terça-feira, 24 de abril de 2012





Bernardino Machado quando professor de Antropologia, acompanhado pelo decano da Faculdade de Filosofia Natural, António dos Santos Viegas, e os alunos do curso de 1896-1897



Do blogue - "Correio da Educação" - clicar aqui - transcrevemos, com a devida vénia,  o seguinte texto:

MACHADO Guimarães, BERNARDINO Luís1 – No ano do Centenário da
República
Rio de Janeiro, Brasil, 28/03/1851 – Porto, 29/04/1944
Filho de António Luís Machado Guimarães, 1.º barão de Joane, e de Praxedes de Sousa Ribeiro Guimarães, Bernardino Machado passou parte da infância e juventude em Lisboa e no Porto, matriculando-se em 1866 na Universidade deCoimbra. Depois de ter cursado Matemática, acabou por se formar em Filosofia(designação que, na altura, incluía a área das Ciências), com teses de licenciatura (1875) e de doutoramento (1876) que, desde logo, o projectaram como um espírito brilhante". Iniciando funções docentes, e apesar da sua intensa actividade política, manteve-se ligado à Universidade de Coimbra até 1907, data em que se demitiu na sequência da "greve académica" e em oposição à ditadura de João Franco. E, na verdade, são estes trinta anos da sua vida que nos interessa aqui assinalar, pois eles marcam o período mais importante da sua intervenção e da sua escrita em torno de assuntos educativos. É certo que Bernardino Machado não deixou nunca de se preocupar com o ensino e a educação, mas, depois desta data, teve de se dedicar prioritariamente a outros temas. Na introdução aos Manifestos Políticos (1927-1940), escreve A. H. de Oliveira Marques: "Bernardino Machado foi uma das personalidades mais marcantes da vida portuguesa durante perto de setenta anos. Membro da famosa geração de 1870, colega, companheiro ou amigo de figuras-chave da intelligentzia nacional, superou-as a todas pela projecção política, demorada e influente, que conseguiu alcançar. Conselheiro e ministro de Estado, deputado, par do Reino, senador, representante diplomático, duas vezes chefe do Governo, duas vezes Presidente da República, grão-mestre da Maçonaria, pode dizer-se que ascendeu a todas as honras e ocupou os lugares de maior responsabilidade que a um cidadão é lícito atingir. Mas esta acumulação de posições políticas tem feito, em geral, esquecer o homem de cultura, o cientista, o pedagogo, o estilista, de menor impacto, sem dúvida, na vida nacional do que o político, mas mesmo assim digno de emparceirar com os grandes nomes da sua geração" (1978, p. 5). É um olhar, necessariamente parcelar, sobre a acção e o pensamento educativo de Bernardino Machado que nos interessa considerar nesta biografia. Para além do trabalho central de Rogério Fernandes (1985), há ainda apontamentos interessantes em Vasco Pulido Valente (1974), Elzira Machado Rosa (1989, 1991, 1996) e Fernando Hernâni Bento (2000), para além dp trabalho de Jorge Ramos do Ó (2000).

____________________________________________________________

1 «MACHADO Guimarães, BERNARDINO Luís», in António Nóvoa (dir.), Dicionário de Educadores Portugueses, Porto, Edições Asa, 2003, pp. 670-671, com adaptações.

_

É a partir destes contributos que deixaremos um registo de Bernardino Machado, dividido em quatro entradas principais.

"Fazer o operário e ao mesmo tempo o homem e o cidadão, tal deve ser a divisa da educação nacional."A primeira fase da intervenção pública de Bernardino Machado, passados os tempos de estudante e os primeiros anos de lente universitário, data de 1882. No ano seguinte, na cidade do Porto, define a sua "fórmula" para resolver os problemas do país passado, do país presente e do país futuro: a instrução. E afirma que urge começar esta obra patriótica o mais cedo possível: "Fazer o operário e ao mesmo tempo o homem e o cidadão, tal deve ser a divisa da educação nacional" (1883, p. 13). Na verdade, como bem explica Vasco Pulido Valente, "poucos homens públicos do século XIX atribuem tanta importância à instrução pública como Bernardino Machado" (1974, p. 115). Ele atribui à instrução a possibilidade de reconstruir uma identidade histórica do país passado, que sirva de elemento de consolidação de uma nação abalada por acontecimentos tão marcantes como o Ultimato de 1890: "Como é que a República francesa se levanta do grande desastre de Sedan? Sangrando ainda, faz todos os sacrifícios para o fortalecimento do ensino. [Em Portugal], já em 1890, para obedecer à opinião excitada, se criou o Ministério da Instrução Pública, como que em desforço ao repto do ultimatum inglês" (1904, pp. 19 e 22). Mas a educação é também a única aposta que pode salvar o país presente: "Saber é poder; por isso são fortes as nações instruídas. A ignorância, eis a causa de todas as misérias: dosembaraços financeiros, da penúria económica, do amolecimento de costumes. [...] Toda a nação doente é ver que é uma nação ignorante; e não existe terapêutica eficaz, que não disfarce apenas a moléstia, que a cure de raiz, nenhuma senão a instrução" (1898, pp. 259-260). Para Bernardino Machado a regeneração é sinónimo de instrução e, por isso, considera que só de um programa de educação nacional pode nascer o país futuro. Em 1897, Bernardino Machado é o primeiro signatário de um importante Manifesto no qual se escreve que "se a extinção do deficit económico representa uma questão de honra perante os credores, a do deficit intelectual representa uma questão de honra perante o mundo civilizado" (cf. Educação Nacional, n.º 50, 12 de Setembro de 1897). Ora, o desígnio que deve mobilizar toda a nação é a superação do deficit intelectual, promovendo a educação e a qualificação dos Portugueses: é esta a única alavanca que nos pode colocar a par das nações civilizadas. Bernardino Machado "representa em todas as suas qualidades e em todos os seus defeitos o tipo do educador liberal, que nele acha a sua mais alta expressão" (Valente, 1974, p. 155). É nesta perspectiva que se situa toda a sua intervenção nas décadas finais do século XIX: no Parlamento, discursando em torno dos assuntos educativos e apresentando propostas de reforma; na vida política, reclamando a criação de um Ministério da Instrução Pública que a sua geração considera essencial para que os assuntos educativos sejam devidamente valorizados; junto do professorado primário, animando os congressos pedagógicos de 1892 e de 1897 e apoiando as reivindicações de umcorpo em vias de profissionalização; no movimento associativo, desenvolvendo uma actividade que o leva a estar na primeira linha da Academia de Estudos Livres, dos primórdios das universidades populares e de inúmeras outras iniciativas; etc. É o próprio Bernardino Machado que assim traça o perfil da sua intervenção: "Observarei que uma causa entre todas me preocupou sempre, quando mesmo me não ocupava: a causa do ensino" (1888, p vi).

Reforma do ensino secundário: "Aprender a dispensar o mestre". No ponto anterior não mencionámos as questões do ensino secundário. Elas necessitam de uma análise mais cuidada, a partir da investigação realizada porJorge Ramos do Ó. Os parágrafos que se seguem são uma adaptação livre das páginas que este autor consagra a Bernardino Machado na sua tese O governo de si mesmo. Nas décadas de 1880 e de 1890, Bernardino Machado faz duras críticas ao "estado da instrução secundária entre nós", título de texto que publica em 1882, no qual assinala a ausência de disciplinas capazes de proporcionar uma especialização profissional, ataca o dogmatismo dos métodos, denuncia a memorização excessiva e a completa ausência de treino moral dos alunos dos liceus portugueses. À semelhança do que intentara Garrett, cerca de sessenta anos antes, todo o seu discurso é dirigido pela vontade de construir um modelo alternativo a um ensino baseado num elenco de disciplinas independentes. O sistema em vigor - e referia-se em concreto às reformas de 1886 e 1888 - tinha, no seu entender, dois males, "graves" e "irreparáveis": por um lado, ofendia "a gradação do trabalho" e sacrificava "o crescimento normal do aluno"; por outro, não conseguia coordenar os estudos. O incontornável de Bernardino Machado era o de que o curso dos liceus se desenrolasse "numa série conjugada, termo a termo, com o desenvolvimento do aluno: eis o que se chama gradação". E de todas as maneiras em que se podia distribuir o trabalho dos educandos, a "única boa seria a de proporcioná-lo à idade". A graduação do curso secundário por anos seria consequentemente um requisito essencial do trabalho escolar. Por esta via, Bernardino Machado chegaria, inevitavelmente, ao conceito de classe. Para ele, a questão central era a da eficaz gestão do colectivo. Havia que encontrar "um ponto" à volta do qual "todos os alunos oscilassem", posto que essa intersecção é que determinaria e precisaria a "intensidade do ensino colectivo" e a "graduação da aula toda". O trabalho do professor deveria passar a ser reconhecido como um trabalho de construção social da unidade, actuando de preferência sobre a vocação do aluno, no quadro de uma acção de governo da classe colectiva. Era aí que, de facto, se poderia romper com a tradição de franca desagregação queentão caracterizava o ensino liceal. Alguns anos mais tarde, Bernardino Machado terá importantes intervenções a propósito da reforma de Jaime Moniz (1894-1895), que cria, de facto, o "liceu moderno". No primeiro comentário que tece sobre a reforma da educação secundária começa por afirmar que se tratava politicamente da "obra reaccionária" de um governo que fazia "da sua fé pedagógica um dogma" e a ninguém consentia "a liberdade de acção". É claro que a questão do ensino clássico versus ensino moderno lhe prendeu a atenção, e o fez descer, também a ele, à discussão das "cotas semanais médias" da instrução científica e literária. Mas essa esteve longe de ser a sua preocupação maior. Indo direito à doutrina da reforma, logo afirma que o legislador havia confundido "instrução com ensino", coroando o professor em vez do aluno. E explicava-se: "o ensino, seja qual for, não tem por fim, como inculcam relatório e regulamento desenvolver o espírito do aluno, mas sim ampará-lo e dirigir-lhe o trabalho pessoal de desenvolvimento". O ponto era o de que o aluno teria de se desenvolver "por si próprio, pelo seu esforço". Foi a partir desta tese nuclear que se veio a desenvolver toda a sua argumentação. Para Bernardino Machado, o processo de ensino corresponderia com efeito a "aprender a dispensar o mestre" (1899, p. 321). A autonomia pessoal, defendida como fim último da escola secundária, corresponderia portanto a um trabalho que incentivasse a iniciativa e a independência próprias de cada idade. A grande pergunta que o republicano Bernardino Machado agora queria recolocar era sem dúvida esta: "sem liberdade, como haverá moral?". Na realidade própria do liceu, a resposta encontrava-se no trabalho. Nestes termos a sua crítica dirigia-se para a ausência da dimensão experimental. Em sua opinião, ficava inteiramente de fora o desenvolvimento das competências que facultavam a possibilidade do trabalhador moderno exercer o seu "império" sobre "a natureza". Não existia nas leis de 1894-1895 uma "instrução prática" digna desse nome. Num ensino que efectivamente se reclamasse moderno, o educando não poderia mais continuar a ser tratado como possuindo uma inteligência que servia apenas para elaborar, assimilar e reproduzir organicamente a lição do mestre: "O novo programa da instrução pública" só se tornaria completo quando deixasse de omitir a "higiene", "os exercícios físicos", os "trabalhos manuais", o "canto" e a "instrução moral e cívica" (1899, pp. 299 e 310).

"Uma Universidade deve ser escola de tudo, mas sobretudo de
liberdade." Como não podia deixar de ser, o ensino universitário também
mereceu a atenção e a crítica de Bernardino Machado. São vários os momentos
em que interveio sobre esta questão, tanto no Parlamento como na Academia.
Duas ocasiões assinalam, simbolicamente, o seu pensamento sobre a Universidade: a Oração de sapiência recitada na sala dos actos grandes da Universidade de Coimbra, no dia 16 de Outubro de 1885; e a Oração inaugural do ano lectivo de 1904-1905, recitada na sala grande dos actos da Universidade de Coimbra, no dia 16 de Outubro de 1904. Separadas por quase vinte anos, estas duas "orações" situam-se no início e no fim da fase principal de intervenção de Bernardino Machado no debate educativo. E, no entanto, é evidente uma mesma linha de preocupação e de análise. Em 1885, começa por assinalar, a propósito da reforma pombalina, "de que só o saber domina, de que só ele governa soberanamente o mundo": "Mas, se a ciência, meus Senhores, é uma religião, são templos as escolas, e aos seus mestres e alunos, mais do que a ninguém, cabe velar cuidadosamente por ela; a todos, e muito principalmente aos que temos a honra de pertencer a um instituto de alto ensino" (1902, p. 75). Mas, pergunta Bernardino Machado, "será missão excessiva para as forças da nossa instrução superior?" E adverte: "o saber não se improvisa; para o alcançar faz-se necessário trabalhar arduamente, sofrer" (1902, p. 75). Bernardino Machado adere a duas ideias principais: por um lado, a vontade de ligar a produção e o ensino do saber, aproximando-se assim do modelo humboldtiano de Universidade; por outro lado, a necessidade de não administrar apenas o ensino e de exercer uma "tutela sobre os moços". Estes princípios voltam a estar presentes na oração de 1904. Mas, desta vez, a crítica é muito mas contundente e o seu discurso sobre A Universidade e a Nação será um dos textos mais citados ao longo do século XX. As primeiras palavras dão o mote: "A tristeza que sinto, quando penso no nosso ensino!" (1904, p. 3). E, depois, parte Bernardino Machado para uma crítica ao ensino, em geral, e ao ensino universitário, em particular. Ele acredita, como ninguém, na força da escola - "Desde a escola se fazem monarquias ou repúblicas, erguem-se ou aluem-se impérios" (1904, p. 5) - e, por isso, acredita que só a "educação liberal" poderá transformar este "apoucado Portugal de hoje no grande Portugal de amanhã, digno herdeiro e continuador do heróico Portugal de outrora" (1904, p. 5). Bernardino Machado diz que "uma Universidade deve ser escola de tudo, mas sobretudo de liberdade" (1904, p. 5). E parte desta ideia para dar uma lição sobre as questões da liberdade e da disciplina, argumentando teses que já havia defendido para o ensino secundário: "Como todo o bom governo, o bom professor disciplina, mas não paralisa as vontades, não escraviza, emancipa" (1904, p. 6). Defendendo que a Universidade deve ser "um laboratório, uma oficina-modelo" (1904, p. 8), traça um diagnóstico crítico da situação existente e bate-se por um conhecimento efectivo, concreto e positivo da nossa realidade: "E quanto nos falta o conhecimento do que é nosso, desde o solo até às almas!" (1904, p. 8). A Universidade sonhada por Bernardino Machado teria uma ampla autonomia, baseando-se em práticas associativas e no "amor à ciência", numa ligação à arte e à indústria e na defesa das liberdades.

"A parte da política que trata do governo dos estudos é a pedagogia." Na sua obra, Bernardino Machado desenvolve uma reflexão pedagógica que, de algum modo, procura trazer para Portugal análises e estudos que vinham sendo feitos no estrangeiro. Em 1900, no seu Curso de Pedagogia dirá: "Se todo o ensino é necessário e importante, não pode deixar de o ser também o do próprio ensino. As nações estrangeiras há muito que prestam todo o cuidado a este ensino, que é parte da pedagogia, a qual, como dissemos, se ocupa da educação e do ensino" (1900, p. 7). Na sequência desta afirmação, revela um bom conhecimento dos estudos pedagógicos no estrangeiro, desde as cátedras de "ciência da educação" em Paris (Marion, Buisson, etc.) até aos trabalhos ingleses de Bain e Spencer, passando por referências aos Estados Unidos da América, a Espanha e a vários outros países. Em 1892, Bernardino Machado preside à delegação portuguesa ao Congresso Pedagógico Hispano-Português-Americano de Madrid, apresentando uma tese intitulada Introdução à Pedagogia. Neste trabalho, explicita o seu pensamento sobre as questões da liberdade e da disciplina, anunciando as teses que viriam a dominar a pedagogia no início do século XX: "Há infelizmente mestres cujo ideal é ter os discípulos submissos, quietinhos, calados, sem nunca se rirem.Imaginem que suplício para a gente moça, ávida de discussão, de movimento. O que vale é que este regímen não dá as mais das vezes pior resultado do que a tortura dos que o empregam. O movimento descongestiona o cérebro, pacifica os sentidos e a imaginação, e, auxiliando o crescimento, prepara uma virilidade sadia e prestante" (1892, p. 20). Discutindo as questões da autonomia e da liberdade, do trabalho e do esforço, da inteligência e da sensibilidade, Bernardino Machado tem uma passagem que faz lembrar a célebre história da escola e do diabo contada por Ferrière no seu prólogo à obra-símbolo da Educação Nova, Transformemos a escola, publicada depois da I Grande Guerra. Tal como Ferrière, 25 anos mais tarde, também Bernardino Machado sugere: "Levem as crianças ao campo, deixem-nas correr, saltar, trepar às árvores, deixem-nas encher-se de ar puro e de impressões novas, deixem-nas ver e falar, pensar; e elas mesmas virão com igual animação procurar o professor para que lhes explique o que viram e lhes resolva as suas questões. Não as façam acrobatas, mas tão pouco as tornem inertes. Há uma petulância juvenil, que se não deve reprimir, porque significa força de vida" (1892, p. 20). Este Congresso é muito importante, pois Bernardino Machado conseguiu reunir à sua volta uma delegação na qual estavam presentes os vultos essenciais da pedagogia portuguesa da época, bem como um conjunto de professores que apresentaram comunicações muito interessantes. No total, estamos perante um acervo de 118 comunicações, em grande parte publicadas (e a maioria das restantes acessíveis em arquivos), apresentadas por mais de cem autores (entre os quais, onze mulheres, o que, para a época, tinha algumsignificado), que constitui uma excelente mostra da pedagogia portuguesa do final do século XIX (1898, pp. 273-294). Estes trabalhos serão aproveitados porBernardino Machado em diversas ocasiões, nomeadamente para o seu Curso de Pedagogia na Universidade de Coimbra, em 1900. A intenção deste Curso é replicar o que vinha sendo feito em muitas Universidades europeias e americanas, com "cursos livres" de Pedagogia ou cátedras de Ciência da Educação. Ferreira Deusdado tinha orientado uma destas iniciativas no Curso Superior de Letras, a partir de 1889, mas foi efémera a sua duração (cf. Deus dado, 1909, pp. 494-497).
Bernardino Machado retomava a ideia em Coimbra, dando algumas lições que
publicou nesse mesmo ano de 1900. Começa por explicar que "todos falam de
ensino, vários o professam, mas poucos sabem o que é", afirmando que tal não o admira, "porque entre nós ensinam-se já muitas coisas, mas ainda mal se ensina a ensinar" (1900, p. 3). "A parte da política que trata do governo dos estudos, é a pedagogia", acrescenta antes de defender uma formação especializada, pedindo que "não se exagere o princípio de que se aprende, ensinando!" (1900, p. 9).
Retomando alguns dos aspectos centrais do discurso pedagógico em voga no
estrangeiro, insiste em dois pontos: por um lado, que "não basta ser físico ou
geólogo para ensinar", chamando assim a atenção para um saber e um ethos
próprio da profissão docente; por outro lado, que "o ensino é parte da política, e não se pode ser conjuntamente mau cidadão e bom professor" (1900, p. 11). São estas duas dimensões - a dimensão especializada de um saber pedagógico construído com base em categorias das novas ciências psicológicas e a dimensão de uma intervenção pedagógica que deve estruturar-se numa forte ideia moral de cidadania - que suscitam o interesse de Bernardino Machado. Quem percorrer as páginas do famoso Dictionnaire de Pédagogie et d'Instruction Primaire, dirigido por Ferdinand Buisson (a primeira edição, em quatro tomos, iniciou-se em 1882; a segunda, num único volume, data de 1911), percebe facilmente as semelhanças no modo de abordar os assuntos pedagógicos. Estamos perante a emergência de um novo "corpo de saberes", a pedagogia, que procurará a sua especificidade como uma teoria prática, para recordarmos as palavras de Émile Durkheim na edição de 1911 do Dictionnaire.
Esta biografia de Bernardino Machado deixa de fora muitos aspectos da sua vida e da sua obra. Atente-se, por exemplo, nos aspectos relacionados com a educação da mulher, bem estudados por Elzira Machado Rosa (1996), ou nas temáticas do ensino profissional, sobre as quais escreveu Rogério Fernandes um importante capítulo (1985, pp. 75-116), ou ainda a sua actividade mais directamente política durante a República e na luta contra o regime nacionalista. Mas as páginas anteriores permitem assinalar a importância deste homem na viragem do século XIX para o século XX e na consolidação de um credo sobre a importância da educação e do ensino no passado-presente-futuro do país: "Em tudo, eu identifico, no meu pensamento e no meu coração, a imagem da escola com a imagem da pátria, em tudo, nas minhas tristezas pelos seus reveses e decadência, como na minha inextinguível confiança no seu ressurgimento" (1904, p. 19).

