Guerra Civil de Espanha 1936-1939
BERNARDINO MACHADO E AFONSO COSTA
Mónaco - 1937
Do portal da Fundação Mário Soares - clicar aqui
Documentos Bernardino Machado e Afonso Costa
O eclodir da Guerra Civil de Espanha constituiu uma preocupação acrescida para a oposição republicana no exílio. O apoio, ainda que não oficial, do governo de Salazar às forças de Franco, representava uma nova ameaça ao sonho do restabelecimento do regime democrático em Portugal.
A vitória da República em Espanha tinha causado regozijo no seio da oposição à ditadura, nomeadamente no campo republicano, que acalentou o projecto de receber apoio do governo espanhol para a organização revolucionária. Todavia, a divisão entre as diferentes facções políticas e ideológicas dos opositores à ditadura, quer no exílio, quer em Portugal, não permitiu o estabelecimento de uma união que pudesse alcançar a força necessária para qualquer movimento revolucionário bem sucedido.
Durante os primeiros meses da Guerra Civil de Espanha, os exilados republicanos em Paris, juntamente com Bernardino Machado, que se estabeleceu no Mónaco em Janeiro de 1937 (depois de uma breve estadia em Valência, para onde se tinha mudado em Setembro do ano anterior, abandonando Madrid, devido à instabilidade causada pelo início da guerra), concertaram novos esforços para relançar um movimento revolucionário, por um lado, tentando obter recursos financeiros e, por outro, tentando unir os diferentes agrupamentos políticos, para o que formaram, em Paris, um “Comité de Acção”, tendo em vista a criação da Frente Popular Portuguesa.
Neste contexto, entre 1936 e 1937, Afonso Costa e José Domingues dos Santos, com o apoio de Bernardino Machado, procuram obter um empréstimo do governo espanhol destinado a financiar a propaganda contra a ditadura e lançar um movimento revolucionário. O empréstimo, além de necessário em termos materiais, visava ainda incentivar à união muitos anti-fascistas que até então permaneciam duvidosos quanto ao sucesso de uma revolução. Paralelamente às negociações junto do embaixador do espanhol em Paris, Luís Araquistain, para a obtenção do referido empréstimo, as atenções concentraram-se no redobrar da campanha de propaganda contra a ditadura em Portugal e de apoio à Espanha republicana.
Em Janeiro de 1937, Bernardino Machado lançou o manifesto à nação "Pela independência e pela integridade de Portugal"[1], no qual além de analisar a situação da Ditadura em Portugal e as suas relações com o exército, deu particular atenção à conjuntura política suscitada pela Guerra Civil em Espanha, denunciando a solidariedade do governo de Salazar com os revoltosos liderados por Franco, colocando especial ênfase na questão do iberismo, ao afirmar que “a união da reacção que hoje governa em Portugal com a que pretende governar amanhã em Espanha é a ameaça do ressurgimento da União Ibérica”, e que “servir os inimigos da nova Espanha livre é servir os inimigos seculares do Portugal restaurado”. Bernardino Machado chamava ainda a atenção para o lugar de Portugal no quadro das restantes nações europeias, criticando as relações entre o governo português ditatorial e os governos da Alemanha e Itália, em detrimento da tradicional aliança com a Inglaterra, e reavivando a questão das ambições alemãs sobre as colónias portuguesas.
Em Paris, numa reunião convocada por Afonso Costa e Domingues dos Santos, à qual assistiram também os exilados Álvaro Poppe, Agatão Lança e Lago Cerqueira, entre outros, foi decidido mandar traduzir para espanhol o manifesto de Bernardino Machado e ainda encetar esforços para a sua ampla divulgação em Portugal, nos meios civis e militares[2]. Por seu turno, Afonso e José Domingues dos Santos subscreveram o manifesto intitulado “Apelo a todos os liberais e anti-fascistas”[3], abrindo-o com a afirmação de que a situação portuguesa se tornara “trágica e perigosa no domínio internacional”, desde que o governo ditatorial tomara posição “ao lado dos rebeldes” na guerra de Espanha. Afonso Costa e Domingues dos Santos corroboravam as afirmações contidas no manifesto de Bernardino Machado, e anunciaram a constituição do “Comité de Acção”, com o objectivo de incentivar à união de esforços para o restabelecimento das liberdades públicas, defesa da independência nacional e da integridade do domínio colonial.
Exemplares do manifesto de Bernardino Machado e do apelo do Comité de Acção foram confiados a Roberto Queirós que, enviado em missão a Portugal, foi incumbido de os fazer distribuir e ainda de estabelecer contactos com alguns dos principais representantes dos diversos grupos de oposição ao Estado Novo.
Todavia, o resultado destas diligências foi reduzido. A missão clandestina de Roberto Queirós a Portugal não deu os resultados esperados. Em relatório elaborado no início de Abril de 1937, e dirigido a Afonso Costa e Domingues dos Santos, Roberto Queirós deixou claro que era difícil obter o apoio de grande parte dos adversários da ditadura, afirmando ainda que constara que seria inviável qualquer projecto de revolução sem o apoio do Exército, algo que se afigurava difícil já que o único militar republicano que poderia congregar em torno de si os vários sectores do Exército era Ribeiro de Carvalho, e este não mostrava empenho em assumir a chefia militar de uma revolução[4].
O empréstimo solicitado ao governo espanhol deparou com a divergência de opiniões no seio dos membros do governo de Espanha, de que resultou a comunicação ao Comité de Acção, através do embaixador espanhol em Paris, da inviabilidade da operação. Por outro lado, a união das várias correntes políticas de oposição à Ditadura enfrentou resistências, que não permitiram a concretização do plano, no qual Afonso Costa e Domingues dos Santos tanto se tinham empenhado[5].
A morte de Afonso Costa, no princípio de Maio de 1937, deixou o projecto de união dos militantes anti-fascistas praticamente sem prossecução. Bernardino Machado e José Domingues dos Santos prosseguiram a sua actividade de propaganda contra a Ditadura de Portugal e em favor da república espanhola, embora sem grande impacto. Pouco depois, Bernardino Machado transferiu a sua residência do Mónaco para Paris, substituindo Afonso Costa no Comité ali formado.
No fim do Verão de 1937, Bernardino Machado dirigiu-se a Juan Negrin, Presidente da Assembleia da Sociedade das Nações, protestando contra a atitude da Ditadura de se aliar com os governos alemão e italiano no Comité de não intervenção na guerra civil de Espanha e reafirmando o respeito pelo que consideram serem as instituições legais espanholas[6]. Por ocasião do aniversário do 5 de Outubro, voltou a criticar a Ditadura e o seu apoio às forças de Franco em Espanha: “E como, enfeudada a ditadura aos imperalismos estrangeiros – já secunda em Espanha os representantes do velho imperalismo castelhano , «cuja vitória de todo o coração deseja» - nos defenderá dos pontentes tentáculos dos cobiçosos assaltos ao nosso património metropolitano e ultramarino?” [7]. E, no início do ano seguinte, dirigindo-se a todos os defensores da democracia em Portugal, voltou a insistir no apelo ao derrube da Ditadura, em nome do Comité de Paris da Frente Popular Portuguesa[8].
--------------------------------------------------------------------------------[1] 07218.128; Versão impressa do manifesto – doc. Cedido por Sá Marques (07034.152); outra impressão diferente – 07034.151
[2] carta de AC p/ BM, 21-1-37 – 07219.134
[3] de 25-1-1937, doc. 07219.047
[4] Relatório de Roberto Queirós, 3-4-1937, doc. 07219.068.
[5] Relatório relativo ao empréstimo solicitado ao governo espanhol e de balanço da actividade do Comité de Acção, 4-5-1937, doc. 07219.073
[6] Manifesto “Mensagem à Sociedade das Nações” - doc. 07034.153
[7] Manifesto de Bernardino Machado intitulado "O 5 de Outubro de 1937" – doc. 07034.149
[8] Manifesto de Bernardino Machado intitulado "1 de Janeiro de 1938. Saudação à democracia portuguesa" – doc. 07034.148.
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