer “suplementos ou páginas literárias”. Mais: O JF era um caso de “habitual hostilidade”. Isto como justificação última, porque o próprio delegado distrital da Censura em Castelo Branco admitiu que todo o jornal tinha sido visado antes de ir para as bancas. Foi demitido.
O Jornal do Fundão saiu das bancas e das casas dos assinantes. Mas aquilo que, porventura, poderia representar o fim de um título, acabou por ser uma demonstração de força de vontade de António Paulouro, com a ajuda de tantos amigos do Jornal, que promoveram, inclusive, abaixo-assinados para tentar demover o regime da suspensão do semanário.
Apesar de tudo, o Jornal do Fundão só regressou às bancas no dia 28 de novembro de 1965. Mas estava prestes a iniciar-se uma nova luta: o aumento da pressão por parte da Censura, que fez deste semanário um dos jornais mais atentamente vigiados até abril de 1974.

 



Da "CASA COMUM" - Fundação Mário Soares transcrevemos  mais documentação: -

























 
 
 
 
 
 
 




 
 


 

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