segunda-feira, 28 de outubro de 2013

















XIII
A UNIVERSIDADE E O ENSINO


«Uma Universidade deve ser escola de tudo, mas sobretudo de liberdade.»

“A Universidade e a Nação”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 51, n.º 11 (Nov. 1904); tb. in: A Universidade e a Nação, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1904; A Universidade de Coimbra, 2.ª ed., Lisboa, Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1908; tb. in: Vila Nova de Famalicão: Câmara Municipal, 1983. Reedição facsimilada.

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«Um princípio, sobretudo, dirigiu o autor e os colaboradores da moderna Universidade, e resume o espírito desta obra prodigiosa. Era o princípio, ou, antes, a entranhável convicção de que só o saber domina, de que só ele governa soberanamente o mundo.
E é a pura verdade, meus Senhores. A ciência vale tanto que, ainda séculos depois, uma ideia que já se difundiu por toda a parte, quando já não é privilégio nem parece instrumento preponderante de ninguém, recobra, às vezes, o ímpeto primitivo, e levanta do fundo da história o povo que a concebera, para lhe pagar a sua vida insuflando-a nele.
Amar, portanto, a ciência, venerando-a nos sábios e prezando nos estudiosos, adorando-a então nos seus mártires; servi-la pelo estudo perseverante, obstinado, inelutável, servi-la pela rigorosa aplicação dos seus ditames, quando mesmo se haja de fazer por ela sacrifícios: eis, para quem sente na alma os estos da sua pátria, o que deve constituir uma religião nacional.
E não só como cidadãos o saber nos engrandece. A descoberta que hoje comove uma nação, que a enriquece e nobilita, há-de amanhã tornar-se um serviço à humanidade; depois de ter associado intimamente nos gozos do mesmo trabalho os membros de uma colectividade, vai de volta pelo globo levar a todo ele mais um vínculo de simpatia. Este é o incomparável poder da ciência. Só ela vinga realizar o supremo desideratum: melhorar o homem.
Amar, portanto, e servir a ciência é amar e servir todas as virtudes; é mais até do que obrigação nacional, é obrigação humanitária.
Mas, se a ciência, meus Senhores, é uma religião, são templos as escolas, e aos seus mestres e alunos, mais do que a ninguém, cabe velar cuidadosamente por ela: a todos, e muito principalmente aos que temos a honra de pertencer a um Instituto de alto ensino, porque nesta moderna religião que é a própria religião do progresso, quem recebeu a sagrada missão de o dirigir e acelerar fomos nós, digo-o com a dor pungentíssima da minha mediocridade.
Será missão excessiva para as forças da nossa instrução superior? Será. O saber não se improvisa, papa o alcançar faz-se necessário trabalhar arduamente, sofrer; só os povos que à sua custa granjearam esse capital, parecem dignos, capazes de o multiplicar – e o nosso património de ideias tornou-se bem escasso.»

“Oração de Sapiência”, in Affirmações Publicas: 1882-1886, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888.



«Uma Universidade é um laboratório, uma oficina modelo, onde professores e discípulos, como verdadeiros operários e aprendizes, não têm por ocupação consumir ideias, mas produzi-las. E uns e outros não se pertencem só mutuamente a si mesmos, não labutam exclusivamente pelo seu bem-estar e progresso, não produzem apenas para o seu próprio consumo; devem-se a todos, e, mais que a ninguém, aos mais entrevecidos na ignorância e superstição.»

«Que cada conhecimento nosso seja um serviço público, franco, desinteressado. Nenhuma ciência cerra magicamente os seus cultores num palácio encantado, acima de toda a realidade, em tamanha abstracção, que eles vivam na terra como viveriam na lua, em Portugal como na China. Pelo contrário, [não há] nem uma única que se não haja de aprender concretamente, chãmente, no convívio e na intimidade dos seres familiares, que não precise dum berço e duma pátria, até para poder crescer e alar-se a todo o mundo. E quanto nos falta o conhecimento do que é nosso, desde o solo até às almas! Quem sabe como vive entre nós o cavador, o mineiro, o proletário, como vivem os nossos criminosos, como vivem ou antes como vão morrendo de corpo e de espírito? Estude-se a matemática, fazendo estatística de tudo, calculando os tesouros que se encerram sob este céu, nesta nossa terra, na nossa raça, e, no nosso génio nacional, avaliando bem todas as nossas forças e todos os nossos recursos, e proporcionando-lhes exactamente os nossos cometimentos e aspirações, quando não medindo mesmo os sacrifícios que nos sejam necessários, e são-nos tantos!»

«Uma Universidade pode lá deixar de ser política! Não é dentro dela que se ministra o mais alto ensino de direito público? Se os pensadores não governarem, governam os interesses e as paixões, sem o freio da razão. Infelizmente, quantos dos nossos homens de ciência, para se esquivarem aos descómodos a contrariedades, aos riscos, da vida pública, que é e tem de ser sempre afinal uma luta acesa, se não dedignam de acorrentar-se à sorte dos aventureiros políticos de pior fama, à espera de que tudo lhe chegue sem custo um dia com a vitória cortesã dos magnates que os capitaneiam!
Desempenhemo-nos de todos os nossos deveres cívicos, com energia, com coragem, com denodo, militantemente, sem que nada jamais nos quebre ou entorpeça sequer o ânimo, nem o asco que nos causem os vícios cínicos de tantos dos nossos homens públicos. E, fazendo-o, não receemos aquecer demais a mocidade escolar em focos perigosos de revolução. Não! Um discípulo é naturalmente um correligionário; no professor está aconselhá-lo com perfeito tacto, dirigi-lo para bem.»

«A nação não elege os seus governantes? Também nós não elegemos o nosso reitor, nem os nossos funcionários administrativos, que, aliás até ao menor, deviam ser sempre recrutados por nós ou pelo reitor nosso eleito, e, de preferência, entre os antigos servidores do ensino, desde os mais modestos. Tudo, de nomeação régia. No governo propriamente docente, a Universidade tem, sim, direito de eleger os seus professores; nem desse [direito], porém, usa com toda a liberdade, e, acrescentarei, com toda e justiça e proveito, escolhendo-os entre as mais provadas competências do país, sem privilégio algum para os seus filhos, ou para os filhos das outras escolas superiores, onde quer que essas competências se encontrem […]»


«E, se elegemos os nossos professores, já não temos o direito de constituir livremente o nosso governo interior, elegendo de entre eles os nossos decanos; ainda acatamos na família universitária a prerrogativa morganática, o vínculo de primogenitura, como se mantém lá fora para a família real. E o mesmo poder que lá é discricionário, edita penalidades contra a liberdade de exame e de discussão, declarando-a um delito e ilegais os partidos que a reivindiquem, conta para a ordem social somente com o terror dos castigos, suprime as garantias do processo judicial, e persegue, às pranchadas, os manifestantes pacíficos, cá dentro brande sobre a Universidade a férula do foro académico, ameaça com a expulsão e perda de ano os seus alunos, acutila-os, e já se atreveu a demitir o seu secretário e a retardar a devida promoção dum dos seus lentes para os punir das opiniões democráticas honradamente expendidas por um e outro.»

“A Universidade e a Nação”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria. Coimbra, Vol. 51, n.º 11 (Nov. 1904); tb. in: A Universidade e a Nação, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1904; A Universidade de Coimbra, 2.ª ed., Lisboa, Editor-Proprietario, Bernardino Machado, 1908; tb. in: Vila Nova de Famalicão: Câmara Municipal, 1983. Reedição facsimilada.





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