sexta-feira, 18 de outubro de 2013

















IX
O ENSINO PROFISSIONAL



«O ensino do futuro não há-de ser dado a escolares, mas a aprendizes, operários, contramestres ou mestres. É o que já se vai fazendo nas universidades populares. E haverá para os estudos superiores os gabinetes, laboratórios e oficinas de investigação pessoal.»

“Notas Dum Pai”, in O Instituto: revista scientifica e litteraria, Coimbra, Vol. 47, n.º 11 (Nov. 1900), pp. 659-676.

·          

«O ensino profissional impõe-se ao cuidado de todos; impõe-se ao Estado, que é também industrial, e que tem sobretudo de velar por que se não apaguem os brios da grande indústria, a do patriotismo – e para esta preparam todas as escolas, mas propriamente o alto ensino, que exerce logo por si a indústria das ideias novas, das inspirações nacionais; e impõe-se na maioria dos casos às localidades, às classes. De facto, todas as profissões são mais ou menos locais, mais ou menos privativas, com excepção das duas que por toda a parte e em qualquer classe se hão-de exercer: a profissão de homem e a de cidadão, e esta mesma se torna especial, quando nós olhamos além das nossas fronteiras para toda a sociedade. Eu desejava ver os operários de cada classe e as classes afins associadas para administrarem os estudos das suas profissões, desde os mais simples suficientes às povoações humildes até os mais complexos adequados ao país inteiro; eu desejava que o município, o distrito e o Estado administrassem, pela sua parte, os estudos preparatórios peculiares às escolas profissionais das suas circunscrições, e que, logo que duas terras limítrofes necessitassem dos mesmos estudos por causa da homogeneidade das suas indústrias, elas se associassem para os administrar em comum; e não podendo uma classe, auxiliassem-na as corporações territoriais, e, quando uma destas não pudesse, acudissem-lhes as outras.
Não me demoro com a economia da administração do ensino; para quê, se estamos tão longe de o possuirmos em toda as variedades? Pretendi apenas mostrar que é a iniciativa particular quem deverá em grande parte completá-lo […]»

“Discurso Proferido na Cidade do Porto no Dia 9 de Julho de 1883”, in Affirmações Publicas: 1882-1886 – I, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888; tb. “O Ensino”, In O Ensino, Coimbra, Tipografia França Amado, 1898; tb. “O Exercito Libertador: 9 de Julho de 1832: À Associação Liberal do Porto”, in Homenagens, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1902.

·          

«É certo que a educação profissional responde a uma das mais instantes necessidades dos povos modernos. O progresso vertiginoso das ciências revolucionou as condições do trabalho, tanto no seu regime técnico, como no seu regime social. Hoje em dia o mestre, o chefe de oficina, vê-se sem tempo para transmitir o seu saber, a sua experiência, aos seus colaboradores: tudo lhe parece ainda pouco para se aperceber vantajosamente na concorrência com os seus rivais. Ao mesmo tempo, os processos técnicos, na sua incessante perfectibilidade, dividem o trabalho, simplificam-no a tal ponto que reduzem a quase nada o aprendizado de cada especialidade. Em resultado desta nova situação técnica e social, o trabalhador, afastado do mestre e da arte, entregue quase só a si e à sua especialidade, sem educação antes da oficina, sem educação dentro dela, paga bem caro a rapidez com que se apronta para o ofício, porque vem a pagá-la com o atrofiamento das suas faculdades. Ora, tal não deve ser a consequência do progresso. A oficina diferenciou-se, deixou de ser educativa? Coloque-se-lhe ao lado a escola. O trabalho parcelou-se? Instrua-se o operário para que seja capaz de o simplificar ainda mais, de o simplificar tanto que logre substituir o seu braço pela máquina.
Se queremos para as nossas classes operárias esta emancipação, se queremos aumentar a riqueza e o bem-estar do país, havemos de estabelecer nele com solidez o ensino do trabalho.»

«Eu desejava que os estudos profissionais principiassem na escola primária. Aí deve o homem preparar-se com a instrução moral e cívica, com o desenho, a recitação e o canto, e com os trabalhos manuais, a vir a ser bom, delicado e útil. Aí devem ter as suas raízes o ensino do direito, o ensino das belas artes, o ensino especialmente chamado industrial ou profissional, e não só estes três grandes grupos da ciência da actividade humana, mas todos os termos intermédios, como a administração entre a jurisprudência e a indústria, como a arte industrial, como, de permeio ao direito e às belas-artes, a retórica no seu primitivo sentido, que é eloquência no homem de Estado e estilo no moralista.
Por isto se vê que, para empreendermos de raiz a nossa instrução profissional, precisámos de acrescentar o programa das escolas elementares, aonde só não falta o estudo do desenho.
E sobre a escola primária estabeleça-se então o ensino profissional, […], a que chamarei primário. Este é o que se deve multiplicar por toda a parte com todas as variedades, agrícola nas povoações rurais, industrial e comercial nas povoações urbanas, administrativo aonde o exigir a importância da administração local, de um, de dois, ou de três anos. E, para se lhe dar esta extensão, lembro que poderia incorporar-se em muitas das escolas primárias complementares, criadas em todos os municípios pela lei de 1878.
Mas, depois do ensino profissional primário, eleve-se sobre uma parte menor ou maior dos liceus o ensino profissional a que chamarei secundário e que deve em Lisboa, no Porto e talvez em Coimbra ser professado em estabelecimentos como o nosso Instituto Agrícola, o Instituto Industrial e Comercial, o Instituto Industrial, como as nossas escolas de Belas-Artes. Devem reputar-se também profissionais secundárias as nossas escolas normais de distrito. Para este grau do ensino profissional ser completo só poucos os estabelecimentos de algumas das espécies que possuímos, e faltam-nos outras espécies, que habilitem para vários empregos públicos, por exemplo.
Finalmente, o nosso alto ensino profissional, Faculdade de Direito, Faculdade e Escolas de Medicina, Escola do Exército, Escola Naval, é insuficiente; mal se vê, nos cursos civis da Escola do Exército, o gérmen de uma futura escola técnica superior, nem é aceitável o ensino de administração da natureza [sic] do que se segue na Universidade. E já não falo da insuficiência dos preparatórios superiores, como para a Faculdade de Direito, à qual deviam preceder desenvolvidos estudos históricos e literários.
É, pois, complicadíssimo o problema da organização da instrução profissional, e ainda é complicado, quando o limitámos à esfera de acção do Ministério das Obras Públicas. Mas é indispensável resolver todo o problema da instrução profissional, conjuntamente, com todo o problema da instrução especulativa para que cheguemos ainda a possuir ideias, sentimentos e acção própria, e de novo conquistemos uma posição honrosa e independente no concerto dos povos cultos.»

«E não há só que resolver um problema pedagógico, há também que resolver um problema político. Duas são as formas exclusivas por que se pode proceder: ou administrar o Estado o ensino profissional, ou só protegê-lo. Nenhum destes processos é adoptado absolutamente, nem o primeiro pela Alemanha, nem o outro pela Inglaterra, Bélgica ou Áustria. Mas de qual convirá aproximarmo-nos mais? Entendo que deve o Estado administrar o ensino técnico-superior que aproveita a todo o país, e, quanto ao ensino técnico secundário e primário, que tem um carácter sempre local, particular, substituir-se sim às localidades que o não possam instituir, mas só a essas, e em geral animar todos os esforços das localidades ou associações que tentem desenvolvê-lo, como a Sociedade de Instrução do Porto, a Sociedade Martins Sarmento de Guimarães, a Escola Livre das Artes do Desenho de Coimbra. Subsidie-as o Estado por todos os modos, com professores, com modelos, com dinheiro, exerça em troca sobre elas a jurisdição a que pelos seus subsídios fica com direito, e entendo que deve levar a compreensão das suas responsabilidades até julgar-se obrigado a fundar escolas- modelos, que sirvam de exemplo às iniciativas particulares e locais. Mas daí não passe. Dê-se o lugar a todos que o possam ocupar dignamente.»

«A escola profissional encontra duas dificuldades que, sobretudo, lhe importa vencer para que o seu ensino permaneça e frutifique: chamar a si mestres e alunos. Os mestres são raríssimos e só com muita sagacidade se reconhecem; os alunos só se conquistarão sucessivamente por um lento contágio, e ainda, para os chamar à escola técnica primária, há-de ser preciso convidá-los por meio de uma caixa económica ou por outro que preveja ao seu apercebimento futuro.
Que actividade não demanda, pois, dos poderes do Estado uma sólida constituição do ensino profissional! E pondere-se que, para ele ser completo, para abranger todo o país, há-de servir não só os homens, mas ambos os sexos.»


“Educação Profissional”, in Affirmações Publicas: 1882-1886, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888; tb. in O Ensino Profissional, Coimbra, Tipografia França Amado, 1899.





Sem comentários: