sábado, 16 de julho de 2011





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"Rostos magnificamente enquadrados por chapéus”

"São os chapéus que saúdam os gloriosos revolucionários do 5 de Outubro"
O ciclo de conferências "Um chapéu pode cobrir muitas ideias..." trouxe a S. João da Madeira a historiadora e fundadora do Centro Português de Fotografia. Teresa Siza falou sobre chapéus e fotografia no período da primeira república.
Inicialmente, definiu os anos entre 1910 e 1926 como um “tempo intervalar” quando “a fotoreportagem deu início à cena fotográfica em Portugal”. De acordo com Teresa Siza “sobram-nos documentos visuais desse período” nos quais os republicanos “são sempre uns senhores cinzentos ou a preto e branco, muito enchapelados e muito bem vestidos”. O chapéu marca presença em representações de greves, da classe operária, dos revolucionários, em transporte de presos, em homenagens e receções a políticos importantes. Este período está documentado, sobretudo, pelas obras de Aurélio Paz dos Reis e Joshua Benoliel que “era monárquico, mas um grande fotógrafo”. Já Aurélio Paz dos Reis, “um republicano de coração”, foi descrito por Teresa Siza como o fotógrafo “que mergulha na multidão e assume as limitações próprias da fotografia e isso faz a emoção da própria fotografia”.
Da altura em que “as revistas não creditavam os seus fotógrafos” restam fotografias de “rostos magnificamente enquadrados por chapéus”, explicou Teresa Siza. A estudiosa garante que foi o florescer da imprensa ilustrada bem como o precipitar dos acontecimentos que conduziram a um “enorme desenvolvimento da fotografia em Portugal”, no início do século XX. “Os fotógrafos estavam na rua todos os dias e fotografavam muito”, garante. “Não há nenhum acontecimento da primeira república de que não se encontre representação fotográfica”, afirmou Teresa Siza.
A investigadora considera que “o grande século da chapelaria em Portugal é a segunda metade do século XIX e a primeira do século XX”, graças às medidas protecionistas que proibiam a importação de chapéus e incentivavam as exportações. De acordo com Teresa Siza, entre 1819 e 1927mais de 600.000 chapéus finos foram exportados a partir de Lisboa e mais de 860.000 a partir do Porto. A fotografia teve um particular papel no desenvolvimento do comércio e exportação dos chapéus, graças ao rasgo de alguns empresários que apostaram na criação de catálogos.

Moles, bonés, cocos, palinhas e cartolas
A especialista em fotografia notou que no início do século XX a grande variedade de chapéus fez com que estes deixassem de ser identificativos de uma classe ou ideologia como o eram anteriormente. “É um período interessante porque, pela primeira vez, há um novo personagem nas fotografias: o povo”, disse.
Teresa Siza mostrou diversas fotografias à audiência onde se contavam chapéus moles, bonés, cocos, palinhas e algumas cartolas. “São os chapéus que saúdam os gloriosos revolucionários do 5 de Outubro”, disse ao mostrar um conjunto de fotografias do dia da revolução. “As imagens de Aurélio Paz dos Reis do 5 de Outubro são muito compostas e exprimem fixação em registar movimento. São quase panfletos republicanos” mostrou. A especialista alertou para o facto das fotografias disfarçarem o verdadeiro aspeto dos chapéus. “O uso continuado ensebava os chapéus tornando-os pouco apetecíveis para as pessoas que queriam andar muito bem vestidas”, disse. Contudo, por aquela altura continuava a ser usado como forma de saudação e sinal de respeito. Já não simbolizava classes nem ideologias como se pode ver em algumas fotografias onde populares usam o mesmo tipo de chapéu dos governantes. “Sempre que se vitoria tira-se o chapéu”, seja ele qual for, atenta Teresa Siza. “O chapéu cobria todas as cabeças, desde as mais régias. Salta as classes e, nas imagens, ilude os grupos sociais. Identifica populações inteiras”, afirma.
A título de exemplo, Teresa Siza lembrou que Bernardino Machado gostava muito de usar chapéu alto, que era geralmente “muito usado pelos republicanos”, e “fazia um perfil muito bonito”. O chapéu de abas largas era, como o chapéu de coco, muito usado. Já o de palha, “muito simpático” e “preferido para estações de boa temperatura”, era usado por ciganos e mendigos quando já estava muito usado.
É caso para dizer: cada cabeça seu chapéu, já que “o século XIX exige o uso do chapéu por causa da praga de piolhos”. Segundo Teresa Siza, esta praga só foi erradicada depois da II Guerra Mundial, o que pode significar que “há uma relação” entre a erradicação e o desuso do chapéu. “Não há nenhuma cientificidade nesta associação”, alerta a investigadora, “mas o chapéu cai em desuso em todas as sociedades ricas nos anos 60”, altura em que os piolhos desaparecem.
O ciclo de conferências “Um chapéu pode cobrir muitas ideias...” é organizado pela Associação dos Amigos do Museu da Chapelaria e esta foi a terceira sessão.

Por: Liliana Guimarães


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