domingo, 22 de setembro de 2013











III
 LIBERDADE DE ENSINO
PÚBLICO OU PRIVADO?

 «Ser livre é saber! Toda outra liberdade é fatalmente o desastre na indústria e a desordem na sociedade, toda outra liberdade é a vitória não do direito, não do interesse social, mas exclusivamente da força, ainda que seja a força bruta. Só com a liberdade, que é o saber, se caminha em progresso para a igualdade, para a felicidade.»
 “Discurso Proferido na Cidade do Porto no Dia 9 de Julho de 1883”, in Homenagens, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1902.

 • «A liberdade de ensino é uma expressão vaga. Que há-de entender-se por estas palavras? Pretende-se com ela a liberdade da doutrina? Que todo indivíduo competente possa ter lugar nos estabelecimentos públicos e aí professar as suas doutrinas, sejam quais forem, contanto que não ofendam a moral nem as leis? Se assim é, é respeitável o princípio da liberdade de ensino, e eu quero-o.» «Significará a liberdade de ensino a fundação de estabelecimentos particulares de ensino ao lado dos do Estado? Temo-la já na lei […] Mas, nos seus justos limites, dando garantias pedagógicas os mestres e directores, não há princípio mais abençoado, porque em parte alguma se deve recusar à verdade um abrigo. E, como dizia o estadista que pelos seus crescentes serviços à instrução chegou ao primeiro posto no gabinete francês, como dizia o sr. Júlio Ferry, é ao ensino particular que principalmente pertence tentar inovações e fazer progredir os métodos de educação. O Estado mal pode arriscar experiências, e veria, irremediavelmente elanguescer-se o seu ensino, se não o fecundassem as ousadias do ensino particular. Decerto que aprovo a liberdade de ensino assim entendida. Mas não necessitamos de a inscrever num Acto Adicional à Constituição; temo-la, como já disse, e apenas nos falta regulá-la na parte da instrução superior. Não será este ainda o sentido da liberdade de ensino, mas quererá exprimir-se assim a abstenção do Estado? Também há quem pugne por esta abstenção, que antes deverá chamar-se abdicação, quem sustente que o Estado não deve ensinar, que deve entregar, abandonar a instrução à iniciativa particular. Mas de duas uma: ou o país possui a1ento para, sem a cooperação do Estado, assentar e erigir todo o complicadíssimo edifício da instrução nacional, ou não. Eu escusava de dizer que nenhum país os possui e muito menos o nosso.» «E, se não bastam para as necessidades da instrução as energias particulares, não será contudo legítimo, apesar de necessário, o ensino do Estado? É decerto, porque o Estado não vale só para assegurar a ordem e garantir a justiça, o Estado é também um grande organismo, a maior associação nacional, e, como tal, tem de ser a maior força, que vá acudir à sociedade onde quer que ela acuse fraqueza. Liberdade de ensino que daria a liberdade a cada um, que a daria a alguns, mas não a todos, não é, está claro, para se legislar. Resta-nos a liberdade de ensino absoluta, ilimitada, o direito a quem quer de ensinar, não só sem autorização, que também rejeito, mas sem se autorizar por si, sem exames, sem títulos, talvez sem habilitações. Tal princípio, condeno-o abertamente. Há quem o defenda, a quem se afigure sagrado; mas será, porventura, de liberdade um princípio que pode conduzir à perversão da vontade, ao enervamento e extinção de todos os impulsos viris da alma? E pode. Entregue-se uma criança nas mãos do primeiro que se ofereça para a educar, dêem-lhe tempo – nem é preciso muito; e ele, cortando todas as relações dessa criança com o mundo real, com o mundo das impressões salutares, geradoras da verdade, cercando-a de um mundo factício – em vez de realidades, fórmulas –, impede-lhe as vivas sensações que constituem o aprendizado para todos os sentimentos, e ou lhe embota o espírito e a condena à indiferença, às sujeições, ou, ainda pior, educa-a para o erro, quer dizer, para o mal. Ora, o mal nunca deve ser o fruto da liberdade. Mas é o que a pleníssima liberdade de ensino produz.» 
 “Liberdade de Ensino”, in O Ensino, Coimbra, Typographia França Amado, 1898; tb. in Affirmações Publicas: 1882-1886, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888.

 • «Para bem compreender a necessidade de um Conselho Superior de Instrução, hão-de sentir-se vivamente as obrigações docentes do Estado. Por isso, em toda a parte, antes de se discutir propriamente o Conselho, se tem agitado, e a comissão no seu relatório a provoca, uma questão mais alta, esta questão prévia: deve haver uma instrução do Estado? A questão do Estado docente é uma espécie do problema genérico do Estado industrial, e, posto que seja a espécie mais grave, a solução geral pertence-lhe. Tem o conjunto dos membros de uma nação interesses, direitos colectivos? Não os possui próprios, mas assume-os. Na natureza somente o indivíduo é real: géneros, classes, ordens, são tudo puras generalizações abstractas. Mas a fraternidade no mundo moral cria verdadeiros organismos: um é o Estado. O Estado tem, pois, uma realidade, não natural, mas social. Se os homens se equivalessem, se entre eles não se deparassem misérias e sacrifícios, se todas as suas relações fossem de pura troca, podia haver cooperação, haver até mesmo reciprocidade; mas cada nação seria uma grande oficina e não uma mesma família, podia possuir solidez, mas não possuiria uma alma. Só onde há quem dê sem receber, se torna possível a vida social. É pela contribuição de cada um em benefício de todos, e benefício não só comum – geral –, que o Estado se forma. Falta a alguém a justiça? A sociedade soma toda a sua, e daí a judicatura. Falta em alguma parte uma indústria? Ela soma toda a que tem, e daí o fomento. Eis o Estado, eis a sua acção! Para esta acção só reconheço dois limites: um inferior, que é o que algum ou alguns indivíduos de per si podem; outro superior, que é o que nem todos juntos possam. A colectividade não deve empreender o que é para as forças parciais dos seus membros, nem o que não caiba nas suas. Em resumo, para mim a missão do estado consiste em completar, na medida das suas posses, os serviços nacionais. Perguntarei agora: deve o Estado ser pedagogo? Primeiro de tudo, há que indagar se a pedagogia é um verdadeiro serviço, se é necessária. Fundamentalmente! A educação na sociedade corresponde à hereditariedade na natureza. Como a herança vai fixando na espécie as multiformes variações dos indivíduos, assim o ensino acumula, em cada geração nova, o saber dos antepassados. O homem atravessou no período uterino as fases orgânicas da sua evolução natural, e vai percorrer no período escolar as sucessivas civilizações do progresso social. Daqui o carácter eminentemente maternal da escola: é nela que se opera a gestação do homem culto. Há muito já, com efeito, que se tornou impossível para o homem, entregue só a si, atingir na idade própria a cultura do seu tempo. Assente a necessidade da instrução, segue-se logo que a todos se impõe a obrigação de servi-la, inclusivamente ao Estado, se tanto for preciso. E é; não só no nosso país, mas em países muito mais prósperos. Na Inglaterra, aliás, tão descentralizadora, tem-se acentuado cada vez mais desde 1870 a administração oficial da instrução. O próprio governo central dos Estados Unidos, se não a administra, tem-na dotado generosamente […]»
 “Conselho Superior de Instrução Pública”, in O Ensino, Coimbra, Typographia França Amado, 1898; tb. in Affirmações Publicas: 1882-1886, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888. 



1 comentário:

paula disse...

Obrigada pelo carinho. Está sempre connosco, sempre!
beijinho
PL