Meu tio Bernardino tinha 24 anos quando, mobilizado como alferes de cavalaria, embarcou em 2 de Julho de 1917 para a Flandres. Na frente de batalha ofereceu-se para exercer a ocupação de oficial sinaleiro, na montagem e segurança das linhas de comunicação, uma actividade de risco. Manteve-se sempre nas trincheiras, excepto durante o curto período de gozo de licença em Fevereiro de 1918, que aproveitou para vir a Lisboa, onde residia sua noiva, filha do Coronel José Peres. Foi nesta viagem de licença que esteve com seu pai, então no exílio, que acabava de chegar a Paris, vindo de Madrid. Não andou em Paris a divertir-se, como ainda leio nalguns textos maledicentes, onde repetem “que os filhos do Bernardino e do Afonso foram para França, não para a guerra, mas para se divertiram em Paris”. Regressou para o “front” no dia 19 de Fevereiro e durante a estada em Lisboa esteve hospedado no Hotel Continental, onde foi entrevistado por Bourbon e Menezes, do jornal “A Capital” (25 de Fevereiro de 1918).
Meu tio Bernardino já tinha estado com o pai na Flandres, antes do golpe de estado sidonista, quando da viagem presidencial. Estava em Lillers, com outros oficiais, à chegada dos Presidentes da República de França e de Portugal, sendo-lhe concedida, pelo General Gomes da Costa, licença para jantar com seu pai no dia 11 de Outubro, de quem se despede no dia 15 seguinte em St. Venant.
Durante a Batalha de La Lys sofreu com gravidade os efeitos dos gases, tendo sido evacuado para cuidados hospitalares.
Vem para Portugal em Agosto de 1918, sendo desmobilizado no final de Setembro, após uma permanência no Hospital Militar da Estrela. É nesta viagem de regresso, que volta a encontrar Bernardino Machado, então residindo em Hendaya acompanhado pela Mulher e tres filhos, Maria, Jerónima e Narciso.
França
3-9-1917
Meu Caro Alberto
Muito lhe agradeço a carta que hoje recebi. V. de certo compreende o alvoroço e o prazer que sinto com as notícias que daí recebo. São elas que vêem quebrar um pouco a aridez e monotonia do meu viver, pois que me dando notícias da casa, por instantes dissipam as muitas saudades que de todos tenho. E pode estar certo, meu caro Alberto, que a sua quota-parte, me deixa profundamente reconhecido. Pena tenho que as meninas, excepção feita à Maria, não substituam o laconismo dum postal por mais suculenta carta.
Por aqui nada de novo. É já com indiferença que vemos passar os aviões inimigos, a caminho da sua trágica e cobarde missão. O interesse com que ao principio seguia os seus voos ligeiros, e a curiosidade que em mim despertavam as suas finas silhuetas, perdidas ao longe, no claro céu azul, de todo passou, pela frequência com que estes espectáculos se repetem.
Se não fora o constante ribombar da artilharia, nada nos indicaria que estávamos em guerra.
A pacatez em que vegeto muito se assemelha a essa paz virgiliana que há aí. Somente aqui o sol não brilha com o mesmo fulgor, nem as quebradas dos montes repetem como aí, as alegres canções da gente que trabalha.
Por toda a parte, luto e desolação. Tudo nos faz sentir o cansaço e a fadiga dum povo, que não obstante, ainda se bate heroicamente. Mas a poesia das coisas morreu, e ás tardes, ao por do sol, o plangente toque das Ave Marias não tem a mística doçura do da nossa terra, e dum cantigo de graças ele converteu-se num amargurado soluçar.
O fanatismo desta gente é grande, e ninguém falta á missa.
Ontem assisti por acaso á saída dos fiéis. Ao vê-los, eu tive a nítida impressão da hecatombe que esta guerra representa. Todos de luto, os seus crepes atestam bem a carnificina que se tem feito.
Mas falemos de outra coisa. Quando parte para o Gerez?
São horas do chá. É servido?
Adeus, meu caro Alberto! Saudades à Rita e beijos aos petizes, em especial á minha afilhada.
Abraça-o o seu cunhado e amigo
Bernardino
1 comentário:
Boa tarde
Sabe dizer-me a data de falecimento do Alferes Bernardino Machado?
Cumprimentos
Pedro Soares Branco
(pedro.soares.branco@gmail.com)
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