quarta-feira, 12 de setembro de 2012



A reintegração de Bernardino Machado na Universidade de Coimbra


O Professor Doutor José d'Encarnação, no seu blogue  -  "NOTAS & COMENTÁRIOS"  -  clique aqui  - , faz interessantes considerações sobre a reintegração de Bernardino Machado como lente da Universidade de Coimbra, ao comentar o livro "No Centenário da República (1910-2010) - SANEAMENTO E REINTEGRAÇÃO", da autoria de Aurora Martins Madaleno. 


"Bernardino Machado

Sem dúvida singular, a história de Bernardino Machado (Rio de Janeiro, 28.3.1851 – Porto, 24.4.1944). Dinâmico político, serviu o Partido Regenerador durante a Monarquia, ocupou diversas pastas ministeriais na I República, tendo sido eleito, por dois períodos, presidente da República: de 6-8-1915 a 8-12-1917 e de 11-12-1925 a 31-5-1926. Exilaram-no as gentes do Estado Novo e foi oficialmente exonerado do lugar de catedrático de Filosofia Natural da Universidade de Coimbra, por despacho publicado a 27.4.1931.[1] Fiel aos princípios por que a revolução de 25 de Abril se norteara, a governação chamou a si esses processos de saneamento do Estado Novo, nomeadamente os de figuras de notável valor cívico e cultural que o regime saído do 28 de Maio de 1926 decidira aniquilar, por não se pautarem com as suas ideologias. Um dos processos revistos foi o de Bernardino Machado. Assim, por despacho de 4.10.1983, o Ministro da Educação José Augusto Seabra determinou, «ouvido o Reitor da Universidade de Coimbra», que Bernardino Machado fosse reintegrado, a título póstumo, «no lugar e com a situação que detinha no momento da sua exoneração», acto que se considerou «de elementar justiça», pois também ele prestara «à Pátria e ao Estado Português um contributo de alto relevo cívico, na luta pela liberdade e pela democracia» (p. 15).
Teve eco público essa reintegração, cujo elevado significado simbólico foi devidamente realçado, por exemplo, quer pela Câmara Municipal de Famalicão, que havia encetado diligências nesse sentido (veja-se local do Jornal de Notícias de 25-07-1983), quer pelo próprio Jornal de Notícias de 5-10-1983, que abre notícia, em grandes parangonas, na 1ª página. Curiosamente, porém, a nível universitário parece que não terá havido especial reacção, pois que nomeadamente as actas dos órgãos académicos tanto da Faculdade de Ciências como da de Letras de Coimbra dessa altura nada assinalam a esse propósito.[2] Permita-se-me que, a talhe de foice, teça dois comentários ao que foi escrito.
1º) Bernardino Machado procurou desenvolver, pioneiramente, a sericicultura, o fabrico de seda natural a partir da criação de bichos-da-seda, retomando uma política que já vinha do tempo do Marquês de Pombal, que apoiou, por exemplo, a criação da Real Fábrica das Sedas do Rato (Alvará de 6 de Agosto de 1757). Trata-se de uma actividade produtiva nem sempre tida em conta para a economia do País e que passou por muitos altos e baixos. Assim, no âmbito do interesse pela recuperação do património local, lançou a Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros, na década de 90, o programa «Os Caminhos da Seda», que incluiu o projecto do Centro Interpretativo do Real Filatório, destinado – com uma exposição sobre a história do complexo e da sericicultura na região, assim como do espólio recolhido nas intervenções arqueológicas realizadas no local – a servir de apoio na visita às ruínas do que fora o Real Filatório de Chacim, nascido no reinado de D. Maria I, por ser essa zona do País particularmente adequada à plantação de amoreiras. No Centro se previa o funcionamento do Núcleo de Estudos Sericícolas, «pólo de investigação sobre a história da sericicultura na região, com um centro de documentação e bibliografia».[3]
2º) Do percurso académico de Bernardino Machado se escreve, na pág. 8, que obteve «a lente de catedrático de Filosofia em 1879». Trata-se de um lapso de escrita ao correr da pena, porque a autora, noutro livro publicado pela mesma altura, ao explicar o que é um professor catedrático, escreve claramente: «É o chamado Lente da Universidade»;[4] contudo, se o refiro é não apenas para o explicitar mas também para, a esse propósito, lançar luz (outros já também o fizeram, é certo, e com muita pertinência) sobre a polémica gerada pela afirmação de Dilma Roussef, a 31 de Outubro de 2010: fora eleita… presidenta do Brasil, versão que, um tanto incompreensivelmente, também José Saramago apoiou! Na sua origem, como é sobejamente conhecido, a palavra lente significa «o que lê», como vidente é «o que vê» e presidente «o que preside». Trata-se de um particípio presente uniforme. Na verdade, voltando à palavra «lente», o professor da Universidade, seguindo a vetusta tradição medieval, lia perante os alunos o livro ou os apontamentos que redigira e os estudantes bebiam as suas palavras. O ensino era, predominantemente, oral. Desta tradição nasceriam as «sebentas», livros policopiados (e, mais tarde, impressos) que compendiavam as lições ministradas e que, na gíria, o estudante era convidado a «empinar». Lente era, pois, uma categoria a que, na actualidade, corresponde a de professor catedrático, o topo da carreira docente universitária.

