IX
O
ENSINO PROFISSIONAL
«O ensino do futuro não há-de ser dado a escolares,
mas a aprendizes, operários, contramestres ou mestres. É o que já se vai
fazendo nas universidades populares. E haverá para os estudos superiores os
gabinetes, laboratórios e oficinas de investigação pessoal.»
“Notas Dum
Pai”, in O Instituto: revista scientifica
e litteraria, Coimbra, Vol. 47, n.º 11 (Nov. 1900), pp. 659-676.
·
«O ensino profissional impõe-se ao cuidado de todos;
impõe-se ao Estado, que é também industrial, e que tem sobretudo de velar por
que se não apaguem os brios da grande indústria, a do patriotismo – e para esta
preparam todas as escolas, mas propriamente o alto ensino, que exerce logo por
si a indústria das ideias novas, das inspirações nacionais; e impõe-se na
maioria dos casos às localidades, às classes. De facto, todas as profissões são
mais ou menos locais, mais ou menos privativas, com excepção das duas que por
toda a parte e em qualquer classe se hão-de exercer: a profissão de homem e a
de cidadão, e esta mesma se torna especial, quando nós olhamos além das nossas
fronteiras para toda a sociedade. Eu desejava ver os operários de cada classe e
as classes afins associadas para administrarem os estudos das suas profissões,
desde os mais simples suficientes às povoações humildes até os mais complexos
adequados ao país inteiro; eu desejava que o município, o distrito e o Estado
administrassem, pela sua parte, os estudos preparatórios peculiares às escolas
profissionais das suas circunscrições, e que, logo que duas terras limítrofes
necessitassem dos mesmos estudos por causa da homogeneidade das suas
indústrias, elas se associassem para os administrar em comum; e não podendo uma
classe, auxiliassem-na as corporações territoriais, e, quando uma destas não
pudesse, acudissem-lhes as outras.
Não me
demoro com a economia da administração do ensino; para quê, se estamos tão
longe de o possuirmos em toda as variedades? Pretendi apenas mostrar que é a
iniciativa particular quem deverá em grande parte completá-lo […]»
“Discurso
Proferido na Cidade do Porto no Dia 9 de Julho de 1883”, in Affirmações Publicas: 1882-1886 – I,
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888; tb. “O Ensino”, In O Ensino, Coimbra, Tipografia França
Amado, 1898; tb. “O Exercito Libertador: 9 de Julho de 1832: À Associação
Liberal do Porto”, in Homenagens, Coimbra, Imprensa da Universidade,
1902.
·
«É certo que a educação profissional responde a uma
das mais instantes necessidades dos povos modernos. O progresso vertiginoso das
ciências revolucionou as condições do trabalho, tanto no seu regime técnico,
como no seu regime social. Hoje em dia o mestre, o chefe de oficina, vê-se sem
tempo para transmitir o seu saber, a sua experiência, aos seus colaboradores:
tudo lhe parece ainda pouco para se aperceber vantajosamente na concorrência
com os seus rivais. Ao mesmo tempo, os processos técnicos, na sua incessante
perfectibilidade, dividem o trabalho, simplificam-no a tal ponto que reduzem a
quase nada o aprendizado de cada especialidade. Em resultado desta nova
situação técnica e social, o trabalhador, afastado do mestre e da arte,
entregue quase só a si e à sua especialidade, sem educação antes da oficina,
sem educação dentro dela, paga bem caro a rapidez com que se apronta para o
ofício, porque vem a pagá-la com o atrofiamento das suas faculdades. Ora, tal
não deve ser a consequência do progresso. A oficina diferenciou-se, deixou de
ser educativa? Coloque-se-lhe ao lado a escola. O trabalho parcelou-se?
Instrua-se o operário para que seja capaz de o simplificar ainda mais, de o
simplificar tanto que logre substituir o seu braço pela máquina.
Se
queremos para as nossas classes operárias esta emancipação, se queremos
aumentar a riqueza e o bem-estar do país, havemos de estabelecer nele com
solidez o ensino do trabalho.»
«Eu desejava que os estudos profissionais
principiassem na escola primária. Aí deve o homem preparar-se com a instrução
moral e cívica, com o desenho, a recitação e o canto, e com os trabalhos
manuais, a vir a ser bom, delicado e útil. Aí devem ter as suas raízes o ensino
do direito, o ensino das belas artes, o ensino especialmente chamado industrial
ou profissional, e não só estes três grandes grupos da ciência da actividade
humana, mas todos os termos intermédios, como a administração entre a
jurisprudência e a indústria, como a arte industrial, como, de permeio ao
direito e às belas-artes, a retórica no seu primitivo sentido, que é eloquência
no homem de Estado e estilo no moralista.
Por isto se vê que, para empreendermos de raiz a nossa
instrução profissional, precisámos de acrescentar o programa das escolas
elementares, aonde só não falta o estudo do desenho.
E sobre a escola primária estabeleça-se então o ensino
profissional, […], a que chamarei primário. Este é o que se deve multiplicar
por toda a parte com todas as variedades, agrícola nas povoações rurais,
industrial e comercial nas povoações urbanas, administrativo aonde o exigir a
importância da administração local, de um, de dois, ou de três anos. E, para se
lhe dar esta extensão, lembro que poderia incorporar-se em muitas das escolas
primárias complementares, criadas em todos os municípios pela lei de 1878.
Mas, depois do ensino profissional primário, eleve-se
sobre uma parte menor ou maior dos liceus o ensino profissional a que chamarei
secundário e que deve em Lisboa, no Porto e talvez em Coimbra ser professado em
estabelecimentos como o nosso Instituto Agrícola, o Instituto Industrial e
Comercial, o Instituto Industrial, como as nossas escolas de Belas-Artes. Devem
reputar-se também profissionais secundárias as nossas escolas normais de
distrito. Para este grau do ensino profissional ser completo só poucos os
estabelecimentos de algumas das espécies que possuímos, e faltam-nos outras
espécies, que habilitem para vários empregos públicos, por exemplo.
Finalmente, o nosso alto ensino profissional, Faculdade
de Direito, Faculdade e Escolas de Medicina, Escola do Exército, Escola Naval,
é insuficiente; mal se vê, nos cursos civis da Escola do Exército, o gérmen de
uma futura escola técnica superior, nem é aceitável o ensino de administração
da natureza [sic] do que se segue na
Universidade. E já não falo da insuficiência dos preparatórios superiores, como
para a Faculdade de Direito, à qual deviam preceder desenvolvidos estudos
históricos e literários.
É, pois, complicadíssimo o problema da organização da
instrução profissional, e ainda é complicado, quando o limitámos à esfera de
acção do Ministério das Obras Públicas. Mas é indispensável resolver todo o
problema da instrução profissional, conjuntamente, com todo o problema da
instrução especulativa para que cheguemos ainda a possuir ideias, sentimentos e
acção própria, e de novo conquistemos uma posição honrosa e independente no
concerto dos povos cultos.»
«E não há
só que resolver um problema pedagógico, há também que resolver um problema
político. Duas são as formas exclusivas por que se pode proceder: ou
administrar o Estado o ensino profissional, ou só protegê-lo. Nenhum destes
processos é adoptado absolutamente, nem o primeiro pela Alemanha, nem o outro
pela Inglaterra, Bélgica ou Áustria. Mas de qual convirá aproximarmo-nos mais?
Entendo que deve o Estado administrar o ensino técnico-superior que aproveita a
todo o país, e, quanto ao ensino técnico secundário e primário, que tem um
carácter sempre local, particular, substituir-se sim às localidades que o não
possam instituir, mas só a essas, e em geral animar todos os esforços das
localidades ou associações que tentem desenvolvê-lo, como a Sociedade de
Instrução do Porto, a Sociedade Martins Sarmento de Guimarães, a Escola Livre
das Artes do Desenho de Coimbra. Subsidie-as o Estado por todos os modos, com
professores, com modelos, com dinheiro, exerça em troca sobre elas a jurisdição
a que pelos seus subsídios fica com direito, e entendo que deve levar a
compreensão das suas responsabilidades até julgar-se obrigado a fundar escolas-
modelos, que sirvam de exemplo às iniciativas particulares e locais. Mas daí
não passe. Dê-se o lugar a todos que o possam ocupar dignamente.»
«A escola profissional encontra duas dificuldades que,
sobretudo, lhe importa vencer para que o seu ensino permaneça e frutifique:
chamar a si mestres e alunos. Os mestres são raríssimos e só com muita
sagacidade se reconhecem; os alunos só se conquistarão sucessivamente por um
lento contágio, e ainda, para os chamar à escola técnica primária, há-de ser
preciso convidá-los por meio de uma caixa económica ou por outro que preveja ao
seu apercebimento futuro.
Que actividade não demanda, pois, dos poderes do Estado
uma sólida constituição do ensino profissional! E pondere-se que, para ele ser
completo, para abranger todo o país, há-de servir não só os homens, mas ambos
os sexos.»
“Educação Profissional”, in Affirmações Publicas: 1882-1886,
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888; tb. in O Ensino Profissional, Coimbra, Tipografia França Amado, 1899.
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