XIII
A UNIVERSIDADE E O ENSINO
«Uma Universidade deve ser escola de tudo, mas
sobretudo de liberdade.»
“A
Universidade e a Nação”, in O Instituto:
revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 51, n.º 11 (Nov. 1904); tb.
in: A Universidade e a Nação,
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1904; A
Universidade de Coimbra, 2.ª ed., Lisboa, Editor-Proprietario, Bernardino
Machado, 1908; tb. in: Vila Nova de Famalicão: Câmara Municipal, 1983. Reedição
facsimilada.
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«Um princípio, sobretudo, dirigiu o autor e os
colaboradores da moderna Universidade, e resume o espírito desta obra
prodigiosa. Era o princípio, ou, antes, a entranhável convicção de que só o
saber domina, de que só ele governa soberanamente o mundo.
E é a pura verdade, meus Senhores. A ciência vale
tanto que, ainda séculos depois, uma ideia que já se difundiu por toda a parte,
quando já não é privilégio nem parece instrumento preponderante de ninguém,
recobra, às vezes, o ímpeto primitivo, e levanta do fundo da história o povo
que a concebera, para lhe pagar a sua vida insuflando-a nele.
Amar, portanto, a ciência, venerando-a nos sábios e
prezando nos estudiosos, adorando-a então nos seus mártires; servi-la pelo
estudo perseverante, obstinado, inelutável, servi-la pela rigorosa aplicação
dos seus ditames, quando mesmo se haja de fazer por ela sacrifícios: eis, para
quem sente na alma os estos da sua pátria, o que deve constituir uma religião
nacional.
E não só como cidadãos o saber nos engrandece. A
descoberta que hoje comove uma nação, que a enriquece e nobilita, há-de amanhã
tornar-se um serviço à humanidade; depois de ter associado intimamente nos
gozos do mesmo trabalho os membros de uma colectividade, vai de volta pelo
globo levar a todo ele mais um vínculo de simpatia. Este é o incomparável poder
da ciência. Só ela vinga realizar o supremo desideratum:
melhorar o homem.
Amar, portanto, e servir a ciência é amar e servir
todas as virtudes; é mais até do que obrigação nacional, é obrigação
humanitária.
Mas, se a ciência, meus Senhores, é uma religião, são
templos as escolas, e aos seus mestres e alunos, mais do que a ninguém, cabe
velar cuidadosamente por ela: a todos, e muito principalmente aos que temos a
honra de pertencer a um Instituto de alto ensino, porque nesta moderna religião
que é a própria religião do progresso, quem recebeu a sagrada missão de o
dirigir e acelerar fomos nós, digo-o com a dor pungentíssima da minha
mediocridade.
Será missão excessiva para as forças da nossa
instrução superior? Será. O saber não se improvisa, papa o alcançar faz-se
necessário trabalhar arduamente, sofrer; só os povos que à sua custa granjearam
esse capital, parecem dignos, capazes de o multiplicar – e o nosso património
de ideias tornou-se bem escasso.»
“Oração de
Sapiência”, in Affirmações
Publicas: 1882-1886,
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888.
«Uma Universidade é um laboratório, uma
oficina modelo, onde professores e discípulos, como verdadeiros operários e
aprendizes, não têm por ocupação consumir ideias, mas produzi-las. E uns e
outros não se pertencem só mutuamente a si mesmos, não labutam exclusivamente
pelo seu bem-estar e progresso, não produzem apenas para o seu próprio consumo;
devem-se a todos, e, mais que a ninguém, aos mais entrevecidos na ignorância e
superstição.»
