segunda-feira, 28 de maio de 2012




Para o Dr. João Esteves, com um abraço apertado e já saudoso!

Uma carta de Ana de Castro Osório


Minha Mãe casou em 22 de janeiro de 1912. A carta de Ana de Castro Osório é de resposta à que recebeu de minha Mãe em que participava o seu casamento. Ana de Castro Osório estava em S. Paulo, onde seu marido - Paulino de Oliveira - era o cônsul de Portugal (1911/1914)



Um apontamento de Bernardino Machado








São Paulo 25 1º 1912

Minha querida amiga

Ficará muito admirada quando eu lhe disser que recebi hoje, 25 de Janeiro, a sua muito prezada cartinha datada de 25 do passado, o dia da Família na nossa República Patriarcal?! Menos tempo do que esta carta levou o audaz açoriano, que aqui veio no seu barquinho à vila dar parte a D João VI que os franceses tinham sido expulsos de Portugal. Bem empregada coragem e bem empregado amor por tal mostrengo. Não acha? Mas para os brasileiros é o mais famoso e o mais sábio dos reis!... Para nós é dum cómico extraordinário esta opinião. Enfim … até os reis eram aqui em moeda fraca – grandes valores… nominais. Pois se eles ainda não descobriram republicano mais republicano do que o velho imperador, que querem trazer para cá como relíquia!...
Mas, deixemos os nossos irmãos, que aqui para nós, muito pouca sinceridade tem no seu aparente afecto pela nossa República, e vamos ao assunto da sua cartinha que muito me agradou, mas não me surpreendeu, fique sabendo!
Conhecemos o seu noivo, sim senhora! Então não se lembra que estava na Cruz Quebrada quando nós lá fomos? Pois estava, e escuso de dizer mais nada, pois onde há fogo...
Do coração lhes desejamos muitas felicidades; e com certeza que não podem ser infelizes sendo a minha amiga dotada duma tão consciente bondade e o seu companheiro escolhido pelo seu belo coração e pela amizade de seu irmão António, a quem nos liga uma grande simpatia, já porque foi a primeira pessoa que conhecemos em Coimbra, já porque é feminista… ou já atraiçoaram a nossa causa?
Fico muito contente com a notícia que me deu, porque vi que a minha amiga estava muito alegre, muito feliz ao enviar-ma; mas fiquei um nadinha despeitada, porque estava com a esperança de que acompanhava seu Pai.
Quem vem com ele? Nenhuma das suas manas? Nenhum dos seus irmãos? A Joaquina devia vir para ver se fazia esta gente… republicana. Estou ansiosa porque chegue a notícia da vinda, para irmos logo ao Rio vê-los. Não imagina como aqui se tem saudades dos amigos, numa terra onde se encontram tão poucos! No Rio parece que não é tanto assim, mas este S. Paulo é duma frieza que gela! Bem se vê que estão a 700 metros acima do nível do mar…Até os portugueses que vêm para cá amuam e tornam-se uns verdadeiros ursos. Depois, como isto foi terra fundada pelos jesuítas, eles julgam-se no dever de elogiarem sempre esses bichos, que deixam por aqui à solta, como onças domesticadas, e o beatério triunfa. Até agora vão construir uma catedral! – nesta hora da civilização uma catedral!... – para a qual há por aí figurãozinho que dá 200 contos!... É verdade que esta Notre dame é de tijolo e cimento armado, o que dá a perceber que a fé deles é mais de vista do que de outra causa. . Mas em todo o caso a fradalhada triunfa e nós que nos vimos livres deles aí graças à revolução aqui os viemos encontrar de sandálias e cordão , com uns ares fartos de traças da sociedade.
A minha Amiga diz que há muito lhe não escrevo; mas eu não recebi nunca carta sua! Escreveu? Como escrevi umas poucas de cartas e a minha Amiga não me disse que as tinha recebido supus que se tivessem desencaminhado.
Por este correio lhe envio uma lembrança de São Paulo, que é a única coisa que poderei mandar com segurança pelo correio, pois aqui é terrível, não escapa nada! Imagine que mandámos vir um retrato do Manuel de Arriaga para estar no consulado no dia 5 de Outubro e aparece agora, pedindo de direitos…- quanto lhe parece? Não advinha? Trinta e tantos mil reis!... É uma gente extravagante. É tudo assim! Por mais que digam, é ainda um país em formação e por isso cheio de disparates e anomalias.
Temos passado regularmente de saúde, eu ainda não senti calor, porque aqui na cidade há apenas algumas horas de calor, quando há. Refresca logo e chove quase todos dias. O Paulino gosta muito assim. Eu gostava de mais de um temperozinho de calor, mas como há muitas flores, assim mesmo vou estando satisfeita.
Adeus minha querida Amiga! Mais uma vez muitos parabéns nossos a ambos V. Ex. cias… Saudades a todos os seus e agora não deixe de me dar de quando em quando as suas notícias. Não se esqueça de me dizer quem acompanha seu Pai. Sua mamã com certeza não pode vir por causa dos pequeninos. Mas eles aqui (mas é em S. Paulo) com certeza se davam bem, pois o nosso Géca está famoso com estes ares, alto e gordo.
                   Creia-me com o maior afecto
                    sua muito dedicada
                          ACOsorio





1 comentário:

Anónimo disse...

Fantástica carta!
bjs Rita