O Movimento de 28 de Maio de 1926
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O movimento de 28 de Maio de 1926
O golpe de estado de 28 de Maio de 1926 iniciou-se como mais um levantamento, dos muitos que já tinham surgido no seio da Primeira República Portuguesa, coincidindo com um momento crítico para o governo presidido por António Maria da Silva. Embaraçado pela crónica má gestão do monopólio dos tabacos, um problema que já afligia os governos portugueses desde a fase final da monarquia constitucional, o governo decidira a 25 de Maio deixar de representar-se na Câmara dos Deputados, cortando os últimos laços com a legitimidade parlamentar. Como afirma um observador da política da época: o governo, inegavelmente, saía mal ferido da contenda, porque diminuído no seu prestígio. Mas o parlamento dir-se-ia quisera suicidar-se.
No ambiente de frenética intriga política que se vivia, os boatos de golpe desde há muito que corriam, sendo seguro que existiam múltiplos convites ao general Gomes da Costa para este dirigir um golpe, como sempre regenerador, que salvasse a Pátria.
Como entretanto em Braga se preparava para o dia 28 de Maio um Congresso Mariano, que congregaria naquela cidade as principais figuras do conservadorismo católico, entre as quais Cunha Leal, quando se soube que Gomes da Costa tinha para ali partido, ficou claro que o golpe estava iminente e que o seu epicentro seria naquela cidade.
Preparando o terreno, Cunha Leal logo no dia 27 organiza em Braga um almoço com apoiantes e discursa no Bom Jesus, criticando severamente o Partido Democrático que acusa de outrora ser obediente à ameaça do chicote de nove rabos do Dr. Afonso Costa, mas que então já nem sequer tinha um chefe e é um instituto tresmalhado. Quanto ao que restava do campo nacionalista, afirma que nem toda a mole ambição do Sr. Ginestal Machado, nem todas as intrigas do sr. Pedro Pita, nem todo o maquiavelismo do Sr. Tamagnini Barbosa são susceptíveis de inspirar confiança à nação, sendo um mero organismo parasitário. É neste dia, depois deste discurso inflamado, que chega à cidade, pelas 22:00 horas, o general Gomes da Costa, vindo expressamente para assumir o comando do golpe.
Conforme havia sido acordado, logo no dia imediato, 28 de Maio de 1926, pelas 6:00 da madrugada, inicia-se a sublevação militar, com acompanhamento e apoio civil, incluindo do operariado da região, organizando-se uma coluna que marcha sobre Lisboa. Coincidência, ou talvez não, na organização e na forma de mobilização há muitos traços comuns com a marcha sobre Roma, que a 28 de Outubro de 1922, pouco mais de três anos antes, levara à institucionalização do fascismo em Itália.
Seguindo o tradicional modelo do golpismo militar português, a partir de um pronunciamento fora da capital, neste caso em Braga, o movimento repercute-se por todo o país com um grande número de unidades militares a proclamar logo nesse dia e ainda maior número no dia seguinte, 29 de Maio, a sua adesão ao golpe. Em Lisboa, verdadeiro alvo do movimento, uma Junta de Salvação Pública lança um manifesto que Mendes Cabeçadas se apressa a entregar a Bernardino Machado, o cada vez mais isolado Presidente da República.
Logo a 29 de Maio, a guarnição de Lisboa adere em massa ao golpe de Gomes da Costa, já sob a liderança de Mendes Cabeçadas, que com Armando Humberto da Gama Ochoa, Jaime Baptista e Carlos Vilhena formam a revolucionária Junta de Salvação Pública. Nesse mesmo dia os sublevados obtêm o apoio de Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, o temido comandante da polícia da capital. Nessa tarde, isolado e sem meios ou vontade de resistência, o governo de António Maria da Silva apresenta a sua demissão a Bernardino Machado.