[1] Cf. ROSA, Elzira Machado, «Bernardino Machado e a Universidade de Coimbra», Revista de História das Ideias, Coimbra, 12, 1990, p. 257-267, que, no entanto, apenas aborda "O pensamento pedagógico de Bernardino Machado" e "A sua função na Universidade" (agradeço ao Doutor Azevedo e Silva esta informação).
[2] Agradeço ao Doutor Carlos André e ao Dr. Júlio Ramos a gentileza de terem compulsado a documentação existente; e ao neto de Bernardino Machado, Manuel Sá Marques, a prontidão com que me fez chegar os recortes da sua colecção, que integram, aliás, o Museu Bernardino Machado de Famalicão e de que se faz eco no blogue que mantém sobre o seu avô: http://manuel-bernardinomachado.blogspot.pt/
[3] Veja-se, por exemplo, de Carla A. GONÇALVES, a reportagem «Real Filatório de Chacim: Nas ruínas de um grande complexo industrial», publicada, a 23 de Setembro de 2010, no jornal Mensageiro de Bragança.
[4] Aurora Martins MADALENO, «VilAdentro – Quem pergunta quer saber», Casa da Cultura António Bentes, São Brás de Alportel, Abril de 2012. ISBN: 978-989-95726-6-9, p. 65."


Sobre as duas reintegrações de Bernardino Machado como professor catedrático da Universidade de Coimbra já nos temos referido em anteriores blogues.

26 de Abril de 1907  -  É  concedida a Bernardino Machado a  exoneração do cargo de lente catedrático da Universidade de Coimbra, que solicitara no dia 16 de Abril, como consequência da greve académica de 1907.

5 de Novembro de 1919  -  Bernardino Machado é reintegrado como professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, durante a Presidência de António José de Almeida. Aposenta-se.

23 de Abril de 1931  -  É demitido de professor aposentado da Faculdade de Ciências de Coimbra.

5 de Outubro de  1982  -  É reintegrado  de Professor da Faculdade de Ciências de Coiombra.

Bernardino Machado, durante a ditadura de João Franco, e no desenrolar da greve académica de 1907, solicitou a exoneração do cargo de lente catedrático da Universidade de Coimbra.

Com o advento da República, desencadeia-se um movimento para a sua reintegração, de que os jornais da época dão notícia.
No Diário de Notícias de 14 de Outubro de 1910:   
"Noticia-se a reunião dos “Bacharéis Republicanos” ou dos Bacharéis que assinaram o manifesto republicano académico em Coimbra em 1906, quando estudantes em Coimbra assinaram o manifesto de protesto contra a expulsão do Parlamento dos Deputados Republicanos (Afonso Costa e Alexandre Braga) e que em 1907 mantiveram-se firmes na greve académica de solidariedade com os estudantes expulsos pelo foro universitário.
A reunião que decorreu num escritório de advogados em Lisboa sob a presidência de Antonio Cantola - advogado em Vila Nova de Fozcôa, “ e que era o presidente da assembleia geral académica permanente” quando da greve de 1907 -, e foi secretariada por Trindade Coelho e Maurício Costa, e nela “foi resolvido”:
1º - Reclamar do Ministério do Interior a imediata reintegração do lente de Filosofia Dr. Bernardino Machado e abolição do foro académico “como principio das reformas do Ensino Universitário, segundo as bases da sua representação ao Parlamento , apresentada em 1907”
2ª – “Lembrar ao mesmo Ministro, para o cargo de Director da Universidade de Coimbra, o nome ilustre do Sr. Dr. Sidónio Paes”
3ª – “Nomear para o estudo e organização e uma nova e progressiva associação os advogados, uma comissão dos bachareis assistentes que fica composta pelos Srs Drs Carlos Olavo, Maurício Costa, Trindade Coelho, campos Lima e Alberto Xavier. “

A reintegração só se virá a concretizar no início do mandato do Presidente António José de Almeida, a 5 de Novembro de 1919:

Logo após ser reintegrado Bernardino Machado pediu a sua aposentação.
Em Janeiro de 1924 António Sérgio, como Ministro da Instrução, convidou Bernardino Machado para Reitor da Universidade de Coimbra, cargo que não aceitou por entender que este lugar deve ser provido por eleição.

No início do Estado Novo, após a revolta da Madeira, Bernardino Machado é demitido de professor aposentado da Faculdade de Ciências de Coimbra, em 23 de Abril de 1931:









Bernardino Machado vem a ser novamente reintegrado no dia 5 de Outubro de 1982, durante as homenagens que lhe foram prestadas Vila Nova de Famalicão.









1 comentário:

Anónimo disse...

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