OS CENTROS REPUBLICANOS E O MOVIMENTO ESCOLAR REPUBLICANO
"A multiplicação dos Centros republicanos por todo o País, e sobretudo em Lisboa, é uma grandiosa afirmação de força moral, sem precedente algum comparável entre nós. Os partidos históricos (monárquicos) tiveram, é certo, nos melhores tempos da monarquia liberal, os seus núcleos de acção local mas nunca assim, com semelhante extensão e intensidade de voda pública. Hoje na capital rara será a freguesia que não conte o seu Centro republicano e com que ardente comunicativa pulsação de generoso apostolado" - Bernardino Machado
Já em anteriores blogues temos transcrito intervenções de Bernardino Machado nos centros escolares republicanos durante os anos que precederam a queda da monarquia.
Gostariamos de referir o texto sobre os Centros Escolares do Museu Virtual de Educação, do Portal da Secretaria-Geral do Ministério da Educação:
Os Centros Escolares Republicanos
As Origens
Os Centros Escolares Republicanos fazem parte da riquíssima história do associativismo, tão vigoroso na segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Fenómeno também europeu o associativismo oitocentista visava responder aos problemas e solicitações sociais decorrentes de transformações muito importantes, então vividas tanto na sociedade portuguesa como nas demais sociedades dos países ocidentais.
Entre essas transformações, merece referência particular o fenómeno do desenvolvimento das cidades, decorrente do crescimento demográfico e das intensas migrações do campo para as cidades. É neste contexto historicamente inédito que se assiste ao declínio de formas tradicionais de sociabilidade, à proletarização de camadas importantes da sociedade, à emergência de formas novas de pobreza e mesmo ao agravamento de formas de comportamentos desviantes como o alcoolismo, a vadiagem e a prostituição. Da imensa variedade de todos esses problemas decorre a infinita variedade das associações então criadas, muito diversas quanto à sua natureza, às suas finalidades e às qualidades e condições sociais dos seus associados.
As associações surgem assim como resposta a problemas sociais graves de desenraizamento e de sociabilidade, pois visam o reenquadramento social do indivíduo, sobretudo urbano, numa determinada “associação”, que pode ter objectivos meramente bairristas, ou então sérias motivações profissionais, culturais, filantrópicas, cívicas, políticas, recreativas ou mesmo explicitamente educativas. A pujança do associativismo oitocentista acaba por envolver todas as camadas sociais, embora seja de longe mais intenso nas cidades, entre as classes médias e as camadas mais pobres da sociedade.
Sabemos que a generalidade das associações tinha objectivos estritamente laicos e era muitas vezes politicamente progressista. Muitas das associações criadas entre nós no último quartel do século XIX tinham, porém, uma importante acção cultural e educativa. É o caso do Clube Escolar José Estêvão Coelho de Magalhães, de 1883, ou o Clube Magalhães Lima, de 1891, ambos de provável influência maçónica.
Outras formas típicas do associativismo português oitocentista são ainda as famosas “Sociedades Promotoras”, tais como a Sociedade Promotora de Escolas, herdeira da Sociedade Promotora de Asilos, Creches e Escolas (fundada em 1904) e de uma mais antiga Sociedade Promotora de Creches, criada em 1876. Todas estas sociedades estão na origem, como já vimos, da Escola Oficina N.º 1. Estas “Sociedades Promotoras” visavam o bem-estar das crianças portuguesas, nomeadamente das mais desprotegidas, isto é, as de origem social mais pobre, residentes nas grandes cidades, muitas vezes vivendo próximas de situações da maior marginalidade, em contextos urbanos muito insalubres.
Como sabemos, eram muito graves as sequelas sociais ocasionadas pelas graves crises de saúde vividas ao longo do Século XIX. Proporcionadas pelas epidemias cíclicas, elas provocavam taxas de orfandade muito elevadas e atingiam sobretudo as camadas mais pobres. Por outro lado, a proletarização de camadas cada vez maiores da população urbana deixava ao abandono uma quantidade cada vez maior de crianças que havia que educar e enquadrar socialmente. Era necessário e urgente acudir ao gravíssimo problema social proporcionado pela existência de amplas camadas infanto-juvenis vítimas da pobreza, da orfandade, do abandono e do analfabetismo. Face à falência ou à inoperância dos sistemas assistenciais e educativos do Estado, muitas associações procuraram contribuir, cada uma de acordo com a sua natureza, os seus fins e os seus meios para a resolução, sempre pontual e localizada, dos problemas sociais vividos pelas crianças e jovens da comunidade em que se integravam e que serviam. Por isso, muitas das associações então criadas procuravam contribuir para a criação e sobretudo para a educação das crianças desprotegidas, de modo a transforma-las em verdadeiros cidadãos, devidamente escolarizados, portadores de uma eficiente formação profissional, como hoje diríamos e, enfim, úteis à comunidade.
Por outro lado, face às fragilidades do sistema oficial de ensino, nomeadamente ao nível do ensino primário, havia que procurar alternativas mais ou menos informais e até improvisadas mas que respondessem, mesmo que parcialmente, a alguns dos problemas inerentes à deficiente escolaridade dos portugueses e em particular ao problema do analfabetismo. Assim, desde pelo menos o início dos anos 80 do Século XIX que se vão improvisando e ensaiando, promovidos por entidades particulares, modelos organizativos de escolas e de cursos alternativos à escola oficial e às suas graves deficiências. Visava-se quer o combate às carências escolares de sectores importantes da população, quer o ensaio de modelos escolares e pedagógicos alternativos, eventualmente conducentes a uma praxis e a uma escola “nova” e mesmo “republicana”.
Ora, das imensas finalidades (acima referidas) das inúmeras associações então criadas - e que tão bem ilustram a riqueza e a vitalidade do associativismo oitocentista - reteremos apenas as associações com fins educativos. Elas visavam combater, como vemos, as deficiências do sistema oficial de ensino e o gravíssimo problema do analfabetismo.
Um das primeiras alternativas então ensaiadas para resolver o problema da deficiente escolaridade dos portugueses foi proporcionado pela famosa “Associação das Escolas Móveis”, fundada em 1881 por Casimiro Freire, um industrial benemérito e filantropo, devotado à causa da educação. A “Associação das Escolas Móveis” tinha como objectivo levar a escolaridade básica às crianças e adultos residentes em lugares desprovidos de escola. Esta associação era “sustentada por um grupo de beneméritos políticos, que desse modo combatiam a ineficiência das instituições monárquicas no campo do ensino, tornando atraente a propaganda das doutrinas republicanas”. É ainda neste contexto que surgem os Centros Escolares Republicanos e é ainda neste quadro e parcialmente com estes objectivos que surge a famosa Escola Oficina N.º 1, já atrás referida, criada pela Maçonaria Portuguesa em 1905.
Como sabemos, os republicanos serviam-se da escolarização, ainda que muito parcial, de certos segmentos da população, essencialmente em contexto urbano, para a propaganda dos valores ideológicos e políticos da República. A sua intervenção local, nos diferentes bairros, fazia-se a partir dos Centros Republicanos, que tinham objectivos essencialmente políticos e partidários, ao serviço da propaganda dos ideais republicanos. A criação de Centros Republicanos, enquanto sedes e locais de trabalho e de propaganda, cedo implica a organização de cursos, quer para a população em idade escolar quer para adultos. Como vemos, o universo dos Centros Republicanos “incluiu não só as instituições com essa designação precisa mas também determinados centros escolares, de propaganda ou eleitorais, etc., ligados ao republicanismo. Irmanados na difusão do ideário republicano, os Centros caracterizavam-se ainda por serem apoiados pela Maçonaria e desenvolveram uma actividade filantrópica no campo educativo, expressa vulgarmente na criação duma escola primária e na regência de cursos escolares (como forma de laicizar o ensino)”.
Ora, a necessidade de dar uma organização e uma estrutura mais formal ao ensino proporcionado levou num segundo momento à criação dos Centros Escolares Republicanos, que desenvolviam a sua acção educativa ao lado de toda uma série de associações e agrupamentos de bairro que organizavam também cursos, mais ou menos improvisados, para acorrer às necessidades educativas das populações dos bairros onde estavam integradas.
Rómulo de Carvalho sintetiza bem o processo de formação dos velhos Centros Escolares Republicanos e as suas funções quando escreve: “tema de combate insistente na propaganda republicana foi sempre o da instrução, não só em palavras proferidas e escritas mas em realizações concretas. O Partido Republicano, que possuía Centros de convívio e de acção cultural espalhados por todo o país, instituiu escolas primárias nesses Centros onde muitos beneméritos, uns, professores de facto, outros, colaboradores animosos que supriam, com o seu entusiasmo, a falta de preparação específica para o desempenho de tal missão, empregavam as suas horas livres ensinando a ler, a escrever e a contar crianças e adultos. Esta actividade simpática cativou muita gente porque foi realizada com proveito e entusiasmo. Para outras camadas sociais, mais preparadas e mais exigentes, também o partido Republicano teve um auxílio a prestar, um pensamento a oferecer, uma informação a comunicar, organizando sessões diversas, promovendo conferências e dando lições pela voz de militantes prestigiados”.
Pela sua origem, pela sua natureza, pelos seus objectivos e até pelos seus estatutos, os Centros Escolares Republicanos distinguem-se de outras associações e sociedades da época, mesmo quando estas também tivessem, embora sempre subsidiariamente, objectivos educativos. Com efeito, os Centros Escolares Republicanos, pelos seus estatutos, tinham como objectivo determinante uma função escolar, proporcionando educação e formação a segmentos importantes da comunidade em que se inseriam e que serviam. Os Centros Escolares Republicanos distinguem-se, do mesmo modo, dos chamados Centros Republicanos, pois estes tinham essencialmente objectivos políticos e partidários.
Nesta revisitação dos Centros Escolares Republicanos merece uma referência particular a famosa Sociedade de Instrução e Beneficência A Voz do Operário, que é uma sociedade com origem, natureza e finalidades distintas. Esta Sociedade fora fundada em 1883 mas, apesar das suas finalidades de âmbito social, sugeridas no seu próprio nome, estava isenta da valência político-partidária inerente aos Centros Republicanos propriamente ditos e de que emergiram os Centros Escolares Republicanos. Com efeito, A Voz do Operário cingia-se a uma intervenção que, embora eventualmente impregnada de espírito republicano, incide exclusivamente numa intervenção de âmbito social, humanitário mas também educativo.
A Sociedade de Instrução e Beneficência A Voz do Operário teve a sua origem nas lutas operárias de 1879, particularmente agudas na indústria tabaqueira. Nesse âmbito é criado (a 11-10-1879) o jornal A Voz do Operário, editado pela Associação dos Manipuladores de Tabaco, dinamizado por Custódio Brás Pacheco (Vila Nova de Mil Fontes, 1828-Lisboa, 1883). Quatro anos depois, a 13 de Fevereiro de 1883, os mesmos operários tabaqueiros (a seu tempo integrados na Secção Portuguesa da Internacional Operária Socialista, SPIO) criam a Sociedade de Instrução e Beneficência A Voz do Operário. Apesar das intensas influências das ideologias socialistas e republicanas, tão típicas da época, “e a par do seu papel no campo da luta política e da acção mutualista, será, contudo, no domínio da acção educativa que o papel da Sociedade mais se fará sentir, ganhando uma importância crescente nos anos seguintes, até atingir, por volta de 1932, o estatuto de mais importante núcleo de instrução primária da cidade de Lisboa, data que é também a da inauguração da sua nova sede, onde se manteve até aos dias de hoje. A função primeira a que se propôs, a instrução dos seus membros, foi inteiramente cumprida, tendo-se depois estendido, não somente aos seus familiares, mas a milhares de homens de trabalho, que percorreram as suas instalações e receberam as primeiras letras”. Hoje, a Voz do Operário, que dispõe de centro de dia, balneário e posto médico, é uma prestigiada e florescente escola de direito privado que proporciona Creche, Pré-Escolar e todos os níveis do Ensinos Básico.
Apesar da improvisação, do voluntarismo e das carências que se possam imaginar, os Centros Escolares Republicanos – pela generosidade e pelo empenho genuíno dos republicanos que os criaram, organizaram e mantiveram – desenvolveram uma acção que tem que se reconhecer como muito meritória, ao serviço da integração social, da participação cívica e da escolarização básica de camadas importantes da população dos bairros populares sobretudo de algumas grandes cidades. Com efeito, os Centros Escolares Republicanos eram organizações plenamente inseridas na vida dos bairros onde se criavam e que serviam. A simples lista dos fundadores e sócios do Centro Escolar Republicano da Ajuda (fundado em 1906), mostra-nos o quanto estes Centros eram organizações tipicamente populares. Independentemente do voluntarismo e da improvisação que se possam entrever na sua criação, a sincera adesão e mesmo militância pela causa da instrução e da alfabetização de muitos dos seus fundadores e sócios, solidamente ancorados no Bairro em que viviam, foram certamente um dos factores de sucesso da acção dos Centros Escolares Republicanos.
Bernardino Machado no aniversário da Escola 31 de Janeiro, da freguesia do Socorro, dirigida pelo jornalista Luís Derouet:
As Origens
Os Centros Escolares Republicanos fazem parte da riquíssima história do associativismo, tão vigoroso na segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Fenómeno também europeu o associativismo oitocentista visava responder aos problemas e solicitações sociais decorrentes de transformações muito importantes, então vividas tanto na sociedade portuguesa como nas demais sociedades dos países ocidentais.
Entre essas transformações, merece referência particular o fenómeno do desenvolvimento das cidades, decorrente do crescimento demográfico e das intensas migrações do campo para as cidades. É neste contexto historicamente inédito que se assiste ao declínio de formas tradicionais de sociabilidade, à proletarização de camadas importantes da sociedade, à emergência de formas novas de pobreza e mesmo ao agravamento de formas de comportamentos desviantes como o alcoolismo, a vadiagem e a prostituição. Da imensa variedade de todos esses problemas decorre a infinita variedade das associações então criadas, muito diversas quanto à sua natureza, às suas finalidades e às qualidades e condições sociais dos seus associados.
As associações surgem assim como resposta a problemas sociais graves de desenraizamento e de sociabilidade, pois visam o reenquadramento social do indivíduo, sobretudo urbano, numa determinada “associação”, que pode ter objectivos meramente bairristas, ou então sérias motivações profissionais, culturais, filantrópicas, cívicas, políticas, recreativas ou mesmo explicitamente educativas. A pujança do associativismo oitocentista acaba por envolver todas as camadas sociais, embora seja de longe mais intenso nas cidades, entre as classes médias e as camadas mais pobres da sociedade.
Sabemos que a generalidade das associações tinha objectivos estritamente laicos e era muitas vezes politicamente progressista. Muitas das associações criadas entre nós no último quartel do século XIX tinham, porém, uma importante acção cultural e educativa. É o caso do Clube Escolar José Estêvão Coelho de Magalhães, de 1883, ou o Clube Magalhães Lima, de 1891, ambos de provável influência maçónica.
Outras formas típicas do associativismo português oitocentista são ainda as famosas “Sociedades Promotoras”, tais como a Sociedade Promotora de Escolas, herdeira da Sociedade Promotora de Asilos, Creches e Escolas (fundada em 1904) e de uma mais antiga Sociedade Promotora de Creches, criada em 1876. Todas estas sociedades estão na origem, como já vimos, da Escola Oficina N.º 1. Estas “Sociedades Promotoras” visavam o bem-estar das crianças portuguesas, nomeadamente das mais desprotegidas, isto é, as de origem social mais pobre, residentes nas grandes cidades, muitas vezes vivendo próximas de situações da maior marginalidade, em contextos urbanos muito insalubres.
Como sabemos, eram muito graves as sequelas sociais ocasionadas pelas graves crises de saúde vividas ao longo do Século XIX. Proporcionadas pelas epidemias cíclicas, elas provocavam taxas de orfandade muito elevadas e atingiam sobretudo as camadas mais pobres. Por outro lado, a proletarização de camadas cada vez maiores da população urbana deixava ao abandono uma quantidade cada vez maior de crianças que havia que educar e enquadrar socialmente. Era necessário e urgente acudir ao gravíssimo problema social proporcionado pela existência de amplas camadas infanto-juvenis vítimas da pobreza, da orfandade, do abandono e do analfabetismo. Face à falência ou à inoperância dos sistemas assistenciais e educativos do Estado, muitas associações procuraram contribuir, cada uma de acordo com a sua natureza, os seus fins e os seus meios para a resolução, sempre pontual e localizada, dos problemas sociais vividos pelas crianças e jovens da comunidade em que se integravam e que serviam. Por isso, muitas das associações então criadas procuravam contribuir para a criação e sobretudo para a educação das crianças desprotegidas, de modo a transforma-las em verdadeiros cidadãos, devidamente escolarizados, portadores de uma eficiente formação profissional, como hoje diríamos e, enfim, úteis à comunidade.
Por outro lado, face às fragilidades do sistema oficial de ensino, nomeadamente ao nível do ensino primário, havia que procurar alternativas mais ou menos informais e até improvisadas mas que respondessem, mesmo que parcialmente, a alguns dos problemas inerentes à deficiente escolaridade dos portugueses e em particular ao problema do analfabetismo. Assim, desde pelo menos o início dos anos 80 do Século XIX que se vão improvisando e ensaiando, promovidos por entidades particulares, modelos organizativos de escolas e de cursos alternativos à escola oficial e às suas graves deficiências. Visava-se quer o combate às carências escolares de sectores importantes da população, quer o ensaio de modelos escolares e pedagógicos alternativos, eventualmente conducentes a uma praxis e a uma escola “nova” e mesmo “republicana”.
Ora, das imensas finalidades (acima referidas) das inúmeras associações então criadas - e que tão bem ilustram a riqueza e a vitalidade do associativismo oitocentista - reteremos apenas as associações com fins educativos. Elas visavam combater, como vemos, as deficiências do sistema oficial de ensino e o gravíssimo problema do analfabetismo.
Um das primeiras alternativas então ensaiadas para resolver o problema da deficiente escolaridade dos portugueses foi proporcionado pela famosa “Associação das Escolas Móveis”, fundada em 1881 por Casimiro Freire, um industrial benemérito e filantropo, devotado à causa da educação. A “Associação das Escolas Móveis” tinha como objectivo levar a escolaridade básica às crianças e adultos residentes em lugares desprovidos de escola. Esta associação era “sustentada por um grupo de beneméritos políticos, que desse modo combatiam a ineficiência das instituições monárquicas no campo do ensino, tornando atraente a propaganda das doutrinas republicanas”. É ainda neste contexto que surgem os Centros Escolares Republicanos e é ainda neste quadro e parcialmente com estes objectivos que surge a famosa Escola Oficina N.º 1, já atrás referida, criada pela Maçonaria Portuguesa em 1905.
Como sabemos, os republicanos serviam-se da escolarização, ainda que muito parcial, de certos segmentos da população, essencialmente em contexto urbano, para a propaganda dos valores ideológicos e políticos da República. A sua intervenção local, nos diferentes bairros, fazia-se a partir dos Centros Republicanos, que tinham objectivos essencialmente políticos e partidários, ao serviço da propaganda dos ideais republicanos. A criação de Centros Republicanos, enquanto sedes e locais de trabalho e de propaganda, cedo implica a organização de cursos, quer para a população em idade escolar quer para adultos. Como vemos, o universo dos Centros Republicanos “incluiu não só as instituições com essa designação precisa mas também determinados centros escolares, de propaganda ou eleitorais, etc., ligados ao republicanismo. Irmanados na difusão do ideário republicano, os Centros caracterizavam-se ainda por serem apoiados pela Maçonaria e desenvolveram uma actividade filantrópica no campo educativo, expressa vulgarmente na criação duma escola primária e na regência de cursos escolares (como forma de laicizar o ensino)”.
Ora, a necessidade de dar uma organização e uma estrutura mais formal ao ensino proporcionado levou num segundo momento à criação dos Centros Escolares Republicanos, que desenvolviam a sua acção educativa ao lado de toda uma série de associações e agrupamentos de bairro que organizavam também cursos, mais ou menos improvisados, para acorrer às necessidades educativas das populações dos bairros onde estavam integradas.
Rómulo de Carvalho sintetiza bem o processo de formação dos velhos Centros Escolares Republicanos e as suas funções quando escreve: “tema de combate insistente na propaganda republicana foi sempre o da instrução, não só em palavras proferidas e escritas mas em realizações concretas. O Partido Republicano, que possuía Centros de convívio e de acção cultural espalhados por todo o país, instituiu escolas primárias nesses Centros onde muitos beneméritos, uns, professores de facto, outros, colaboradores animosos que supriam, com o seu entusiasmo, a falta de preparação específica para o desempenho de tal missão, empregavam as suas horas livres ensinando a ler, a escrever e a contar crianças e adultos. Esta actividade simpática cativou muita gente porque foi realizada com proveito e entusiasmo. Para outras camadas sociais, mais preparadas e mais exigentes, também o partido Republicano teve um auxílio a prestar, um pensamento a oferecer, uma informação a comunicar, organizando sessões diversas, promovendo conferências e dando lições pela voz de militantes prestigiados”.
Pela sua origem, pela sua natureza, pelos seus objectivos e até pelos seus estatutos, os Centros Escolares Republicanos distinguem-se de outras associações e sociedades da época, mesmo quando estas também tivessem, embora sempre subsidiariamente, objectivos educativos. Com efeito, os Centros Escolares Republicanos, pelos seus estatutos, tinham como objectivo determinante uma função escolar, proporcionando educação e formação a segmentos importantes da comunidade em que se inseriam e que serviam. Os Centros Escolares Republicanos distinguem-se, do mesmo modo, dos chamados Centros Republicanos, pois estes tinham essencialmente objectivos políticos e partidários.
Nesta revisitação dos Centros Escolares Republicanos merece uma referência particular a famosa Sociedade de Instrução e Beneficência A Voz do Operário, que é uma sociedade com origem, natureza e finalidades distintas. Esta Sociedade fora fundada em 1883 mas, apesar das suas finalidades de âmbito social, sugeridas no seu próprio nome, estava isenta da valência político-partidária inerente aos Centros Republicanos propriamente ditos e de que emergiram os Centros Escolares Republicanos. Com efeito, A Voz do Operário cingia-se a uma intervenção que, embora eventualmente impregnada de espírito republicano, incide exclusivamente numa intervenção de âmbito social, humanitário mas também educativo.
A Sociedade de Instrução e Beneficência A Voz do Operário teve a sua origem nas lutas operárias de 1879, particularmente agudas na indústria tabaqueira. Nesse âmbito é criado (a 11-10-1879) o jornal A Voz do Operário, editado pela Associação dos Manipuladores de Tabaco, dinamizado por Custódio Brás Pacheco (Vila Nova de Mil Fontes, 1828-Lisboa, 1883). Quatro anos depois, a 13 de Fevereiro de 1883, os mesmos operários tabaqueiros (a seu tempo integrados na Secção Portuguesa da Internacional Operária Socialista, SPIO) criam a Sociedade de Instrução e Beneficência A Voz do Operário. Apesar das intensas influências das ideologias socialistas e republicanas, tão típicas da época, “e a par do seu papel no campo da luta política e da acção mutualista, será, contudo, no domínio da acção educativa que o papel da Sociedade mais se fará sentir, ganhando uma importância crescente nos anos seguintes, até atingir, por volta de 1932, o estatuto de mais importante núcleo de instrução primária da cidade de Lisboa, data que é também a da inauguração da sua nova sede, onde se manteve até aos dias de hoje. A função primeira a que se propôs, a instrução dos seus membros, foi inteiramente cumprida, tendo-se depois estendido, não somente aos seus familiares, mas a milhares de homens de trabalho, que percorreram as suas instalações e receberam as primeiras letras”. Hoje, a Voz do Operário, que dispõe de centro de dia, balneário e posto médico, é uma prestigiada e florescente escola de direito privado que proporciona Creche, Pré-Escolar e todos os níveis do Ensinos Básico.
Apesar da improvisação, do voluntarismo e das carências que se possam imaginar, os Centros Escolares Republicanos – pela generosidade e pelo empenho genuíno dos republicanos que os criaram, organizaram e mantiveram – desenvolveram uma acção que tem que se reconhecer como muito meritória, ao serviço da integração social, da participação cívica e da escolarização básica de camadas importantes da população dos bairros populares sobretudo de algumas grandes cidades. Com efeito, os Centros Escolares Republicanos eram organizações plenamente inseridas na vida dos bairros onde se criavam e que serviam. A simples lista dos fundadores e sócios do Centro Escolar Republicano da Ajuda (fundado em 1906), mostra-nos o quanto estes Centros eram organizações tipicamente populares. Independentemente do voluntarismo e da improvisação que se possam entrever na sua criação, a sincera adesão e mesmo militância pela causa da instrução e da alfabetização de muitos dos seus fundadores e sócios, solidamente ancorados no Bairro em que viviam, foram certamente um dos factores de sucesso da acção dos Centros Escolares Republicanos.
Bernardino Machado no aniversário da Escola 31 de Janeiro, da freguesia do Socorro, dirigida pelo jornalista Luís Derouet:
Bernardino Machado na inauguração do grupo "A Juventude Republicana":
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