«Que cada conhecimento nosso seja um
serviço público, franco, desinteressado. Nenhuma ciência cerra magicamente os
seus cultores num palácio encantado, acima de toda a realidade, em tamanha
abstracção, que eles vivam na terra como viveriam na lua, em Portugal como na
China. Pelo contrário, [não há] nem uma única que se não haja de aprender
concretamente, chãmente, no convívio e na intimidade dos seres familiares, que
não precise dum berço e duma pátria, até para poder crescer e alar-se a todo o
mundo. E quanto nos falta o conhecimento do que é nosso, desde o solo até às
almas! Quem sabe como vive entre nós o cavador, o mineiro, o proletário, como
vivem os nossos criminosos, como vivem ou antes como vão morrendo de corpo e de
espírito? Estude-se a matemática, fazendo estatística de tudo, calculando os
tesouros que se encerram sob este céu, nesta nossa terra, na nossa raça, e, no
nosso génio nacional, avaliando bem todas as nossas forças e todos os nossos
recursos, e proporcionando-lhes exactamente os nossos cometimentos e
aspirações, quando não medindo mesmo os sacrifícios que nos sejam necessários,
e são-nos tantos!»
«Uma Universidade pode lá deixar de ser política! Não
é dentro dela que se ministra o mais alto ensino de direito público? Se os
pensadores não governarem, governam os interesses e as paixões, sem o freio da
razão. Infelizmente, quantos dos nossos homens de ciência, para se esquivarem
aos descómodos a contrariedades, aos riscos, da vida pública, que é e tem de
ser sempre afinal uma luta acesa, se não dedignam de acorrentar-se à sorte dos
aventureiros políticos de pior fama, à espera de que tudo lhe chegue sem custo
um dia com a vitória cortesã dos magnates que os capitaneiam!
Desempenhemo-nos de todos os nossos deveres cívicos,
com energia, com coragem, com denodo, militantemente, sem que nada jamais nos
quebre ou entorpeça sequer o ânimo, nem o asco que nos causem os vícios cínicos
de tantos dos nossos homens públicos. E, fazendo-o, não receemos aquecer demais
a mocidade escolar em focos perigosos de revolução. Não! Um discípulo é
naturalmente um correligionário; no professor está aconselhá-lo com perfeito
tacto, dirigi-lo para bem.»
«A nação não elege os seus governantes?
Também nós não elegemos o nosso reitor, nem os nossos funcionários administrativos,
que, aliás até ao menor, deviam ser sempre recrutados por nós ou pelo reitor
nosso eleito, e, de preferência, entre os antigos servidores do ensino, desde
os mais modestos. Tudo, de nomeação régia. No governo propriamente docente, a
Universidade tem, sim, direito de eleger os seus professores; nem desse [direito],
porém, usa com toda a liberdade, e, acrescentarei, com toda e justiça e
proveito, escolhendo-os entre as mais provadas competências do país, sem
privilégio algum para os seus filhos, ou para os filhos das outras escolas
superiores, onde quer que essas competências se encontrem […]»
«E, se elegemos os nossos professores,
já não temos o direito de constituir livremente o nosso governo interior,
elegendo de entre eles os nossos decanos; ainda acatamos na família
universitária a prerrogativa morganática, o vínculo de primogenitura, como se
mantém lá fora para a família real. E o mesmo poder que lá é discricionário,
edita penalidades contra a liberdade de exame e de discussão, declarando-a um delito
e ilegais os partidos que a reivindiquem, conta para a ordem social somente com
o terror dos castigos, suprime as garantias do processo judicial, e persegue,
às pranchadas, os manifestantes pacíficos, cá dentro brande sobre a
Universidade a férula do foro académico, ameaça com a expulsão e perda de ano
os seus alunos, acutila-os, e já se atreveu a demitir o seu secretário e a
retardar a devida promoção dum dos seus lentes para os punir das opiniões
democráticas honradamente expendidas por um e outro.»
“A
Universidade e a Nação”, in O Instituto:
revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 51, n.º 11 (Nov. 1904); tb.
in: A Universidade e a Nação,
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1904; A
Universidade de Coimbra, 2.ª ed., Lisboa, Editor-Proprietario, Bernardino
Machado, 1908; tb. in: Vila Nova de Famalicão: Câmara Municipal, 1983. Reedição
facsimilada.
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