quinta-feira, 7 de janeiro de 2010



O MOVIMENTO ESCOLAR REPUBLICANO


Discurso de Bernardino Machado no Centro Republicano de Belém, em 3 de Maio de 1908




Centro Escolar Republicano de Belém



"O Centro Escolar Republicano de Belém, patrocinado por Bernardino Machado, foi fundado a 25 de Março de 1907 no Largo dos Jerónimos, onde se manteve até 1936, quando mudou de instalações. Desempenhou uma acção notável, nomeadamente no âmbito dos inúmeros cursos diurnos e nocturnos que promoveu, para lá da organização de cursos de línguas, de uma biblioteca e de um “gabinete de leitura”. Tendo tido Estatutos aprovados a 1 de Agosto de 1913, a eles se reporta o Regulamento acima referido, que passaremos a analisar.
O Regulamento do Centro Escolar Republicano de Belém inicia-se com uma referência à “Designação e fins”, passando em seguida ao capítulo “Dos sócios”, onde, entre outras determinações, se enunciam os seus deveres e direitos. Referem-se nos capítulos seguintes os órgãos dirigentes do Centro, em tudo conformes com os de uma associação normal dos nossos dias: “Assembleia Geral”, “Direcção”, “Conselho Fiscal”, havendo uma “entrada” intercalada referente a “Eleições”.
As determinações regulamentares relativas aos Professores constam apenas do Capítulo VI, seguindo-se uma referência aos Empregados. O Capítulo VIII, “Dos fundos do Centro”, refere-se a financiamentos e matérias semelhantes, enquanto o capítulo seguinte, “Da Escola” se refere essencialmente à organização dos cursos e ao seu público-alvo, como diríamos hoje. Tal como os Estatutos de qualquer associação actual, o Regulamento encerra com a referência da praxe às “Disposições transitórias”.
Do Regulamento ficamos a saber (Art.º 2.º) que o Centro “é completa e absolutamente estranho à política partidária, mantendo-se contudo dentro dos princípios republicanos”. Enunciam-se em seguida os seus grandes objectivos (Art.º 3.º). Por serem muito relevantes e mesmo exemplares pois eles dizem tudo das grandes finalidades da generalidade dos Centros Escolares Republicanos, citam-se integralmente:
“Art. 3.º - São seus fins, como agente de propaganda republicana, instrutiva, social e humanitária:
1.º Servir de laço de união, de solidariedade e de amor fraterno entre todos os republicanos, e principalmente entre os seus associados;
2.º Fazer a mais intensa propaganda e difusão possível do ideal republicano;
3.º Difundir a instrução mas classes populares, fundando escolas, gabinetes de leitura e cursos de diversas disciplinas;
4.º Afixar nas salas do Centro, e principalmente na das aulas, em quadros impressos e, sendo possível, com gravuras, pensamentos e máximas sobre moral e educação cívica de forma a fixarem-se na retentiva das crianças e dos sócios, e a guiar-lhes a conduta pela vida em fora;
5.º - Criar uma biblioteca de livros, revistas e jornais nacionais e estrangeiros;
6.º Empreender excursões, visitas a museus e monumentos d’onde se obtenham conhecimentos instrutivos de recreio e de utilidade aos sócios, suas famílias e à República;
7.º Celebrar conferências, simples palestras científicas ou literárias, sessões de leitura e lições de coisas;
8.º Promover sessões, publicar manifestos e opúsculos sobre assuntos instrutivos e científicos e em geral tudo quanto for de utilidade para a propaganda, para a instrução e para a educação cívica dos sócios;
9.º Colocar na sala das sessões, em sítio bem visível, uma caixa destinada a recolher donativos para o fundo escolar, a qual terá a indicação respectiva;
10.º Ceder as suas salas a todas as sessões de propaganda política, não contrária aos ideais republicanos, sendo no entanto vedado aos membros dos corpos gerentes terem representação na mesa das mesmas sessões para que a sua presença não possa ser tomada como adesão deste Centro a qualquer partido”.
Do enunciado das finalidades deste Centro Escolar, é fácil deduzir que elas se distribuem por três grupos. Em primeiro lugar, temos as de natureza ideológica: tratando-se de um corpo associativo “para-republicano” que se assume explicita e “absolutamente estranho à política partidária”, o Centro mantém-se e organiza-se, porém, “dentro dos princípios republicanos”. Por isso o Centro se assume explicitamente como “agente de propaganda republicana, instrutiva, social e humanitária”, cujas finalidades passam por servir de “laço de união, de solidariedade e de amor fraterno entre todos os republicanos” e, por outro lado, por “fazer a mais intensa propaganda e difusão possível do ideal republicano”, prevendo-se mesmo, para isso, a cedência das “suas salas a todas as sessões de propaganda política, não contrária aos ideais republicanos”.
As finalidades do Centro incidem, em segundo lugar, enquanto Centro Escolar que é, na organização e na sustentação financeira de cursos e outras actividades educativas, visando a elevação do nível de instrução das comunidade em que o Centro esta inserido. Como vimos, visa-se “difundir a instrução nas classes populares, fundando escolas, gabinetes de leitura e cursos de diversas disciplinas”, criando “uma biblioteca de livros, revistas e jornais nacionais e estrangeiros” e promovendo iniciativas educativas em si extra-curriculares, tais como “excursões, visitas a museus e monumentos”. Saliente-se a incidência na formação moral e cívica do público-alvo contemplado pelo Centro, que leva à determinação de mandar “afixar nas salas do Centro, e principalmente na das aulas, em quadros impressos e, sendo possível, com gravuras, pensamentos e máximas sobre moral e educação cívica de forma a fixarem-se na retentiva das crianças e dos sócios”.
Ainda no domínio das finalidades estritamente educativas do Centro, repare-se no recurso à “caixa” dos donativos, a herdeira da tão tradicional “caixa das esmolas”, típica forma de financiamento de associações, confrarias e irmandades tradicionais. Com efeito, previa-se no Regulamento “colocar na sala das sessões, em sítio bem visível, uma caixa destinada a recolher donativos para o fundo escolar, a qual terá a indicação respectiva”.
Localizado – como todos os Centros Escolares Republicanos - num bairro popular, as finalidades do Centro Escolar Republicano de Belém passam, em terceiro lugar, por servir o conjunto da população (mesmo a que está fora de qualquer tipo de escolaridade), proporcionando-lhe honesto mas modelares equipamentos e instrumentos de informação e promoção cultural. Era o caso da já referida “biblioteca de livros, revistas e jornais nacionais e estrangeiros”, natural e maioritariamente vocacionada para o público adulto. Era também o caso das visitas e excursões previstas, todas com um cunho educativo e cultural, pois delas se prevê que “se obtenham conhecimentos instrutivos de recreio e de utilidade aos sócios, suas famílias e à República”. Era ainda, enfim, o caso das “sessões” e das palestras, bem como das próprias publicações culturais e científicas, cuja edição se previa explicitamente. Visava-se, enfim, a promoção social e cultural do conjunto da comunidade, mediante o acesso a variadas formas de informação “sobre assuntos instrutivos e científicos e em geral tudo quanto for de utilidade para a propaganda, para a instrução e para a educação cívica dos sócios”.
Enquanto Centro Escolar que é, o Regulamento do Centro Escolar Republicano de Belém debruça-se em pormenor sobre os Professores a recrutar para o Centro (Cap.º VI). Enunciam-se determinações referentes à constituição do corpo docente, que se prevê que seja integralmente feminino e constituído por uma professora regente e professoras auxiliares, (Art.º 47.º); ao seu provimento (Art.º 48.º); às habilitações, “condições morais e físicas” e demais procedimentos para os respectivos concursos (Art.º 49.º), determinando-se ainda ser de “obrigar a candidata a professar o ensino laico” (Art.º 49.º, § 3.º). Segue-se o enunciado das competências das professoras, o horário de funcionamento dos cursos, bem como determinações de natureza pedagógica, disciplinar e até sanitária, visando o bom funcionamento dos cursos (Art.º 5º, 51 e 52.º).
Enfim, o Capítulo IX, “Da Escola”, regulamenta aspectos de organização e de funcionamento tão importantes como a idade escolar dos alunos (Art.º 59.º), a “admissão e a demissão dos alunos” (Art.º 60.º), o valor da matrícula (a pagar no acto da inscrição) e a propina inerente à mensalidade, com interessantes medidas compensatórias para atrasos e impossibilidades de pagamento (Art.º 62.º e Art.º 68.º). Os artigos seguintes referem-se aos horários dos cursos e às férias escolares (Art.º 63.º e Art.º 69.º), às penalizações pelas faltas injustificadas (Art.º 64.º), a avaliações “intercalares” mediante provas orais (Art.º 65.º), aos exames anuais (Art.º 66.º) e, enfim, ao registo das presenças num “caderno de presenças” (Art.º 67.º)."
(Ver: - Museu Virtual da Educação - Secretaria-Geral do Ministério da Educação)





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