Consumada a demissão do governo, a 30 de Maio Bernardino Machado convida Mendes Cabeçadas a formar governo. Este aceita e assume as funções de presidente do Ministério, acumulando interinamente todas as outras pastas. Igualmente nesse dia, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral é nomeado governador civil de Lisboa, consolidando a tomada efectiva do poder na capital. Perante a estabilidade conseguida e ultrapassado o risco de confrontos, Gomes da Costa dá ordem a todas as forças militares golpistas disponíveis para avançarem sobre Lisboa. Estava concluída a fase militar do pronunciamento.
A vertente civil prosseguiu com igual celeridade: nomeado o governo, a 31 de Maio Mendes Cabeçadas manda expedir, significativamente através da secretaria do Ministério da Guerra, a ordem para se encerrar o Congresso da República Portuguesa. Era o fim oficial do parlamentarismo português. Perante a afronta, isolado e sem meios de resistência, nesse mesmo dia Bernardino Machado resigna, entregando a chefia do Estado a Mendes Cabeçadas.
Nesse mesmo dia, numa declaração que retrata bem o espírito que se instalara em Lisboa, o major Ribeiro de Carvalho, apelava na imprensa a que se repetisse o modelo da Regeneração de 1851, com uma política ampla e de generosa conciliação nacional, ao mesmo tempo que salientava que a vitória da revolução é, antes de mais nada, um triunfo da opinião pública. Os revoltosos venceram porque ninguém estava disposto a sacrificar-se por um governo que não traduzia os votos da nação.
Aparentando não ter um projecto claro de tomada do poder, o general Gomes da Costa, ainda em Coimbra na sua marcha sobre Lisboa, anuncia a 1 de Junho a formação de um triunvirato por si presidido, incluindo Mendes Cabeçadas e Armando Humberto da Gama Ochoa. Contudo, numa primeira cisão, Gama Ochoa retira-se, recusando a solução.
Entretanto, de vulgar golpe militar, o movimento iniciado a 28 de Maio tinha-se transformado numa vastíssima coligação mestiça de republicanos conservadores, monárquicos e nacionalistas revolucionários com um núcleo de jovens oficiais, apoiado e aceite por todos os sectores sociais e pela esmagadora maioria dos portugueses. A 3 de Junho as tropas de Gomes da Costa chegaram a Sacavém de comboio e entraram em Lisboa sem sabotagens, nem resistência. Gomes da Costa prefere aguardar a formação de governo estável e a preparação de uma marcha triunfal antes de entrar em Lisboa e dirige-se para a Amadora, onde permanece com o seu estado-maior.
Entretanto, nesse mesmo dia 3 de Junho, em Lisboa Mendes Cabeçadas organiza o novo governo, entregando a Gomes da Costa as pastas da Guerra e interino da Marinha e Colónias. Para as Finanças escolhe António de Oliveira Salazar, para a Instrução Pública, Joaquim Mendes dos Remédios, para a Agricultura, Ezequiel Pereira de Campos e para a Justiça, Manuel Rodrigues Júnior. Três dos ministros escolhidos (Mendes dos Remédios, Manuel Rodrigues e Oliveira Salazar) são professores da Universidade de Coimbra, tendo por isso ficado jocosamente conhecidos pela Tuna de Coimbra.
Mas a incerteza é grande, estando cada vez mais clara que a solução bicéfala Gomes da Costa-Mendes Cabeçadas é insustentável. Daí que os ministros da Tuna de Coimbra decidam, a 4 de Junho, fazer uma primeira paragem na Amadora, onde permanece Gomes da Costa, para conhecerem a real intenção do novo poder. Desse encontro resulta que Mendes dos Remédios e Manuel Rodrigues prosseguem para Lisboa e tomam posse, mas Oliveira Salazar, mais timorato, volta para Coimbra no dia seguinte.
Preparado cenário, a 7 de Junho o general Gomes da Costa toma posse das pastas para que fora nomeado e comanda um impressionante desfile militar de vitória ao longo da Avenida da Liberdade. Desfilam 15 000 homens perante o aplauso de centenas de milhar de pessoas. Está terminada a marcha sobre Lisboa e o novo poder está completo nas suas vertentes militar e civil.
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