sábado, 31 de dezembro de 2011



"A Musa em Férias" de Guerra Junqueiro


 Bernardino Machado, no Porto em 1906, na casa de Guerra Junqueiro (na escada quase ao cimo) ladeado por Afonso Costa (à esquerda) e António José de Almeida (à direita)


A amizade entre Bernardino Machado e Guerra Junqueiro começou em 1867, quando ambos iniciaram os estudos na Universidade de Coimbra. O livro de versos de Guerra Junqueiro - "A Musa em Férias"- é dedicado aos seus companheiros universitários - Luís de Andrade, Alfredo Teixeira Pinto Leão e Bernardino Machado. Transcrevemos as páginas do "Anuário da Universidade de Coimbra do Ano Lectivo de 187 para 1868". onde estão referenciados estes quatro alunos e os seus professores.










(Dedicatória de introdução a «A Musa em Férias»)



Recordam-se vocês do bom tempo d'outrora,

Dum tempo que passou e que não volta mais,

Quando íamos a rir pela existência fora

Alegres como em Junho os bandos dos pardais?

C'roava-nos a fronte um diadema d'aurora,

E o nosso coração vestido de esplendor

Era um divino Abril radiante, onde as abelhas

Vinham sugar o mel na balsâmica em flor.

Que doiradas canções nossas bocas vermelhas

Não lançaram então perdidas pelo ar!...

Mil quimeras de glória e mil sonhos dispersos,

Canções feitas sem versos,

E que nós nunca mais havemos de cantar!

Nunca mais! nunca mais! Os sonhos e as esp'ranças

São áureos colibris das regiões da alvorada,

Que buscam para ninho os peitos das crianças.

E quando a neve cai já sobre a nossa estrada,

E quando o Inverno chega à nossa alma,então

Os pobres colibris, coitados, sentem frio,

E deixam-nos a nós o coração vazio,

Para fazer o ninho em outro coração.

Meus amigos, a vida é um Sol que chega ao cúmulo

Quando cantam em nós essas canções celestes;

A sua aurora é o berço, e o seu ocaso é o túmulo

Ergue-se entre os rosais e expira entre os ciprestes.

Por isso, quando o Sol da vida já declina,

Mostrando-nos ao longe as sombras do poente,

É-nos doce parar na encosta da colina

E volver para trás o nosso olhar plangente,

Para trás, para trás, para os tempos remotos

Tão cheios de canções, tão cheios de embriaguez,

Porque, ai! a juventude é como a flor do lótus,

Que em cem anos floresce apenas uma vez.



E como o noivo triste a quem morreu a amante,

E que ao sepulcro vai com suas mãos piedosas

Sobre um amor eterno — o amor dum só instante —

Deixar uma saudade e uma c'roa de rosas;

Assim, amigos meus, eu vou sobre um tesouro,

Sobre o estreito caixão, pequenino, infantil,

Da nossa mocidade, — a cotovia d'ouro

Que nasceu e morreu numa manhã d'Abril! —

Desprender, desfolhar estas canções sem nexo,

Estas pobres canções, tão simples, tão banais,

Mas onde existe ainda um pálido reflexo

Do tempo que passou, e que não volta mais.














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