Bibliografia

O estado da instrução secundária entre nós, Coimbra, 1882.
Alocução e discurso proferidos na cidade do Porto no dia 9 de Julho de 1883, Coimbra, 1883.
Necessidade de um Ministério da Instrução Pública: discurso proferido na Câmara dos senhores deputados na sessão de 15 de Março de 1886, Lisboa, 1886.
Afirmações públicas (1882-1886), Coimbra, 1888.
Instrução Pública: discurso parlamentar proferido a 16 de Julho de 1890, Lisboa, 1890.
A conservação do Ministério da Instrução: discurso parlamentar, Lisboa, 1892.
Introdução à pedagogia, Lisboa, 1892.
A crise política e financeira e o ensino, Lisboa, 1893.
Afirmações públicas (1888-1893), Coimbra, 1896.
A socialização do ensino, Coimbra, 1897.
Notas de um pai, Coimbra, 1901. O ensino, Coimbra, 1898.
O ensino primário e secundário, Coimbra, 1899.
A educação (Notas de um pai), Coimbra, 1899.
O ensino profissional, Coimbra, 1900.
Curso de pedagogia, Coimbra, 1900.
Notas de um pai (As crianças), Coimbra, 1901.
Homenagens, Coimbra, 1902.
Conferências políticas, Coimbra, 1904.
A Universidade e a Nação: oração inaugural do ano lectivo de 1904-1905, Coimbra, 1904. As crianças (Notas de um pai), Coimbra, 1904.
A Universidade de Coimbra, Lisboa, 1905.
A academia de Coimbra, Coimbra, 1906.
Contribuições para o ensino da História nos liceus, Lisboa, 1917.
Carta aos estudantes republicanos da Faculdade de Direito de Lisboa, Bayonne, texto policopiado, 1930.
Manifestos Políticos (1927-1940) (coord. de A. H. Oliveira Marques), Lisboa, 1978.
Boletim da Escola Livre.
Educação Nacional.
A Educação Popular.
O Ensino.
A Escola.
O Instituto. Revista de Educação e Ensino.
Revista Pedagógica.

 
 

Sem comentários: